Detectando um mentiroso
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A mentira
Embora
achemos não muito aceitável, a mentira está entre nós desde que somos
muito pequenos. Nossos pais, por exemplo, amenizam nossa infância com
histórias nem sempre muito verdadeiras (como fomos concebidos, que as
pessoas não morrem, mas viajam para as estrelas, e por aí vai).
Pensamos,
entretanto, que esse hábito ficaria restrito ao período mais primitivo
de nossa existência e, à medida que crescemos, esse hábito naturalmente é
deixado para trás.
Não é à toa então que nosso imaginário seja
então frequentemente preenchido de histórias improváveis e duvidosas, ou
seja, de inverdades presentes em todos os níveis.
Não sei se é de
seu conhecimento, mas uma pesquisa recente procurou averiguar o quanto
essa tendência se faz presente e descobriu-se o seguinte: as pessoas na
vida adulta mentem uma a cada cinco interações diárias. (1)
Pamela
Meyer, autora de um best-seller intitulado “Liespotting”, aferiu que
mentimos tanto em nosso cotidiano, que os registros da pesquisadora
chegaram a registrar 200 mentiras em um único dia. (2)
Assim, a
“mentirinha” se tornou tão comum (e aceitável socialmente) que não ficou
restrita aos nossos primeiros anos, mas é ela ainda usada (amplamente,
diga-se de passagem) como um método para se evitar pequenas decepções em
nosso círculo social da maturidade.
Eu explico.
Ao contar
alguma coisa a alguém, é usual que as pessoas acabem, na grande parte
das vezes, relatando apenas alguns “aspectos da verdade”. Assim sendo,
sem que perceba, reconta-se tendenciosamente partes dos acontecimentos
vividos que instintivamente possam ir ao encontro daquilo que as
pessoas, de fato, desejariam ouvir.
Veja então que a realidade nua
e crua – aquela discutida pelos filósofos durante séculos –
dificilmente é repassada adiante em sua forma “bruta”, mas reconstruída,
particularmente para que esteja em sintonia com os propósitos
individuais de uma interação.
É dessa maneira que as histórias
retalhadas dão um contorno mais grandioso a nossa pessoa ao nos fazer
sentir mais aceitáveis aos olhos dos demais e, funcionando como uma
verdadeira cola social, assegura maiores chances de aceitabilidade.
Mas, mentimos então o tempo todo?
Ao
que tudo indica nas pesquisas, “sim”. E, embora não totalmente
intencional, esse hábito atua como método altamente adaptativo.
Portanto,
não seria de todo incorreto dizer que, a rigor, falamos muito pouco a
respeito do que verdadeiramente se passou conosco ao usarmos distintos
níveis de mentira (ou, da verdade, se você preferir).
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Essas
graduações podem partir daquelas popularmente denominadas de “mentira
branca” (ou seja, sem maiores consequências) e podem chegar aos níveis
que constituem um quadro de mentira patológica, isto é, de quando se
mente de uma maneira contínua e compulsiva, sem controle.
As
mentiras “leves” podem incluir: o atraso a um compromisso importante
porque “pegamos muito trânsito” (quando na verdade não saímos no
horário correto), o “esquecimento” de uma tarefa de trabalho (quando na
verdade não sabíamos fazê-la), a data de aniversário de um amigo
importante (quando na verdade, estávamos sem vontade de cumprimentá-lo)
etc.
Dessa maneira, temos sempre prontas em nossa cabeça
inverdades pouco comprometedoras, prontas para serem usadas. E, no
outro extremo, temos o quadro psicopatológico denominado de “mitomania”.
Quando a mentira se tornou doença
Nesses
casos, o indivíduo vive em um ciclo de fabulações, ao criar situações
falsas e, o pior, ao fazer de tudo para que se possa acreditar nelas.
Assim, na mitomania, a pessoa se sente confortável com invencionice, ao
preencher com mais e mais detalhes o enredo da fábula recém-criada.
Algumas
vezes podem ser as pequenas mentiras, entretanto, outras vezes são
histórias mais elaboradas, de maneira mais detalhada e
sofisticada. Dessa forma, na mitomania, o paciente usa da invenção
deliberada para enganar pessoas e tirar vantagens, e nunca as admite,
muito embora tenha plena consciência de que são fictícias, bem como
ainda não se constrange quando é colocado a prova e eventualmente
descoberto.
Vale lembrar que os casos de mentira desonesta e
criminosa, usualmente oriunda dos psicopatas ou estelionatários, não se
aplicaria a esses casos, já que são considerados como desvios de
caráter.
Vamos fazer um experimento?
5 maneiras de detectar um mentiroso
a) Comece fazendo perguntas neutras.
Comece
observando como uma pessoa responde questões neutras. Pergunte, por
exemplo, a respeito do tempo, planos para o final de semana, ou qualquer
coisa que possa provocar uma resposta normal e confortável. Quando a
pessoa responder, observe a linguagem corporal e o movimento dos olhos
(assim se estabelece um padrão de como a pessoa age ao falar a verdade).
Certifique-se de fazer perguntas suficientes para detectar esse padrão.
b) Comece a pesquisar um tema mais “delicado”.
Uma
vez que saímos do um território mais neutro em direção à “zona de
mentira'', fique atento às mudanças observadas na linguagem corporal,
nas expressões faciais, no movimento dos olhos ou ainda na estrutura das
frases. É inevitável que padrões distintos aparecerão ao se contar uma
situação que, na verdade, não ocorreu. Por isso então que se torna
importante observar uma linha de base de comportamento normal antes de
entrar nessa fase.
c) Fique ligado nas linguagens corporais.
O
comportamento mentiroso, muitas vezes, pode ser detectado através de
sinais como olhares rápidos de um lado ou outro, enquanto se explica
alguma coisa; toques rápidos no nariz com a ponta dos dedos; o mordiscar
os lábios; dificuldade de se olhar diretamente a outra pessoa no ato da
explanação ou ainda piscar excessivamente enquanto se descreve a
situação (veja que todos são sinais típicos de desvio de direção ou de
“efeito fumaça”).
d) Preste atenção ao tom, cadência e estrutura das sentenças.
Muitas
vezes, quando uma pessoa está mentindo, ela irá mudar um pouco o tom e
cadência de sua voz. O ponto central é atentar na velocidade. Muitas
vezes, as sentenças mais elaboradas ou estruturadas é um sinal que a
pessoa está ativamente tentando blindar a história mentirosa para que
não seja descoberta e, por isso, sem que perceba, acaba se “alongando”
nas justificativas e explicações. E, finalmente:
e) Preste atenção quando a pessoa muda repentinamente o “rumo da prosa”.
Como
a mentira causa desconforto interno, “trocar” de foco no meio da
conversa (mudar de um assunto para outro) pode ser uma pista importante.
Evidente
que esses sinais precisam de treino para serem aferidos, mas vale a
nota para ilustrar o quanto podemos, efetivamente, detectar tais
comportamentos.
Passemos então ao mais importante.
O autoengano
Até
aqui falamos das mentiras corriqueiras que possuem como objetivo
enganar os outros ao cumprir as funções sociais que, conforme
descrevemos, na grande maioria das vezes assumem funções inócuas e
inexpressivas, entretanto, existem as outras mentiras, mais importantes,
que têm como objetivo nos autoenganar.
Eu explico novamente.
As “mentirinhas” têm como objetivo manipular o exterior, mas o autoengano visa aquietar nosso interior.
Creio
que essas últimas, definitivamente, podem ser as mais desastrosas, pois
nos afastam da realidade interna e, de maneira efetiva, nos afastam
daquilo que verdadeiramente precisaríamos ser.
Encontramos assim
pessoas que se dizem “satisfeitas com o emprego”, “felizes com o
relacionamento” ou ainda “realizadas com sua vida” – o que, nem de
longe, muitas e muitas vezes, é verídico.
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Essas
mentiras têm a função então de não nos colocar no foco, pois ainda que
insatisfeitos com nossa vida, permanecemos fora da zona de desafio, pois
o desconhecido, muitas vezes, nos tira da condição do controle e do
conhecimento das coisas. Portanto, muitas pessoas passam uma vida
inteira infelizes, pelo simples receio de seguir em frente e enfrentar
aquilo que ainda é inexplorado.
Sério isso, não acha? Saiba então
que a maioria dos meus pacientes que buscam terapia, o fazem exatamente
por conta das mentiras internas que precisam ser desconstruídas.
Pense nisso.
Conclusão
A
primeira e mais óbvia dedução que podemos extrair deste texto é a de
que tudo acima descrito pode também ser uma grande invencionice minha.
Quem sabe…
A segunda, e claramente mais sensata, é a de que somos
exímios criadores de realidades, ou seja, quase sempre estamos tentando
dar sentidos às coisas e, assim, manipulando a existência a favor de
nossa sobrevivência.
Portanto, seja dentro de uma pequena ou até
de uma grande mentira (ou verdade, pois acho que, a rigor, no final das
contas, tanto faz), apenas estamos procurando dar algum contorno àquilo
que, efetivamente, nos sirva a algum propósito e que consiga, então, nos
dar algum sentido de vida.
Talvez usemos desse recurso para poder sobreviver.
É uma pena, entretanto, que muitos descubram isso apenas no final da vida e então possam, finalmente, se aceitar.
“E se me achar esquisita, respeite também… até eu fui obrigada a me respeitar” – Clarice Lispector.