SEM QUERER, QUERENDO
COLUNA CARLOS BRICKMANN
Há candidatos à Presidência que dizem que são, há candidatos que dizem
que não são, há candidatos que dizem que são mas não são, e há Luciano
Huck, que diz que é mas não é dependendo das últimas pesquisas. Michel
Temer, por exemplo, negou na sexta que seja candidato, mas é, e de certa
forma tem de ser (a menos que, num grande acordo, consiga manter o foro
privilegiado após deixar o cargo). O presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, diz que é e lança sua candidatura dia 8, na convenção do DEM, mas é
difícil mantê-la: o DEM teria mais chances indicando o vice de Alckmin
ou de Temer, já que qualquer um dos dois desidrata o eleitorado de Maia.
Bolsonaro diz que é, e é, mas pode deixar de ser viável no meio da
campanha, por falta de tempo na TV. Marina Silva não diz nada, mas é.
Há mais gente, como João Amoêdo, do Partido Novo, Manuela d’Ávila, do
PCdoB, talvez Guilherme Boulos, do PSOL. É difícil: alguns porque são
desconhecidos, outros porque são conhecidos. Henrique Meirelles, PSD?
Poderia ser, mas como se candidatar no embalo dos bons resultados da
política econômica se o próprio presidente Temer for candidato? E há
Lula: quer ser, de todos os citados é o que está melhor nas pesquisas,
mas como, já condenado em segunda instância, superar a Lei da Ficha
Limpa?
Pesquisa DataChute: sem Lula, os favoritos são Temer e
Alckmin (que têm partido e governos); zebra, Marina. Com Lula, um dos
três, sem zebra.
A ação de Temer
A inflação caiu abaixo da
meta, o país volta a crescer (é provável a alta de 3% no Produto
Interno Bruto) depois da recessão do Governo Dilma. A taxa básica de
juros jamais esteve tão baixa, embora os bancos continuem a cobrar juros
estupidamente altos. Há tendência de aumento de emprego. Mas não é
apenas nisso que Temer se apoia: é provável que a intervenção militar no
Rio provoque, por um determinado período, a queda dos índices de
violência no Estado. A verba de propaganda desses fatos, acreditam os
estrategistas de Temer, mais o uso da máquina pública, privilegiando os
apoiadores do presidente, podem elevar seus índices de popularidade,
hoje ridiculamente baixos. E já se conversa com o marqueteiro Duda
Mendonça.
Para quem diz que não é nem será candidato, a agenda é movimentada.
A ação de Alckmin
O governador paulista neutralizou seu ex-afilhado João Dória e hoje seu
adversário no PSDB é o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio. Deve
vencer. Diz que está na hora de um paulista se eleger presidente, pois o
último foi Rodrigues Alves. Erra: Temer é paulista. Fernando Henrique,
Washington Luiz e Lula nasceram em outros Estados, mas politicamente são
paulistas. Diz (com razão) que São Paulo tem o menor índice de
homicídios do país. Diz (sem razão) que é o candidato da privatização.
Nas eleições de 2006, quando Lula disse que ele era privatizante,
Alckmin usou uma inacreditável jaqueta cheia de logotipos de estatais –
tipo piloto de Fórmula Um. Perdeu feio, conseguindo ter menos votos no
segundo turno do que no primeiro.
A voz das armas
Trump
levanta a ideia de armar os professores para que possam defender os
alunos. É um perigo: com nossa mania de importar dos EUA só aquilo que
não presta, a besteira pode vir para cá. Comecemos pelo básico: quem
ensinará os mestres a atirar? E é função de professor abrir fogo na
classe?
Tudo parado
A reforma da Previdência parou até que
termine a intervenção militar no Rio; e não é a única. Outras 536
propostas de emenda constitucional estão paralisadas (na verdade, muitas
já estavam, mas apenas porque não era de interesse votá-las). Duas,
interessantíssimas: a) fim da reeleição: b) redução do número de
senadores e deputados, esta apresentada pelo deputado Clodovil. É
difícil votar contra a redução do número de parlamentares, eliminando
enormes despesas, mas quem quer dispor de menos vagas?
