Contato

Para os interessados em história

SEMINÁRIO CANGAÇO CARIRI
LAMPIÃO ESTEVE NA RUA SÃO JOSÉ ?

Renato Casimiro

Começa hoje em nossa região o I Seminário Cangaço Cariri. A reunião que vai até o próximo dia 27, nas cidades de Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha e Missão Velha, deverá reunir muitos estudiosos e interessados pelo assunto, muito palpitante. O tema Cangaço é sempre recorrente com a interface Juazeiro/Padre Cícero, especialmente pela “passagem” de Lampião na cidade. Algumas questões persistem, como por exemplo: 1. a residência de alguns familiares de Lampião em Juazeiro; 2. o convite para integrar o Batalhão Patriótico; 3. o caso da patente atribuída ao funcionário Pedro Uchoa; 4. as “freqüentes” visitas de Lampião a Juazeiro; etc. A mim, especialmente, uma delas me preocupou: teria Lampião percorrido a Rua São José ? Tivesse sido afirmativa esta resposta aos garotos da Rua São José, naqueles idos dos anos 50-60, bem imagino o ar de surpresa que o fato teria causado. Nossas brincadeiras, do tipo mocinho x bandido não iam além dos modelos trazidos pelos concorridos filmes de faroeste, vistos no Cine Avenida, em animadas sessões dominicais, à tarde. Eu soube em casa de algumas estórias de Lampião. Meu pai me contou algumas delas, uma das quais, por depoimento próprio, de quando Lampião e seu bando estiveram em Juazeiro, em Março de 1926. Nas narrativas, tanto de meu pai, quanto de outros, os cangaceiros se achegaram mesmo até o sobradinho de João Mendes de Oliveira, na Rua Boa Vista. Para aquele Juazeiro dos anos 20, isto era o “arisco”, uma designação que eu usei, repetindo muito, para referir aos cantos distantes daquele núcleo mais central, em torno da Praça Padre Cícero. Recentemente, relendo alguma coisa sobre Lampião, e as questões relativas a sua permanência em Juazeiro e ao malfadado capítulo de sua patente de capitão, contidos em Frederico Bezerra Maciel – Lampião, seu tempo e seu reinado, vol. III - A guerra de guerrilhas(fase de domínio), fui encontrar detalhes do trânsito do bandido pela cidade. Prefiro transcrever os textos. Sobre o dia 05.03.1926, depois de relatar como foi a visita de Padre Cícero ao sobrado de João Mendes de Oliveira, o autor fala: “À noite, cedo, retribuiu Lampião a visita do Padre Cícero, na sua “casa velha”, sita à Rua São José n. 126. Ocasião em que recebeu a patente de Capitão comissionado na luta contra os revoltosos”. E acrescenta com uma nota: “Do sobrado da rua Boa Vista, dobrou Lampião pela rua São Paulo e por ela foi seguindo até o cruzamento com a rua Nova (hoje Av. Dr. Floro), onde quebrou a esquerda e continuou seguindo, atravessou a rua Grande (hoje Padre Cícero), e entrou no beco da Catarina, saindo na rua São José, onde dobrou à direita até à “casa velha”, hoje de n. 126, onde morava o Padre. A primeira casa em que o Padre morou, cedida por José Francisco Gonçalves, ficava onde hoje é o n. 130 da rua Padre Cícero. A “velha casa” é hoje abrigo de velhos e velhas dirigido pelas irmãs de Santa Teresa e guarda piedosas relíquias do Padre, onde viveu durante 28 anos. Depois mudou-se ele dessa casa apertada para a espaçosa “casa nova”, construída mais adiante um pouco, pela beata Mocinha e por Floro, na mesma rua n. 242, onde morou e hoje é o Museu do Padre Cícero.” O autor até ilustra sua obra incluindo o trajeto de Lampião e bando, usando um mapa mais recente da cidade de Juazeiro do Norte. Mas, comete imprecisões, pois coloca a “nova casa” do Padre Cícero (Museu), na rua Grande, em frente a Matriz. E a “velha casa” na rua São José, esquina com Cruzeiro. Em seu livro, A Derradeira Gesta – Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão, a