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> Entrevista com o Vice presidente José Alencar:
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> Na semana passada, o vice-presidente da República, José Alencar, de
> 77 anos, deu início a mais uma batalha contra o câncer. É o 11º
> tratamento ao qual se submete:
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> *Desde quando o senhor sabe que, do ponto de vista médico, sua doença
> é incurável ?
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> JA: Os médicos chegaram a essa conclusão há uns dois anos e logo me
> contaram. E não poderia ser diferente, pois sempre pedi para estar
> plenamente informado. A informação me tranquiliza. Ela me dá armas para
> lutar. Sinto a obrigação de ser absolutamente transparente quando me
> refiro à doença em público, ninguém tem nada a ver com o câncer do José
> Alencar, mas com o câncer do vice-presidente, sim. Um homem público com
> cargo eletivo não se pertence.
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> *O senhor costuma usar o futebol como metáfora para explicar a sua
> luta contra a doença. Certa vez, disse que estava ganhando de 1 a 0. De
> outra, que estava empatado. E, agora, qual é o placar?
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> JA: Olha, depois de todas as cirurgias pelas quais passei nos últimos
> anos, agora me sinto debilitado para viver o momento mais prazeroso de
> uma partida: vibrar quando faço um gol. Não tenho mais forças para
> subir no alambrado e festejar.
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> *Como a doença alterou a sua rotina?
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> JA: Mineiro costuma avaliar uma determinada situação dizendo que "o
> trem está bom ou ruim". O trem está ficando feio para o meu lado. Minha
> vida começou a mudar nos últimos meses. Ando cansado. O tratamento que
> eu fiz nos Estados Unidos me deu essa canseira. Ando um pouco e já me
> canso.. Outro fato que mudou drasticamente minha rotina foi a
> colostomia* (desvio do intestino para uma saída aberta na lateral da
> barriga, onde são colocadas bolsa plásticas), herança da última
> cirurgia, em julho. Faço o máximo de esforço para trabalhar
> normalmente. O trabalho me dá a sensação de cumprir com meu dever. Mas,
> às vezes, preciso de ajuda. Tenho a minha mulher, Mariza, e a Jaciara
> (enfermeira da Presidência da República) para me auxiliarem com a
> colostomia. Quando, por algum motivo, elas não podem me acompanhar,
> recorro a outros dois enfermeiros, o Márcio e o Dirceu. Sou atendido
> por eles no próprio gabinete. Se estou em uma reunião, por exemplo,
> digo que vou ao banheiro, chamo um deles e o que tem de ser feito é
> feito e pronto. Sem drama nenhum.
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> *O senhor não passa por momentos de angústia ?
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> JA: Você deveria me perguntar se eu sei o que é angústia. Eu lhe
> responderia o seguinte: desconheço esse sentimento. Nunca tive isso.
> Desde pequeno sou assim, e não é a doença que vai mudar isso..
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> *O agravamento da doença lhe trouxe algum tipo de reflexão?
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> JA: A doença me ensinou a ser mais humildeEspecialmente, depois da
> colostomia. A todo momento, peço a Deus para me conceder a graça da>
> humildade. E Ele tem sido generoso comigo. Eu precisava disso em minha
> vida. Sempre fui um atrevido. Se não o fosse, não teria construído o
> que construí e não teria entrado na política.
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> *É penoso para o senhor praticar a humildade?
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> JA: Não, porque a humildade se desenvolve naturalmente no sofrimento..
> Sou obrigado a me adaptar a uma realidade em que dependo de outras
> pessoas para executar tarefas básicas. Pouco adianta eu ficar nervoso
> com determinadas limitações. Uma das lições da humildade foi perceber
> que existem pessoas muito mais elevadas do que eu, como os
> profissionais de saúde que cuidam de mim. Isso vale tanto para os
> médicos Paulo Hoff, Roberto Kalil, Raul Cutait e Miguel Srougi quanto
> para os enfermeiros e auxiliares de enfermagem anônimos que me
> assistem. Cheguei à conclusão de que o que eu faço profissionalmente
> tem menos importância do que o que eles fazem. Isso porque meu trabalho
> quase não tem efeito direto sobre o próximo. Pensando bem, o sofrimento
> é enriquecedor.
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> *Essa sua consideração não seria uma forma de se preparar para a morte?
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> JA: Provavelmente, sim. Quando eu era menino, tinha uma professora que
> repetia a seguinte oração:
> "Livrai-nos da morte repentina". O que significa isso? Significa que a
> morte consciente é melhor do que a repentina. Ela nos dá a oportunidade
> de refletir.
>
> *O senhor tem medo da morte?
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> JA: Estou preparado para a morte como nunca estive nos últimos tempos.
> A morte para mim hoje seria um prêmio. Tornei-me uma pessoa muito
> melhor. Isso não significa que tenha desistido de lutar pela vida. A
> luta é um princípio cristão, inclusive. Vivo dia após dia de forma
> plena. Até porque nem o melhor médico do mundo é capaz de prever o dia
> da morte de seu paciente. Isso cabe a Deus, exclusivamente.
>
> *Se recebesse a notícia de que foi curado, o que faria primeiro?
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> JA: Abraçaria minha espôsa , Mariza e diria: "Muito obrigado por ter
> cuidado tão bem de mim".
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