A nova proposta
Outro projeto de emenda à Constituição é de iniciativa popular, com 2,5
milhões de assinaturas (mais que o da Ficha Limpa). Chegou em cima da
intervenção e sua tramitação nem começou. Traz muitas inovações – umas
inviáveis, outras interessantes, mas todas tendentes a agradar o
eleitor. Proíbe sessões secretas, veda vantagens especiais (como
seguro-saúde ilimitado), obriga os congressistas a contribuir para o
INSS, que tratará a aposentadoria como a de qualquer pessoa, veta mais
de uma reeleição, “porque servir no Congresso é uma honra, não uma
carreira”. Vale estudar.
Samba no bolso
A informação é do ex-prefeito José Fortunati, e está no ótimo blog de Fernando Albrecht (http://fernandoalbrecht.blog.br/):
o Sambódromo de Porto Alegre, orçado em R$ 10 milhões, já custou R$ 40
milhões e ainda não está pronto. Pular Carnaval na rua? Não custa nada –
nem rende nada.
Há quem diga que toda pessoa é o seu
universo vocabular. Se for assim, o presidente Michel Temer se tornou
outro ao trocar os vocábulos “reforma” e “Previdência” por “segurança” e
“Rio”, praticamente inexistentes em 300 tuítes anteriores, de 2 de
dezembro de 2017 a 19 de fevereiro de 2018. Exceto durante o recesso
parlamentar, os dois primeiros termos marcavam o tom nas declarações de
Temer, com entrevistas e aparições na tevê para divulgar sua reforma. A
intervenção na segurança pública do Rio, em 16 de fevereiro, porém,
representou um update lexical na presença do presidente na rede. A
Previdência foi esquecida e segurança se tornou trending topic no
Twitter de Temer. É o que aponta a análise que fizemos ao separar dez
blocos de 30 tuítes para averiguar o que mudou na retórica do
presidente.
Entre a sexta-feira em que houve a intervenção e a segunda seguinte, o perfil de Temer publicou 12 tuítes sobre segurança pública. Antes disso, em 87 dias, ele havia tuitado apenas três vezes acerca do tema. Em um deles, tratava de defesa cibernética no Mercosul, em outro falou de uma reunião com o secretário do Conselho de Segurança da Rússia e, por fim, de um acordo com a Bolívia. Não havia menção a qualquer programa de segurança pública, senão com parceiros estrangeiros. Já o tema da reforma da Previdência, que ocupou a agenda presidencial com 73 de 288 tuítes antes de 16 de fevereiro, virou poeira de bits. Depois da intervenção, não recebeu mais nenhuma menção.
A metamorfose vocabular de Temer no Twitter – constatada usando o software Ford/Labic, uma plataforma de extração e mineração de tuítes em tempo real – foi logo viralizada pela imprensa, por meio de imagens com o sinal de “Urgente”, uma espécie de “Extra! Extra!” destes tempos. Ao embarcar na cobertura da violência urbana, a imprensa televisiva logo se engajou nas medidas do Planalto. Não é à toa que no grafo (mapa de interações entre perfis no Twitter), parte da imprensa esteja tão próxima de @micheltemer, por mencioná-lo continuamente (veja mais abaixo a figura com as hashtags).
Tudo poderia ir bem na estratégia de capturar a agenda da segurança pública, não fosse um detalhe: as redes sociais são um terreno intenso de disputas. Nelas, Temer é passível de chacotas, desdém, trolagens e desconfiança. Entre os dias 12 e 23 de fevereiro, o presidente foi mencionado em 970.971 postagens. E sua imagem esteve associada a três acontecimentos: o desfile da Tuiuti, a intervenção no Rio e o episódio da faixa presidencial do personagem “Vampiro neoliberalista”, como mostra o gráfico abaixo.
Os termos “intervenção”, “Rio”, “segurança” e “militar” aparecem junto a Temer 182.708 vezes no Twitter. Já os vocábulos “Tuiuti”, “faixa [presidencial]”, “vampirão”, “vampiro” e “desfile” somaram 230.486 coassociações. O impacto do desfile da Escola de Samba foi 26% maior do que a da intervenção para a imagem de Temer.
