Maria
das Graças Silva Foster, a Graça Foster, disse aos repórteres Ramona
Ordoñez e Bruno Rosa: “A Petrobras é uma empresa de 85 mil funcionários e
tem uma presidente. Sou eu. Eu respondo pela Petrobras.” A frase cobra a
formulação de hipóteses. Na melhor das hipóteses, Graça é mesmo a
executiva poderosa que imagina. Na pior das hipóteses, as palavras
perderam todo o sentido.
Admita-se que Deus escreva certo por
linhas tortas. Mas nenhum messias que se preza confiaria ao PT, ao PMDB e
assemelhados o poder de indicar diretores de empresas estatais.
Deve-se, portanto, descartar a melhor hipótese. Fique-se com a pior. Ou
seja: na Petrobras, o descalabro administrativo independe do caráter de
sua atual presidente. Os bons propósitos de Graça Foster fazem pouca
diferença.
Graça comanda a Petrobras há dois anos. Não participou
da decisão de comprar a refinaria de Pasadena, no Texas. Mas ela se
imaginava muitíssimo bem informada sobre a operação tóxica. Já foi
inquirida sobre o tema em audiências na Câmara e no Senado. Aos
pouquinhos, a madre superiora vai descobrindo que não sabe da missa a
metade.
Só há dois dias Graça soube que “não sabia que existia um
Comitê de proprietários de Pasadena no qual o Paulo Roberto era
representante da Petrobras. Esse comitê era acima do board [conselho de
administração da estatal].” O personagem citado é Paulo Roberto Costa.
Ex-diretor da Petrobras, ele está preso. O que diziam os estatutos do
tal comitê de proprietários de Pasadena? Que atribuições tinha esse
colegiado? Que poderes detinha? “Eu não sei nada”, admite Graça.
Eis
outra descoberta recente de Graça: a Petrobras não gastou US$ 360
milhões na compra dos primeiros 50% da refinaria americana. Mencionada
por ela em entrevistas e em depoimentos a congressistas, a cifra está
errada. Em verdade, a estatal brasileira repassou à Astra Oil, sua então
sócia belga, US$ 416 milhões. Fez o desembolso, segundo disse Dilma
Rousseff, com base num relatório “técnica e juridicamente falho”,
escrito pelo diretor Internacional da época, Nestor Cerveró.
Abalroada
pelas surpresas, Graça reage com indignação: “Eu sou a presidente da
companhia, em cima de um caso que é delicado. Não aceito descobrir que
estou falando um número e o número correto é outro, e nem aceito tratar
um assunto em que me venha um comitê, um board de representantes das
partes [Petrobras e Astra] que eu não saiba. E eu não aceito isso de
jeito nenhum. E não fica pedra sobre pedra, não fica. Mas não fica, não
fica…”
Graça Foster começa a se dar conta de que chegou à
presidência da Petrobras enfeitiçada por um tipo de ilusão que o poder
não perdoa em nenhum presidente de estatal: a ilusão de que preside.
Oito anos e US$ 1,2 bilhão depois da compra da refinaria de Pasadena,
Graça abriu uma comissão de sindicância de “alto nível” para perscrutar
os meandros do negócio. Beleza. Antes tarde do que jamais.
O diabo
é que, tomada pelas palavras, Graça ainda não entendeu o que se passa
ao redor. Ela enfrenta a crise à maneira do avestruz. Foge da realidade
enfiando a cabeça no silêncio. Perguntaram-lhe: a senhora acha que
tantas denúncias têm algum fundo político? E ela: “Eu me abstenho disso.
Não tenho elementos para dialogar sobre esse assunto. Leio sobre isso,
mas eu não posso entrar num mundo que não é meu.” Hummmm…
Há 19
dias, o companheiro Rui Falcão, presidente do PT federal, participou de
um café da manhã com jornalistas, em São Paulo. Ardia no noticiário a
crise do PMDB. O partido exigia de Dilma um sexto ministério. Contra
esse pano de fundo, Falcão soou assim: “Não vamos ceder um novo
ministério para o PMDB. Agora, concessão para discutir projeto de lei,
espaço em estatal, para isso estamos abertos à negociação.”
O
ex-diretor preso da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e o ex-diretor
recém-demitido, Nestor Cerveró, têm algo em comum: ambos eram
apadrinhados por partidos políticos. Indicado pelo PP do ex-mensaleiro
José Janene, já morto, Costa fora assumido por uma
joint-venture
que reunia PT, PMDB e PTB. Era muito chegado a José Dirceu. Indicado
pelo PT, Cerveró foi, por assim dizer, abduzido pelo PMDB de Renan
Calheiros.
Em abril de 2012, dois meses depois de assumir a
presidência da Petrobras, Graça Foster executara um movimento benfazejo.
Em combinação com Dilma, afastou três diretores com vínculos
partidários: o próprio Paulo Roberto Costa (Abastecimento); Renato Duque
(Serviços), vinculado ao PT; e Jorge Zelada (Internacional),
apadrinhado pelo PMDB. Mas ficou nisso.
Graça ainda convive com a
ilusão de que preside engrenagens como a Transpetro, poderoso braço
naval da Petrobras. Ali, quem dá as cartas, há arrastados 11 anos, é o
político cearense Sérgio Machado. Foi alçado ao posto em 2003, ainda no
primeiro reinado de Lula. Indicou-o, num gesto de patriotismo, o senador
Renan Calheiros.
Ao informar que as estatais continuam no balcão,
o companheiro Rui Falcão diz, com outras palavras, que um governo que
sai aos seus não endireita mais. Ao declarar que se abstém de prestar
atenção na politicagem que invadiu a Petrobras, Graça Foster comporta-se
como motorista que não quer ver os postes.
Reunido em Brasília na
última sexta-feira (21), o diretório nacional do PT divulgou uma
“resolução política”. No texto, o partido fez uma pose velha: “Mais uma
vez estamos presenciando a oposição e os setores conservadores da nossa
sociedade fazer ataques para atingir a imagem da Petrobras”, anotou. “É
importante relembrarmos que a nossa maior empresa pública foi alvo da
política de privatizações no governo liderado pelo PSDB, apoiado pela
elite nacional, representado por FHC.”
O bom senso indica que
ninguém deve gritar incêndio dentro de um teatro. Mas o petismo exagera.
Ao ressuscitar o vocábulo “privatização”, o partido de Lula e Dilma
grita teatro! dentro do incêndio. Hoje, o problema da Petrobras é outro.
A suposta estatal precisa passar, urgentemente, por um profundo
processo de reestatizacão. A doutora Graça Foster, que parece ser uma
boa pessoa, merece tomar posse na presidência da empresa.