Quem não acredita no que o José Dirceu acredita não sabe o que está
perdendo com seu ceticismo. A metafísica é sempre mais divertida do que
esse materialismo tedioso em que o pau é sempre pau, a pedra é
inapelavelmente pedra e o crime é invariavelmente crime. Teorias
conspiratórias são bem mais criativas. Quem resiste a elas perde o bom
romance.
Veja-se o que sucedeu na noite passada. Dirceu
discursou
num ato “Pela Anulação do Julgamento do Mensalão”. Condenado à cana
dura, o companheiro disse que, mesmo preso, manterá os lábios no
trombone: “Pode ser em regime fechado, segurança máxima ou solitária.
Não vou me calar.” Aplaudiram-no cerca de 600 pessoas. Atrás das grades
decerto haverá plateias maiores. E com mais tempo livre na agenda.
O julgamento do mensalão foi “uma violência jurídica nunca vista”,
disse o orador. A concomitância com o calendário eleitoral foi “falta de
pudor”. Um cético faria boca de nojo. Dirceu falando de impudor? Mas é
aí que mora a graça. De falta de pudor o companheiro entende. É bobagem
discutir com um especialista na matéria.
“Quem fala em nome do Brasil, da nação, é o Parlamento. Não é
ministro do Supremo Tribunal Federal”, declarou o condenado. Erro, dirão
os materialistas. O povo brasileiro, de fato, é cão que não morde. Mas
já parou de abanar o rabo para o Congresso faz tempo. E Joaquim Barbosa,
popularíssimo, virou a máscara mais vendida do Carnaval carioca. Tudo
bem. Mas, que diabo, é preciso obtemperar as coisas. Ninguém sabe com
que margem de erro trabalha o DataDirceu.
Solidário, Dirceu não se preocupa apenas com o próprio umbigo. Inquieta-se por
Lula.
Abespinhou-se com Roberto Gurgel porque ele disse que passará adiante o
depoimento de Marcos Valério contra Lula. “Aonde estão os nossos?”,
indigna-se Dirceu. “Quando o procurador da República diz que vai enviar
para os procuradores de primeira instância as denúncias do Marcos
Valério sobre as relações com o presidente Lula, quem é que foi para a
tribuna denunciar isso?”
À primeira vista, a irritação de Dirceu com “os nossos” não faz nexo.
Denunciar o quê? Que o procurador decidiu cumprir a obrigação dele? “É
preciso enfrentar a ofensiva que a direita está fazendo no país contra o
nosso projeto político”, Dirceu elabora. Ah, bom! Está explicado. Mas
quem poderia imaginar que Valério é de direita e que, por ideologia,
decidiu aniquilar os ex-aliados?
Dirceu quer democratizar a imprensa. “Se houvesse democracia nos
meios de comunicação, nós não estaríamos hoje aqui, porque teríamos sido
absolvidos.” Os que não acreditam no que Dirceu acredita dirão que ele
deseja aquele tipo de imprensa que não imprensa. É isso mesmo o que
deseja condenado. Pensando bem, será melhor. Num regime de imprensa
companheira, o romance vira versão oficial. E o país pode degustar a
teoria conspiratória, mais criativa e divertida, sem o incômodo do
contraponto factual. Aqui fora, Dirceu é mal compreendido. Mas a
comunidade carcerária haverá de entendê-lo. Na cadeia, como se sabe, só
há inocentes.