profa. Luitgarde Oliveira Cavalcante Barros, transcreve uma entrevista que teve com meu tio José Casimiro, irmão de meu pai, confirmando o fato, de certa forma, nos seguintes termos: “Quando era dez horas da noite Lampião ia conferenciar com Padre Cícero, que ficava aconselhando ele a sair daquela vida.” E a única maneira de estar com o Padre Cícero era mesmo ir até sua “velha casa”, já que havia tido o primeiro contato no sobradinho de João Mendes. Em seu relato, minucioso, tio José dá detalhes da permanência de Lampião e as ações de Dr. Floro para trazer o pesado armamento que seria entregue aos cangaceiros e ao batalhão patriótico que enfrentaria a Coluna Prestes, nas cercanias de Campos Sales. Meu avô, Antonio Alves Casimiro, Tonhero, dispondo de um ônibus e um caminhão, transportou armas e pessoal. Floro, antes de ter viajado para o Rio de Janeiro, já próximo de sua morte, teria dito ao meu avô: “Seu Tonhero, eu só confio aqui no senhor para passar pelo seu punho todo o material". Ainda, segundo Maciel, Lampião e seu bando estiveram na rua São José, de passagem, no dia 07.03.1926, logo depois da missa das nove, celebrada pelo Padre Esmeraldo, e assistida por eles, seguindo para uma visita ao Horto. Tomaram o itinerário da rua Padre Cícero, entraram na rua do Cruzeiro (esquina de Dina e Doroteu Sobreira), passaram junto do, hoje, mercadinho dos meus tios Silvanir e Ananias (no cruzamento com a São José) e foram na direção do Salgadinho, até a serra do Catolé. Em 1926, meu pai tinha pouco mais de 9 anos e foi com outros garotos da rua da Matriz, onde morava sua família, para conhecer, seis quadras adiante, pela rua São Paulo, o bando de Lampião. Ele me contava que a meninada ficava embaixo, enquanto o grupo estava no pavimento superior, gritando para que eles aparecessem. De vez em quando, um deles jogava moedas para adultos e crianças que estavam ansiosos pela aparição. Numa destas, meu pai teve sorte e conseguiu apanhar um patacão. Anos mais tarde, a revelação destes fatos lhe trazia um brilho nos olhos e uma emoção que se traduzia com o entusiasmo que seu relato continha. O patacão ficou em seus guardados até que a família retornou à Paraíba, para a fazenda Carnaúba, no município de Sousa. Depois, o patacão se perdeu nos espaços das mudanças e no tempo da criança que ficou para trás. Mas, as estórias, como estas e tantas outras de cangaceiros, se perpetuaram com sua memória viva, em narrativas que nos enchiam de encanto, noite adentro.

Efetivamente, a preocupação não seria, tão somente, o “passeio” que eventualmente Lampião teria feito pela Rua São José. O mais expressivo de tudo seria a constatação desta “liberdade adquirida” na convivência com o “santo do Nordeste”, na freqüência à sua residência, de tão íntima. Ainda hoje, os questionamentos que se levantam em torno das densas biografias do Padre Cícero e de Lampião, não deixam de referir a esta “amizade”, que no caso específico do padrinho, significou, e ainda significa, uma relação complexa com o viés mais perverso do mandonismo regional, e a sua relação com a violência no campo. A terra dos milagres e, por assim dizer, também a terra dos beatos e cangaceiros, é um binômio que desafia investigação e estudos que, provavelmente, ainda não serão conclusivos por todo este século XXI.

Amanhã, dia 23, no Memorial Padre Cícero, Dr. Napoleão Tavares Neves vai abordar este assunto – Lampião em Juazeiro do Norte. Conhecedor profundo de toda a temática da violência do cangaço, Dr. Napoleão deverá nos brindar com uma aula magistral, mercê de sua vivência e conhecimento impar que o consagrou como um historiador de grande estilo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário