Gigante abandonado
Primeiro arranha-céu da América Latina, edifício A Noite, no centro do Rio de Janeiro, aguarda reforma
Daniel Marenco/Folhapress |
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Fachada do edifício A Noite, comproteção para que o reboco não caia nos pedestres |
ITALO NOGUEIRA
DO RIODo
terraço, se vê a cratera pela qual a Prefeitura do Rio realiza obras de
revitalização da zona portuária. No 22º andar, fotos de Emilinha Borba,
Cauby Peixoto e Luiz Gonzaga ainda adornam os corredores da Rádio
Nacional. Mas uma tela de proteção esconde da rua o primeiro arranha-céu
da América Latina.
Em posição privilegiada na região em obras, o edifício A Noite
aguarda reforma há anos. A tela que o esconde compõe aparalixo (andaime
de proteção) para evitar que reboco da fachada caia nos pedestres. Os
corredores têm fiações expostas e piso solto.
O prédio, inaugurado em 1929, marcou a história da engenharia e do rádio no país, e a virada no crescimento urbano da cidade.
Projetado
pelos arquitetos francês Joseph Gire e brasileiro Emilio Bahiana em
estilo art déco -sob encomenda do jornal "A Noite", que instalou ali sua
sede e lhe emprestou o nome-, o prédio foi o primeiro arranha-céu da
América Latina. Foi superado anos depois pelo edifício Martinelli, em
São Paulo.
O edifício está voltado para a baía de Guanabara, no coração urbano
da zona portuária revitalizada. Em sua volta surgirão dois museus. A
praça Mauá, à sua frente, se tornará um calçadão de 44 mil metros
quadrados.
"Todo o esforço da prefeitura no processo de revitalização na região faz
com que essas ambiências particulares ganhem nova vida. O MAR [Museu de
Arte do Rio], o Museu do Amanhã, e a modernização do edifício A Noite
permitirão que a praça Mauá retorne ao seu período de relevância", disse
Washington Fajardo, presidente do Instituto Rio Patrimônio da
Humanidade, da prefeitura.
Três licitações para reforma do edifício já foram suspensas em 2012.
De acordo com o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual),
que administra o prédio, será lançado no primeiro semestre de 2013 novo
edital para definir o "retrofit".
O atraso, diz o órgão, se deve a processo de tombamento no Iphan, que
motivou alterações exigidas pela CGU (Controladoria Geral da União). O
edifício já é preservado por decreto municipal.
A construção do
prédio foi um marco na engenharia. Num cenário dominado por sobrados, a
obra de 102 metros se tornou ponto turístico.
"Cada vez que colocavam uma laje, o pessoal festejava, batia palma",
disse o artista plástico Roberto Cabot, bisneto de Gire que prepara
livro sobre as obras do francês.
Erguido em concreto armado,
formou engenheiros que depois atuariam na construção de prédios na
cidade. O principal nome é Emílio Baumgart, que participaria anos depois
da obra do Palácio Gustavo Capanema.
"Foi uma grande escola tecnológica para a cidade do Rio. [Descobrir]
como levar água para os andares mais altos... Nosso sistema de
abastecimento não tinha força suficiente para levar água numa caixa
d'água naquela altura", afirmou o arquiteto e historiador Nireu
Cavalcanti.
O edifício influenciou o Código de Obras na cidade. Com a sua
conclusão, a segurança e viabilidade de edifícios altos foram aceitas,
verticalizando as moradias.
O terraço se tornou um dos principais
mirantes da cidade. Combinado com o movimento no porto, local de chegada
de estrangeiros, fez a praça Mauá viver seu auge entre as décadas de
1930 e 1950.
O prédio também guarda a história do rádio do país. Nos últimos andares se instalou a Rádio Nacional.
"Os
programas de Manoel Barcelos, Paulo Gracindo e Cesar de Alencar
provocavam filas em volta do edifício. Todos ficavam encantados com a
velocidade do elevador", contou o locutor Gerdal dos Santos, funcionário
da rádio há quase 60 anos.
A decadência da praça Mauá na década de 70, em razão das atividades
portuárias, arrastou o edifício. O novo projeto de revitalização da
região, com investimento de R$ 8 bilhões, atraiu interesse do setor
hoteleiro no prédio.
Mas o INPI afirma que a intenção é manter a ocupação atual do imóvel,
com dois andares destinados à Rádio Nacional. O prédio está sendo
esvaziado sob expectativa da reforma. A rádio desocupou seu espaço.
"É importante que [a reforma] não perca o 'timing' das transformações que acontecem ali", disse Fajardo.
Penso eu - Aì, de 1967 a 1970, trabalhei na Rádio Nacional. Dividia sala com Pedro Anísio, Lourival Marques, Amaral Gurgel e o Maestro Chiquinho. Com 20 anos tinha direito às estripulias das quais hoje morro de saudades.