Empresários também têm culpa por crise, diz Marcos Lisboa
Em entrevista ao jornal
Folha de S. Paulo
publicada neste domingo (20), o economista Marcos Lisboa, ex-secretário
de Política Econômica no governo Lula, destacou que os empresários
também são culpados pela crise econômica do país, porque terem aplaudido
a agenda populista do PT nos últimos anos e mudarem de lado quando a
conta desta política chegou. Para ele, parte do empresariado está sendo
oportunista. "Muitos dos que agora estão criticando apoiaram as medidas
que levaram a economia à situação em que está."
Lisboa é
presidente do Insper, um dos centros de pesquisa e ensino mais
respeitados do país na área econômica. Ele também destacou está menos
pessimista do que no ano passado, porque a sociedade abandonou o
"autoengano" e passou a discutir seus problemas.
O economista
também destacou na entrevista que a crise econômica não começou agora, e
que aumentar impostos não é a melhor solução. "O ritmo de crescimento
do emprego está diminuindo desde 2011", disse. "As medidas até agora
tentam aumentar a receita e cortar algum investimento. É o equivalente a
tomar morfina quando você está com uma doença crônica. Tira um pouco da
dor, mas, quando passa o efeito da droga, a doença volta mais grave",
completou.
Confira a entrevista publicada pela Folha de S. Paulo:
Folha - As medidas de ajuste propostas pelo governo Dilma são suficientes para tirar o país da crise?
Marcos Lisboa - Essas
medidas foram uma imensa frustração. Minha impressão é que não se
entendeu a origem das dificuldades por que passa o país. O problema do
Brasil é muito mais grave do que fazer um superavit primário de 0,7% em
2016.
Temos uma trajetória de crescimento da dívida pública acima
do PIB. Devemos terminar este governo em 2018 como o país emergente mais
endividado do mundo. É uma tendência explosiva. E o ajuste proposto não
afeta em nada essa trajetória.
O que precisaria ser feito?
As
despesas no Brasil crescem por dois motivos principais. Primeiro, por
causa das regras de vinculação da despesa pública. À medida que o país
cresce, aumentam as despesas com educação, saúde e vários outros
programas.
Quando o país para de crescer, não é possível reduzir essa despesa. Na média, portanto, essas despesas crescem acima do PIB.
Segundo,
por causa do envelhecimento do Brasil. Hoje a população em idade para
se aposentar cresce quatro vezes mais rápido que a população em idade
para trabalhar.
Isso é agravado pelas regras que permitem que
pessoas jovens se aposentem. É bom enfatizar: a idade média de
aposentadoria por tempo de contribuição é 53 anos para mulheres e 54
para os homens. Outros países elevaram essa idade mínima para 60, 65
anos e até mais.
É factível para uma presidente com popularidade baixa fazer essas reformas em um Congresso hostil?
Ou
nós atacamos os problemas ou os problemas vão nos atacar. O Brasil está
pagando o preço de uma crise grave e profunda por não ter feito esse
ajuste.
O ajuste proposto é modesto, mas o governo vem sofrendo pressão para abandoná-lo. O que pode ocorrer se o governo ceder?
As
medidas adotadas até agora são de má qualidade e algumas chegam a
prejudicar a eficiência da economia. Se até isso for abandonado, a crise
vai se agravar.
Vale lembrar que a crise do Brasil não começa em
2015. O ritmo de crescimento do emprego está diminuindo desde 2011. Mas,
na campanha e no início da gestão, o diagnóstico do governo não era de
um problema estrutural.
As medidas até agora tentam aumentar a
receita e cortar algum investimento. É o equivalente a tomar morfina
quando você está com uma doença crônica. Tira um pouco da dor, mas,
quando passa o efeito da droga, a doença volta mais grave.
É possível hoje evitar um aumento de carga tributária?
Se
aumentar impostos neste ano, terá que elevar em 2016 e 2017. O problema
não para. Com o agravante de que a carga tributária no Brasil já é
maior que na maioria dos países emergentes.
Hoje não há segurança
para investir no país em projetos de cinco ou dez anos. Aqui temos esse
oportunismo político de mudar as regras e isso acaba com a
credibilidade.
Nos últimos seis anos, começando após a crise de 2008, a política econômica populista contribuiu enormemente com a crise.
Mascararam
números, elevaram gastos, aumentaram subsídios. Deu errado. Crescemos
menos que o resto do mundo e os ganhos sociais estão retrocedendo.
Economistas
ligados ao PT continuam defendendo que é preciso reduzir juros para
estimular os investimentos e aumentar o crescimento.
A Dilma
começou seu primeiro mandato prometendo juro real de 2% e gastando mais.
O que estão propondo agora é o mesmo que levou o país à grave crise que
atravessamos.
Crédito subsidiado melhora os resultados das empresas, mas não eleva os investimentos.
A empresa só troca um financiamento privado caro por um empréstimo público mais barato.
Política industrial pode ser eficaz e todo mundo faz, mas tem que selecionar direito e criar contrapartidas.
Não pode dar incentivos e proteções a roldão.
A indústria, que se beneficiou dessa proteção, agora critica muito o governo.
É
profundamente injusto dizer que a culpa é só do governo. Essa agenda
foi defendida durante anos por interesses empresariais. Foi aplaudida em
praça pública no começo de 2009, dizendo que levaria a um aumento do
investimento e tiraria o país da crise internacional.
O setor financeiro tem sido mais cauteloso nas críticas. Por quê?
Não posso falar por setores específicos. Mas ninguém gosta de enfrentar o fracasso.
É
verdade que o governo é incompetente, mas não agiu sozinho. Muitos dos
que hoje criticam apoiaram as medidas que levaram a economia à situação
em que está. Mas também é claro que existe uma preocupação legítima com a
solidez do país.
Qual é a responsabilidade do Congresso na crise?
Outras
pessoas podem falar melhor de política, mas a única coisa que
decepciona tanto quanto o governo é a oposição. Na campanha, a oposição
também se eximiu de enfrentar os problemas.
Qual é a dificuldade
de debater a governança das estatais? É muito ruim mesmo. Também
precisamos discutir o funcionalismo, que ganha muito mais do que o setor
privado.
E qual é o problema de falar de privatização? Na minha
geração, telefone era presente de casamento declarado no Imposto de
Renda. O país melhorou muito depois da privatização.
O Brasil ainda tem chance de evitar a perda do grau de investimento de outra agência?
A crise é grave e o rebaixamento é um sintoma.
Essa
crise vai ser longa, mas hoje estou menos pessimista do que há um ano,
quando os problemas já eram visíveis, mas havia um autoengano e o país
se recusava a enfrentá-los. Pelo menos hoje estamos discutindo.
Só ainda não chegamos ao fundo do poço. As previsões no Insper apontam para uma recessão de 3% neste ano e 2% no ano que vem.
O sr. projeta alguma recuperação da economia em 2017?
É
difícil a economia se recuperar enquanto os problemas não forem
enfrentados. A crise vai piorar. Haverá impacto nos resultados das
empresas, repercussão no emprego e na qualidade de vida.
A conta do populismo sempre chega. No Brasil, essa conta chegou.