O abandono sempre esteve presente na vida
de Odete Lara. A mãe suicidou-se pulando num poço de água do jardim de
casa quando ela tinha 6 anos, e o pai quando ela tinha 18, tomando soda
cáustica.
Após a morte da mãe, foi para um
internato de freiras mas não se adaptou – recebia castigos por chorar
muito – e foi transferida para a casa da madrinha de batismo. Era muito
ligada ao pai, apesar da distância devido à tuberculose que ele sofria e
de rejeitar a decisão profissional da filha em ser atriz. Depois da
morte dele, Odete se fez a promessa de ser “alguém”.
Nasceu em 17 de abril de 1929, como Odete
Righ, herdando o sobrenome da mãe, por seu pai já ser casado. Ele
largou a esposa e um filho na cidade natal, Veneza, alegando vício de
jogo. Como não levava o sobrenome do pai, Odete sofria preconceitos,
chamada de filha ilegítima, um tabu para a época.
Assim foi construída sua imagem de mulher séria, dotada de uma solidão ancestral, como disse Ignácio de Loylola Brandão no prefácio da autobiografia de Odete “Minha Jornada Interior” (Best Seller, 1990).
Foi justamente esse semblante que a levou
ao sucesso. Quando começou a carreira de atriz, num comercial na então
recém inaugurada TV Tupi, chamou atenção por se recusar a sorrir, uma
atitude nada comum para alguém tentando vender um produto.
O ar enigmático e sua beleza falaram mais
alto e essa musa incomum virou atriz da TV Tupi, encarnando a rainha má
da Branca de Neve. Atuou em telenovelas e foi estrela de um famoso
programa de adaptacão de clássicos da literatura, um marco no início da
TV.
Odete foi modelo, participando do
primeiro desfile da moda brasileira, realizado no MASP em 1951, cantora
de shows como “Skindô”, ao lado de Vinicius Moraes e “Meu Refrão” com
Chico de Buarque. Também foi escritora, publicou três
livros autobiográficos, “Eu Nua” (Civilizacão Brasileira, 1976), “Minha
Jornada Interior” (Best Seller, 1990) e “Meus Passos na Busca da Paz”
(Rosa dos Tempos, 1967) além de traduzir várias obras do budismo.
Foi atriz de teatro, iniciando no TBC
(Teatro Brasileiro de Comédia), e dizia não gostar do teatro por não
suportar sua timidez. Estreiou no palco com “Santa Marta Febril SA”,
contracenando com Walmor Chagas e Clayde Yaconis. Mas antes atuou em
“Luz de Gás”, ao vivo na TV Tupi, ao lado de Paulo Autran e
Tônia Carreiro. Suas atuações acentuavam a imagem de mulher grave e
distante, conquistando cada vez mais atenção.
Odete será lembrada mesmo como atriz de
cinema. Fez 32 filmes entre 1956 e 1979. Estreiou ao lado de Mazzaropi
até se tornar musa do cinema novo, com destaque para o polêmico “Noite
Vazia” (1964) de Walter Hugo Khouri e o premiado “O Dragão da Maldade
contra o Santo Guerreiro” (1969), de Glauber Rocha.
Ela era namoradeira assumida. Disse em sua autobiografia só se sentir integrada no mundo quando estava fazendo amor. Foi casada com o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho e com o diretor de cinema Antonio Carlos Fontoura.
Teve um caso com o novelista Euclydes Marinho, Tom Jobim e Paulo
Autran. Não teve filhos. Segundo sua autobiografia, engravidou virgem.
Queria abortar pela barriga para não perder a virgindade. Ao longo da
vida fez mais quatro abortos.
Odete tinha traços avançados para a
época: a busca da independência financeira com o trabalho – com 16 anos
já era secretária na reitoria da USP, o autoconhecimento através da
psicanálise – frequentava o mesmo psicanalista da sua amiga Nara Leão – e
o namoro assumido com homens mais jovens. Ela teve um longo
relacionamento com o ator Paulo Sacks, 25 anos mais novo.
Foi premiada no festival de gramado por
sua contribuição ao desenvolvimento do cinema brasileiro e ganhou o APCA
em 1975 pelo conjunto da obra.
Odete estava no auge da carreira
cinematográfica quando decidiu abandoná-la protagonizando o movimento
que sentiu ser vitima durante sua vida. Auto-exilou-se em Nova Friburgo
onde passou a se dedicar ao budismo, ocupando seu tempo com meditação,
yoga, leituras, tradução de livros e escrita. Seu último longa, em 1979,
foi “O Principio do Prazer”. A bela que marcou toda uma geração com seu
ar enigmático e despudor passou os últimos anos de sua vida nas
montanhas do Rio de Janeiro, em busca de paz.