A
esperança para Temer poderia vir do Facebook. Mas não veio. Nas 130
páginas de notícias políticas do Facebook que monitoramos, os assuntos
Temer e intervenção estiveram sempre presentes entre as cinco notícias
mais compartilhadas entre os dias 16 e 20 de fevereiro. Em geral, com
mais tom de crítica do que de elogio.
Nos últimos cinco dias, o Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, o Labic, por meio do Multifeeds, software de coleta de dados no Facebook, fez um ranking dos cinco posts mais compartilhados em 146 páginas de notícias no Facebook.
Quando Temer anunciou a intervenção, em 16 de fevereiro, o post que mais circulou foi sobre a carta branca para comandar a Polícia Militar, obtida pelo interventor, general Braga Netto. Este foi o único post mais favorável ao governo após a intervenção, com 12 mil compartilhamentos. Já no dia seguinte, 17 de fevereiro, a capa de um jornal pedindo intervenção social (e não militar) se multiplicou por mais de 40 mil compartilhamentos diretos. A difusão do vídeo da professora Jaqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense, na GloboNews, também ajudou a compor uma imagem crítica da intervenção no Facebook.
No dia seguinte, 18 de fevereiro, um domingo, mais 40 mil shares atacavam Temer, por causa do episódio do personagem Vampirão da Tuiuti, que apareceu sem a faixa presidencial no desfile das escolas campeãs. E a segunda-feira, 19 de fevereiro, amanheceu com o post #IntervençãoÉFarsa, como o mais compartilhado no dia, com mais 5 mil compartilhamentos. Para terminar, mais uma capa do Meia Hora, no dia seguinte, com a manchete “Mandado de busca coletivo na casa dos outros é refresco”, postagem que mais viralizou no primeiro dia útil pós-intervenção, com mais de 5 mil compartilhamentos.
O troco veio nos comentários: em postagens na imprensa tradicional, a incidência de comentários de pessoas contrárias à intervenção é sempre menor do que as favoráveis.
Já
no Twitter, a situação não é de todo ruim para Michel Temer. No
entanto, ainda está longe de estar boa. Os termos ligados à intervenção
federal no Rio são mencionados em 1.193.157 posts, difundidos por
200.176 usuários, entre 15 e 20 de fevereiro de 2018. A novidade: o
debate sobre a presença dos militares nas ruas do Rio rompeu o
predomínio de coxinhas e mortadelas como atores predominantes nas
discussões na rede social. Sobre a intervenção, quem decidiu opinar e
ganhou muitas curtidas foram pessoas comuns, perfis que não estão no
centro das bolhas partidárias do país.
Apesar de uma maior participação dessas figuras, a polarização entre petistas e antipetistas prossegue, como mostra o mapa de interações acima. Houve, porém, uma multiplicação de novos centros no interior dessa bipolarização, com vantagem para as redes de opinião de oposição à intervenção de Temer.
No polo conservador, há agora quatro grandes centros, visualizados nas cores azul, verde-escuro, verde-claro e verde-oliva. Os claros resultam na estrutura de apoio midiático; os escuros, na estrutura de bots; e os oliva, na estrutura militar do governo federal. Concentram juntos 28% das interações do período no Twitter. A perspectiva dos verdes é de apoio incondicional às medidas de Michel Temer. Entendem que o Rio de Janeiro estaria “entregue à marginalidade” e, mesmo sendo a intervenção “um remédio amargo”, é preciso “pacificar o Rio”. Para eles, “só a intervenção militar pode dar garantias de paz à sociedade carioca”.
Esse ponto de vista pode ser resumido em um tuíte de apoio à intervenção, feito por um militar e compartilhado 11 mil vezes: “Intervenção militar é ruim, legal é tu sair 6h30 da manhã e vagabundo te assaltar no ponto de ônibus. Ter militar andando nas ruas é ruim, legal é bandido pronto pra te dar o bote no primeiro mole que tu der com celular. Eu nunca vou entender alguns pensamentos, na boa!”, escreveu.
O avanço de novas arrobas políticas, os generais, aliás, é uma novidade demonstrada no grafo. Faço cartografia de redes políticas brasileiras desde 2012. Nunca generais e o Exército apareceram como atores relevantes nos meus mapas. Agora aparecem sob a liderança do general Villas Boas, com seus 76 mil seguidores. Outros companheiros de batalhas virtuais surgiram, como os perfis dos generais Pinto Sampaio, Freitas, Miotto e Theophilo. A lista pode continuar a crescer se incluirmos os amigos dos amigos de @gen_villasboas, mostrando a rede militar dentro da rede social. Se procuradores e juízes já brilharam no Twitter, chegou o momento de os militares entrarem no palco.
O grafo acima mostra também que Temer conseguiu atrair perfis que eram mais inclinados politicamente a Aécio Neves nas eleições de 2014, espalhando a influência que Bolsonaro demonstrava sobre essa sub-rede eleitoral. Alguns exemplos são os usuários Ana Paula do Vôlei, Felipe Moura e Joice Hasselmann, que sempre se destacaram no campo mais antipetista.
A investida causou um efeito colateral que pode servir como contrapeso à intervenção: a viralidade dos conteúdos de um “neoprogressismo” (gradações de laranja) que vêm aparecendo fora da bolha petista (vermelha). O conteúdo desse grupo tem dado o tom das conversas sobre o tema, emplacando o tuíte mais popular desde o dia da intervenção, com 13 mil compartilhamentos. O texto sintetiza o viés desse grupo, identificado com a centro-esquerda: “Intervenção militar no Rio. Muda quem mata mas não muda quem morre.” Esse grupo pode servir para monitorar a intervenção, inclusive violações de direitos nas favelas.
É uma rede que reúne celebridades, organizações sociais, jornalistas, ativistas, youtubers e usuários nativos do Twitter (ou “famosinhos”, com muitos seguidores) – eles aparecem nas gradações de laranja do grafo. Já foi possível sentir essa presença, com o vídeo viral mostrando como a população negra deve se comportar durante a intervenção. Uma curiosidade: Ciro Gomes é ator chave nesse grupo alaranjado. Trata-se de uma rede fragmentada, o que não é, em si, um problema nas plataformas digitais – quando ganham muita popularidade orgânica, posts se espalham, sem ficar presos à remissão repetitiva de uma bolha ideológica.
O
“efeito bolha” está mais presente na rede lulista (vermelha). Em
síntese, o ponto de vista desses apoiadores do ex-presidente é que a
intervenção federal dá sequência ao que a rede vermelha define como
“golpe parlamentar de 2016”, “sacrificando pobres, alvos das operações
militares”.
Se essa concepção tem um teto de audiência lulista (quando o alcance fica restrito a um grupo específico de usuários), ela é vantajosa quando se tem muita repercussão. O alto grau de conexão entre usuários – coesão demonstrada pela intensidade de compartilhamentos mútuos de conteúdo, ou seja, panelinhas vermelha e laranja fortes – faz com que uma batida de bumbo seja escutada rapidamente. E também contra-atacada.
Outra novidade da cartografia sobre a intervenção é mostrar que o lulismo está envelopado por uma rede de centro-esquerda bastante fragmentada, que forma 43% das interações, capaz de se contrapor ao oficialismo da informação que circula em rede.
Mais conclusões até aqui? Lulismo e bolsonarismo já não protagonizam sozinhos em seus polos. E, se Temer perde na corrida dos hits do Twitter e do Facebook, ele tem levado vantagem nas ruas. Até agora, não há nem sequer um evento de manifestação contra a intervenção marcado no Facebook, rede social que tem sido, nas páginas analisadas pelo Labic, majoritariamente crítica à intervenção.
Entre a sexta-feira em que houve a intervenção e a segunda seguinte, o perfil de Temer publicou 12 tuítes sobre segurança pública. Antes disso, em 87 dias, ele havia tuitado apenas três vezes acerca do tema. Em um deles, tratava de defesa cibernética no Mercosul, em outro falou de uma reunião com o secretário do Conselho de Segurança da Rússia e, por fim, de um acordo com a Bolívia. Não havia menção a qualquer programa de segurança pública, senão com parceiros estrangeiros. Já o tema da reforma da Previdência, que ocupou a agenda presidencial com 73 de 288 tuítes antes de 16 de fevereiro, virou poeira de bits. Depois da intervenção, não recebeu mais nenhuma menção.
A metamorfose vocabular de Temer no Twitter – constatada usando o software Ford/Labic, uma plataforma de extração e mineração de tuítes em tempo real – foi logo viralizada pela imprensa, por meio de imagens com o sinal de “Urgente”, uma espécie de “Extra! Extra!” destes tempos. Ao embarcar na cobertura da violência urbana, a imprensa televisiva logo se engajou nas medidas do Planalto. Não é à toa que no grafo (mapa de interações entre perfis no Twitter), parte da imprensa esteja tão próxima de @micheltemer, por mencioná-lo continuamente (veja mais abaixo a figura com as hashtags).
Tudo poderia ir bem na estratégia de capturar a agenda da segurança pública, não fosse um detalhe: as redes sociais são um terreno intenso de disputas. Nelas, Temer é passível de chacotas, desdém, trolagens e desconfiança. Entre os dias 12 e 23 de fevereiro, o presidente foi mencionado em 970.971 postagens. E sua imagem esteve associada a três acontecimentos: o desfile da Tuiuti, a intervenção no Rio e o episódio da faixa presidencial do personagem “Vampiro neoliberalista”, como mostra o gráfico abaixo.
Os termos “intervenção”, “Rio”, “segurança” e “militar” aparecem junto a Temer 182.708 vezes no Twitter. Já os vocábulos “Tuiuti”, “faixa [presidencial]”, “vampirão”, “vampiro” e “desfile” somaram 230.486 coassociações. O impacto do desfile da Escola de Samba foi 26% maior do que a da intervenção para a imagem de Temer.
GRÁFICOS E GRAFOS: FABIO MALINI, NELSON ALOYSIO E WILLIAN LOPES
Nos últimos cinco dias, o Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, o Labic, por meio do Multifeeds, software de coleta de dados no Facebook, fez um ranking dos cinco posts mais compartilhados em 146 páginas de notícias no Facebook.
Quando Temer anunciou a intervenção, em 16 de fevereiro, o post que mais circulou foi sobre a carta branca para comandar a Polícia Militar, obtida pelo interventor, general Braga Netto. Este foi o único post mais favorável ao governo após a intervenção, com 12 mil compartilhamentos. Já no dia seguinte, 17 de fevereiro, a capa de um jornal pedindo intervenção social (e não militar) se multiplicou por mais de 40 mil compartilhamentos diretos. A difusão do vídeo da professora Jaqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense, na GloboNews, também ajudou a compor uma imagem crítica da intervenção no Facebook.
No dia seguinte, 18 de fevereiro, um domingo, mais 40 mil shares atacavam Temer, por causa do episódio do personagem Vampirão da Tuiuti, que apareceu sem a faixa presidencial no desfile das escolas campeãs. E a segunda-feira, 19 de fevereiro, amanheceu com o post #IntervençãoÉFarsa, como o mais compartilhado no dia, com mais 5 mil compartilhamentos. Para terminar, mais uma capa do Meia Hora, no dia seguinte, com a manchete “Mandado de busca coletivo na casa dos outros é refresco”, postagem que mais viralizou no primeiro dia útil pós-intervenção, com mais de 5 mil compartilhamentos.
O troco veio nos comentários: em postagens na imprensa tradicional, a incidência de comentários de pessoas contrárias à intervenção é sempre menor do que as favoráveis.
FABIO MALINI, NELSON ALOYSIO E WILLIAN LOPES
Apesar de uma maior participação dessas figuras, a polarização entre petistas e antipetistas prossegue, como mostra o mapa de interações acima. Houve, porém, uma multiplicação de novos centros no interior dessa bipolarização, com vantagem para as redes de opinião de oposição à intervenção de Temer.
No polo conservador, há agora quatro grandes centros, visualizados nas cores azul, verde-escuro, verde-claro e verde-oliva. Os claros resultam na estrutura de apoio midiático; os escuros, na estrutura de bots; e os oliva, na estrutura militar do governo federal. Concentram juntos 28% das interações do período no Twitter. A perspectiva dos verdes é de apoio incondicional às medidas de Michel Temer. Entendem que o Rio de Janeiro estaria “entregue à marginalidade” e, mesmo sendo a intervenção “um remédio amargo”, é preciso “pacificar o Rio”. Para eles, “só a intervenção militar pode dar garantias de paz à sociedade carioca”.
