Então ficamos assim: a presidente come o que quiser, no restaurante que quiser, porque ela paga a conta. E pronto.
A
comitiva dela pode sair da Suíça e ir para Cuba com uma ligeira
paradinha em Lisboa porque o avião não tem autonomia de voo e precisava
abastecer.
Enquanto o avião abastece e a comitiva presidencial
tem todo direito de alugar as suítes que quiser, no hotel que quiser,
pagar as diárias que quiser.
Enfim, a comitiva presidencial tem o
direito de fazer o que quiser, inclusive o de mentir e de dizer que a
escala foi improvisada, embora o governo português jure que tinha sido
informado dois dias antes.
A oposição, como não podia deixar de
ser, fez praça de mais essa vistosa aventura governamental, e encaminhou
um pedido à Procuradoria Geral da República para que a escala fosse
investigada.
A Comissão de Ética Pública da Presidência da
República não se sente habilitada a investigar essa tal de escala
secreta - tão secreta que até as fotos do chef do restaurante lisboeta
com a presidente foram publicadas em todos os jornais - e daqui a
alguns dias ninguém lembra mais de nada.
No Brasil há uma
extraordinária vocação para magnificar a banalidade ao mesmo tempo em
que se banaliza aquilo que talvez devesse se magnificar.
Dilma e Raúl Castro (d), presidente cubano, inauguram terminal de Mariel.
Foto: Roberto Stuckert Filho / PR
Enquanto
se discute se a escala foi secreta ou não, se a presidente pagou ou não
pagou a conta do restaurante, se as diárias do hotel foram ou não
abusivas, a presidente chegou tranquilamente a Cuba, entregou o porto
novo financiado com dinheiro brasileiro, e posou para fotos carinhosas
com o vovô ditador aposentado mais longevo do planeta.
Já que se
trata, aparentemente, de exigir um pouco mais de transparência, talvez
fosse mais útil, em vez de pedir à PGR que investigue a escala do avião,
o menu do restaurante, as diárias do hotel e quem pagou a conta, que a
oposição conseguisse explicações claras sobre as condições de
financiamento do porto de Mariel, sobre o projeto da Zona Especial de
Comércio que o governo cubano pretende implantar lá, e quais vantagens o
Brasil pretende tirar disso.
O governo poderia aproveitar também
para deixar claro porque o dinheiro que está sendo gasto lá não é o
mesmo que faz falta na melhoria da nossa infraestrutura portuária,
rodoviária e aeroviária. Se não é falta de dinheiro, é falta do que? De
vontade? De competência?
E já que se trata de deixar as coisas
claras, porque não aproveitar para pedir explicações também sobre os
detalhes do contrato de prestação de serviços que o Brasil assinou com
Cuba para a importação da mão de obra de médicos, e se as leis
trabalhistas do País estão ou não sendo desrespeitadas por ele.
Enfim,
saber que Dilma paga as suas próprias contas no restaurante pode ser
muito tranquilizador, mas as preocupações da oposição e do País deveriam
ir muito além da conta do bacalhau e do vinho.
Sandro Vaia é
jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor
de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e
diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha
Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez e
"Armênio Guedes, Sereno Guerreito da Liberdade"(editora Barcarolla).
E.mail: svaia@uol.com.br