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Em Fortaleza, secretaria da Mulher aposta em homens contra o feminicídio


Projeto forma Agentes de Cidadania para identificar violência doméstica nas comunidades e conscientizar outros homens
Maurício Moreira do jornal OEstadoCe
A Secretaria Municipal das Mulheres em Fortaleza, sob o comando da secretária Fátima Bezerra, está desenvolvendo o projeto Cá Entre Nós, em parceria com as secretarias de Segurança e de Relações Comunitárias. A iniciativa realiza formações com Agentes de Relações Comunitárias e Cidadania do sexo masculino para que eles possam, na sequência, conscientizar outros homens no combate à violência contra a mulher.
“Quando ele recebe uma formação, ele é capaz de identificar naquela comunidade se tem caso de violência, porque a violência doméstica é a mais difícil de você prevenir”, conta Fátima.
“A gente está pedindo que esses homens nos ajudem a identificar de que forma os homens podem colaborar para que a gente possa reduzir os índices de violência contra a mulher. Então, é um trabalho de mudança cultural e estrutural muito profundo que, obviamente, vai demorar um tempo para que você tenha resultados concretos”, analisou Fátima.
Segundo ela, a medida pode ajudar a identificar casos de abusos contra a mulher ainda na fase inicial, antes que alcance a violência física grave. O projeto já chegou a quatro regionais e deve ser expandido para as outras em 2026.
A secretária destacou ainda a criação do Observatório da Mulher de Fortaleza, que mede o sucesso de cada ação desenvolvida. Outra ação realizada pela secretaria, criada no início da gestão Evandro Leitão (PT), é o fortalecimento do debate sobre igualdade de gênero nas escolas, que deve começar em 2026, parceria com a Secretaria Municipal de Educação.
Fátima afirmou ainda que a prefeitura tem a meta de criar uma Casa da Mulher de Fortaleza em cada uma das 12 Regionais até o final da gestão, em 2028. Hoje, só existe uma em Fortaleza, no bairro Couto Fernandes. Lá, o atendimento é de 1.200 mulheres por mês. A maioria delas é moradora do entorno.
“A moça que mora lá no Cristo Redentor, ou lá no Jardim Iracema, tem muita dificuldade de se deslocar lá para o Couto Fernandes”, explica a secretária sobre a importância de ampliar o número das unidades. O próximo bairro a ser contemplado será o Centro.
Além da Casa da Mulher, Fortaleza também conta com o Centro de Referência da Mulher Francisca Clotilde, a “porta de entrada” para as mulheres vítimas de violência. O equipamento conta com equipe de diversas áreas, com assistência social, jurídica e psicológica.
A partir desse atendimento, as vítimas já podem ser encaminhadas ao Aluguel Social, Casa de Abrigo e outros programas de proteção. O programa funciona dentro da Casa da Mulher Brasileira, programa federal iniciado no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
“Dentro da Casa, você tem o meu Centro de Referência, mas eu tenho a delegacia, o Ministério Público, a Pefoce para fazer exame de corpo e delito, Defensoria Pública, a DDM [Delegacia de Defesa da Mulher] para ela fazer a denúncia. Todos eles funcionam juntos”. Fátima reforça a importância dessa metodologia para evitar a “revitimização” da mulher. “Quando ela vai para a delegacia, ela não precisa mais contar a história. A minha equipe já encaminhou um histórico para a delegacia”.
A secretária ainda chamou atenção para casos graves de “violência cruzada”. O termo é utilizado para descrever vítimas de violência doméstica que são agredidas por membros de facções criminosas. “Ela não pode sair dali porque ele é faccionado, senão a facção manda matar. Tem aparecido muito. A doutora Vanja Fontenele já está ciente e está montando uma proposta para ver como é que a gente faz para enfrentar esses casos”. Vanja é desembargadora no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e preside a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar na Corte.
Vereadora ameaçada
A vereadora de Fortaleza Adriana Gerônimo (Psol) foi às redes sociais, na última quarta-feira (24), véspera de natal, para denunciar o recebimento de ameaças, por e-mail, contra ela e sua esposa. Segundo a parlamentar, o texto traz explicitamente a intenção de matá-las em frente à casa onde residem. “Trata-se de uma violência brutal, covarde e inaceitável, que não pode ser naturalizada”, afirmou a vereadora. A mensagem continha ainda cunho racista, supremacista e machista”
Ainda na quarta, Adriana levou o caso à Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Religiosa ou Orientação Sexual. O deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Renato Roseno (Psol), acompanhou a correligionária. “Estamos aqui para fortalecer a nossa companheira, protegê-la, acolhê-la e, sobretudo, para dizer que as ameaças desses grupos racistas, supremacistas, LGBTfóbicos não vão intimidar a nossa grande companheira”.
Segundo Roseno, foram acionados diversos setores das forças de segurança e instituições públicas, como “inteligência, proteção, Câmara Municipal, Prefeitura, Governo, Polícia Civil e Polícia Federal”.
“Nós não recuaremos a ameaças de morte dessa natureza, ameaças violentas, porque o nosso lugar de mulher negra e LGBT é na política. Se eles querem que a gente desista da política, nós não desistiremos. Seremos cada vez mais e maiores ocupando os parlamentos pelo Brasil”, concluiu Adriana.
Atuação no Legislativo
No Legislativo, as Procuradorias da Mulher atuam como espaços de escuta e encaminhamento. Na Câmara Municipal de Fortaleza, a procuradora especial da Mulher, vereadora Adriana Almeida (PT), reforça a necessidade de responsabilização dos agressores.
“Esses crimes precisam ser apurados e punidos. Não adianta prender e soltar pouco tempo depois, colocando novamente a vida da mulher em risco”, afirma.
Para a vereadora, o combate ao feminicídio exige respostas firmes do sistema de justiça, mas também acolhimento às vítimas.
“A gente vai tentando apresentar propostas que possam endurecer mais as penas, fazer com que o agressor se repense em qualquer ato de violência e, principalmente, também proteger e acolher as mulheres, porque não é só a questão dos homens, não é só o endurecimento de penas, mas também o acolhimento dessas mulheres vítimas de violência.”
Ela reforça que muitas mulheres ainda desconhecem seus direitos e que a Procuradoria reforça a atuação na periferia e locais de grande fluxo de pessoas, como os terminais para divulgar os canais de atendimento.
Na Assembleia Legislativa do Ceará, a deputada Emília Pessoa (PSDB), procuradora adjunta da Mulher, complementa essa atuação, destacando a prevenção e a promoção da autonomia feminina:
“Tudo que for feito para que aconteça a promoção do bem-estar social, com certeza a gente vai diminuir a violência. Uma mulher que cresce na violência, com certeza ela também está promovendo a violência dentro da sua própria casa e na casa dos seus filhos, onde eles vão achar isso como uma forma prática do dia a dia. E a gente tem que mudar essa mentalidade.”
Ela também destaca o papel da Procuradoria da Mulher da Assembleia.
“As mulheres precisam estar com a sua voz mais ativa para poder apresentar, compartilhar os riscos que possam estar ocorrendo e evitar situações mais graves. A Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa age tanto com a força do poder judicial quanto com acolhimento psicológico e terapêutico, além de orientação jurídica.”
A inclusão dos dados recentes de feminicídio reforça que, apesar dos avanços na rede de proteção e nas políticas públicas, o problema permanece grave e exige atenção contínua. Cada registro é uma vida interrompida e evidencia a importância de políticas integradas de prevenção, acompanhamento e promoção da autonomia feminina no Ceará.
Com contribuição de Querol Carvalho

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