Esse ponto de vista pode ser resumido em um tuíte de apoio à intervenção, feito por um militar e compartilhado 11 mil vezes: “Intervenção militar é ruim, legal é tu sair 6h30 da manhã e vagabundo te assaltar no ponto de ônibus. Ter militar andando nas ruas é ruim, legal é bandido pronto pra te dar o bote no primeiro mole que tu der com celular. Eu nunca vou entender alguns pensamentos, na boa!”, escreveu.
O avanço de novas arrobas políticas, os generais, aliás, é uma novidade demonstrada no grafo. Faço cartografia de redes políticas brasileiras desde 2012. Nunca generais e o Exército apareceram como atores relevantes nos meus mapas. Agora aparecem sob a liderança do general Villas Boas, com seus 76 mil seguidores. Outros companheiros de batalhas virtuais surgiram, como os perfis dos generais Pinto Sampaio, Freitas, Miotto e Theophilo. A lista pode continuar a crescer se incluirmos os amigos dos amigos de @gen_villasboas, mostrando a rede militar dentro da rede social. Se procuradores e juízes já brilharam no Twitter, chegou o momento de os militares entrarem no palco.
O grafo acima mostra também que Temer conseguiu atrair perfis que eram mais inclinados politicamente a Aécio Neves nas eleições de 2014, espalhando a influência que Bolsonaro demonstrava sobre essa sub-rede eleitoral. Alguns exemplos são os usuários Ana Paula do Vôlei, Felipe Moura e Joice Hasselmann, que sempre se destacaram no campo mais antipetista.
A investida causou um efeito colateral que pode servir como contrapeso à intervenção: a viralidade dos conteúdos de um “neoprogressismo” (gradações de laranja) que vêm aparecendo fora da bolha petista (vermelha). O conteúdo desse grupo tem dado o tom das conversas sobre o tema, emplacando o tuíte mais popular desde o dia da intervenção, com 13 mil compartilhamentos. O texto sintetiza o viés desse grupo, identificado com a centro-esquerda: “Intervenção militar no Rio. Muda quem mata mas não muda quem morre.” Esse grupo pode servir para monitorar a intervenção, inclusive violações de direitos nas favelas.
É uma rede que reúne celebridades, organizações sociais, jornalistas, ativistas, youtubers e usuários nativos do Twitter (ou “famosinhos”, com muitos seguidores) – eles aparecem nas gradações de laranja do grafo. Já foi possível sentir essa presença, com o vídeo viral mostrando como a população negra deve se comportar durante a intervenção. Uma curiosidade: Ciro Gomes é ator chave nesse grupo alaranjado. Trata-se de uma rede fragmentada, o que não é, em si, um problema nas plataformas digitais – quando ganham muita popularidade orgânica, posts se espalham, sem ficar presos à remissão repetitiva de uma bolha ideológica.
FABIO MALINI, NELSON ALOYSIO E WILLIAN LOPES
Se essa concepção tem um teto de audiência lulista (quando o alcance fica restrito a um grupo específico de usuários), ela é vantajosa quando se tem muita repercussão. O alto grau de conexão entre usuários – coesão demonstrada pela intensidade de compartilhamentos mútuos de conteúdo, ou seja, panelinhas vermelha e laranja fortes – faz com que uma batida de bumbo seja escutada rapidamente. E também contra-atacada.
Outra novidade da cartografia sobre a intervenção é mostrar que o lulismo está envelopado por uma rede de centro-esquerda bastante fragmentada, que forma 43% das interações, capaz de se contrapor ao oficialismo da informação que circula em rede.
Mais conclusões até aqui? Lulismo e bolsonarismo já não protagonizam sozinhos em seus polos. E, se Temer perde na corrida dos hits do Twitter e do Facebook, ele tem levado vantagem nas ruas. Até agora, não há nem sequer um evento de manifestação contra a intervenção marcado no Facebook, rede social que tem sido, nas páginas analisadas pelo Labic, majoritariamente crítica à intervenção.


