Domingo é aquele dia marcado por almoços longos, igreja e futebol em diferentes latitudes pelo mundo. E, culturalmente, de samba, se a localidade em questão for qualquer cidade do Brasil. Ou, a capital italiana. Sim, Roma!
Não imagine um chorinho calmo, tímido, reduto de intelectuais. Muito menos uma festa na qual ecoa o português e é feita pela e para a comunidade brasileira.
É roda de samba animada, que vai noite afundo — coisa rara na Cidade Eterna, que é diurna. O público cativo é formado por italianos e estrangeiros que vivem na cidade, mas, claro, há uma parcela de brasileiros, que não são a maioria.
Juntos, todos cantam junto e pedem bis em refrões como "O meu lugar, é cercado de luta e suor, esperança num mundo melhor, é cerveja pra comemorar", de Arlindo Cruz, da canção Meu Lugar.
"Roma de Janeiro"
Os responsáveis por esse animado movimento são quatro italianos, ou melhor, romanos — comumente chamados de "cariocas da Itália", enquanto o milanês é associado ao paulistano, ambos pela semelhança do lifestyle de cada cidade.
Por falar em São Paulo, um parênteses se faz necessário: a terra da garoa também chega na Cidade Eterna para mostrar que tem samba, com ícones como Demônios da Garoa e a sua Trem das Onze.
É esse quarteto que dá vida ao Roma de Janeiro. Aldo Verducci é o líder, o dono da voz e do gingado que até o mais ávido seguidor da trupe ousa acreditar que ele é italiano; Leonardo Bevilacqua comanda a percussão com a maestria que parece ter nascido na terra do maracatu; Simone Paoletti e Raffaelle Parisella, no violão e cavaquinho, respectivamente, parecem que cresceram nas noites de chorinho.
A gente pesquisa, estuda e vive a cultura brasileira diariamente. E ensaia uma vez por semana! Não vivemos da música, todo mundo aqui tem outro trabalho. Mas, todo tempo livre é dedicado para isso, explica Simone.
"É muito bonito ver essa comunidade do samba que está se formando em Roma. E ver nossos conterrâneos apreciando a música brasileira", comenta Aldo e Leonardo, reitera.
Mas, aqui, nós é que somos os 'gringos', então, o nosso êxtase é quando a gente percebe que conseguiu emocionar um brasileiro ou quando o elogio vem deles.
E ele vem: quando tem show, as redes sociais da banda, é uma chuva de stories dizendo "Um voo direto Roma - Rio", "teletransporte para o RJ", "O Rio em Roma".
Aquele sentimento de "a gente deu certo" chega também com as tantas participações especiais nas apresentações: algumas chancela lá "de grife" foram Luiz Augusto Guimarães — músico que fez parte do histórico Samba do Trabalhador, que acontece às segundas-feiras no Rio de Janeiro; e que traz no currículo trabalhos com nomes como Casuarina e Leila Pinheiro; e Gabriele Policarpo, que já trabalhou ao lado de Maria Bethânia, Martinho da Vila e Unidos da Viradouro.
Dos fones para a rua
Claro que o projeto não faz sucesso de um dia para o outro. E tem vivido esse frisson, que aumenta a cada roda, nos últimos dois anos, muito por conta dos espaços que os mercados públicos — estilo mercadões mesmo, de Roma, estão abrindo para a cultura, em aberturas extraordinárias à noite, com entrada gratuita.
Cada um já tinha histórias pessoais de, minimamente, quase uma década de devoção à música brasileira. Acabaram cruzando os caminhos nas rodas de samba de um bar, o Baffo della Gioconda, que Aldo teve por muito tempo e era uma referência da boemia romana.
Quando tudo fechou por conta da covid, ficaram órfãos dos encontros que, naquela época, já eram dominicais e resolveram gravar um álbum.
Nascem juntos, então, como mais um "fruto da pandemia", em 2020, o disco e a banda — com Aldo e Simone; Leonardo e Raffaele chegam um pouco depois. A obra recebe o título de "Beleza" (disponível nas principais plataformas); e uma de suas canções de destaque, baztiza, com bossa e perfeição, também o grupo.