Corregedor nacional de Justiça recusa convite de magistrados
para proferir palestra na ilha de Fernando de Noronha sobre os limites
a patrocínios.
Reportagem de autoria do editor do Blog, publicada na
Folha
nesta segunda-feira (29/7), revela a resistência da magistratura ao
controle do Conselho Nacional de Justiça sobre a participação de
magistrados em eventos (*).
Em maio, o corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão,
foi convidado por magistrados para proferir palestra em um resort, na
ilha de Fernando de Noronha. Tema sugerido: “
A limitação de patrocínio para eventos promovidos por órgãos ou entidades do Judiciário”.
Falcão entendeu o convite como uma provocação. Recomendou que o
encontro fosse realizado em local mais adequado a um congresso de
juízes. O debate foi transferido para um hotel no Recife, mas o
corregedor não compareceu.
A Escola Superior da Magistratura de Pernambuco havia feito reservas
para 60 pessoas no Dolphin Hotel de Fernando de Noronha (diárias de até
R$ 1.199,00) e em duas pousadas, para realizar o “
XXXI Encontro do Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura“.
O programa previa reuniões de trabalho apenas entre 16h e 19h. Assim,
os magistrados poderiam ter mais tempo para o lazer, como passeios,
mergulhos, surf e trilhas.
O episódio foi narrado por Falcão ao ministro Celso de Mello, do
Supremo Tribunal Federal. Mello é relator de mandados de segurança
impetrados por associações de magistrados que pretendem suspender uma
resolução do CNJ regulamentando a participação de magistrados em
eventos.
Aprovada em fevereiro, a Resolução nº 170 do CNJ impõe limites às
contribuições das empresas às associações e restringe a participação de
juízes em eventos com financiamento privado. As entidades alegam que ela
viola os direitos de seus associados.
Eis algumas curiosidades sobre o caso:
- Os organizadores destacaram que não houve patrocínio para o evento
em Fernando de Noronha. A Caixa Econômica Federal confirmou que “a
proposta de patrocínio para o ‘XXXI Encontro do Colégio Permanente de
Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura’ foi recebida e, após
análise técnica, a solicitação foi indeferida”. A
Folha apurou que uma agência de outro banco foi consultada informalmente se contribuiria com R$ 100 mil, e também recusou o pedido.
- O encontro não ocorreu em Fernando de Noronha, mas o administrador
da ilha, Romeu Neves Baptista, recebeu uma medalha da escola de
magistrados.
- Falcão também levou a Celso de Mello dados sobre a presença
prevista de magistrados no Festival Folclórico de Parintins, no
Amazonas, em junho. Um folder anexado aos autos sugere que as dúvidas
deveriam “ser encaminhadas para o Dr. André Machado, Chefe de Gabinete
do Ministro Mauro Campbell” [do Superior Tribunal de Justiça]. Diz o
folheto: “Aos indecisos quanto à realização do evento, sugere-se que se
ouça o que os ministros Castro Meira, Humberto Martins, Raul Araújo,
Fernando Gonçalves e Carlos Mathias (e suas esposas) têm a dizer sobre o
Festival de Parintins”.
- Em abril, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) promoveu
em São Paulo os “VI Jogos Nacionais da Magistratura”, com patrocínio da
Qualicorp. Trata-se da operadora de planos de saúde que ofereceu
veículos Zero Km e aparelhos eletrônicos para sorteio entre magistrados
em festas de confraternização da Apamagis (Associação Paulista de
Magistrados).
Ao negar o pedido das associações de juízes, Celso de Mello registrou
que é inaceitável a “transgressão a uma expressa vedação constitucional
que não permite, qualquer que seja o pretexto, a percepção, direta ou
indireta, de vantagens ou de benefícios inapropriados”.
O decano do STF recomendou atenta vigilância sobre a conduta dos
magistrados, para evitar que “desrespeitem os valores que condicionam o
exercício honesto, correto, isento, imparcial e independente da função
jurisdicional”.
O caso ainda depende de julgamento do mérito pelo plenário do STF.
OUTRO LADO
O desembargador Fernando Cerqueira, diretor da Escola Superior da
Magistratura de Pernambuco, diz que “os diretores das escolas pagaram as
passagens e hospedagem”.
“O ministro Francisco Falcão solicitou que o encontro não fosse feito
em Fernando de Noronha. Como a palestra dele era muito importante, a
diretoria executiva decidiu transferir o encontro para o Recife”, afirma
o magistrado.
Cerqueira diz que a Secretaria de Turismo de Pernambuco ajudou no
planejamento do evento, mas não houve patrocínios. “E não seria nada
demais, dentro dos limites do CNJ”, afirma.
“Como os diretores estão pagando, não vemos nenhum problema em fazer
um grupo de estudos numa região turística, deixando a parte da manhã
para o lazer, unindo o útil ao agradável”, diz Cerqueira. “Isso é feito
normalmente em todos os eventos”, afirma.
A Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas informou que “o Governo
do Amazonas não trouxe nem pagou a vinda de nenhum membro do Poder
Judiciário para o Festival Folclórico de Parintins”. Segundo a
secretaria, “a Casa Civil expede, todos os anos, convite para membros
dos três poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo)”.
André Machado, chefe de gabinete do ministro Mauro Campbell, do STJ,
diz que não foi organizador da ida de ministros a Parintins. “Como o
ministro é do Norte, o governo estadual me indicou a título de
referência”, diz Machado.
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) não informou o valor
do patrocínio da Qualicorp aos “VI Jogos Nacionais da Magistratura”.
A Qualicorp informou que “é contratada da AMB para prestar serviços
de oferta e administração dos planos privados de assistência à saúde aos
associados da entidade, na forma estabelecida pela legislação em vigor e
normas editadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS”.
Segundo a assessoria de imprensa da empresa, “a Qualicorp participou
como patrocinadora do VI Jogos Nacionais de Magistratura com o objetivo
de divulgar as opções de contratação de planos de saúde, cumprindo seu
papel de Administradora de Benefícios, sem infringir qualquer diretriz
do Conselho Nacional de Justiça”.
(*)
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/07/1318237-juizes-resistem-a-norma-que-restringe-patrocinio-a-eventos.shtml