Do bloog do Giacomo Mastroiani

A TORTO & A DIREITO No 87

Misericórdia, Fortaleza!


A TORTO & A DIREITO tem se caracterizado por abordar assuntos mais amenos. Mas, atendendo ao imperativo de um pedido de amigo jornalista, residente em Fortaleza, hoje vamos tratar de sangue.

Não aquele sangue de heróis da história brasileira que era derramado por grandes causas, com o condão de modificar o curso dos acontecimentos, queimar etapas de evolução política e social, como, por exemplo, o sangue dos nossos pracinhas, que, na Itália, se imolaram pela Democracia, na batalha aliada, devolvendo ao mundo e ao país, em consequência, o império da lei e da ordem, com o fim da Ditadura de Vargas.


Ou mesmo o sangue, nem tão unanimemente aplaudido, de heróis das guerrilhas urbana e rural deflagradas por Marighelas, Lamarcas e Dilmas, anos mais tarde, na tentativa de devolver o país aos seus verdadeiros rumos de pátria livre e soberana, sob a égide da Constituição, contra a Ditadura Militar.


Vamos falar de um sangue inútil, um sangue sem causa, derramado todos os dias sobre o asfalto por inocentes vítimas do acaso. Gente que paga o preço tão somente do simples fato de existir, estar ali e agora, diante do arbítrio de bandidos, num jogo de porrinha de vida ou morte, escolhidos como alvo fatal de intentos malignos.


Refiro-me ao pobre cidadão ou cidadã de Fortaleza, essa cidade que, quando aqui cheguei para prestar vestibular, no início dos anos 60, era apenas uma pacata e provinciana capital, onde, depois das 5 horas da tarde, todos botávamos as cadeiras na calçada e íamos papear sob a aragem fresca que vinha do mar.


Onde se andava a pé, em perfeita segurança, por longos quarteirões, poupando a passagem dos ônibus, poucos e ruins. Onde se podia namorar nos bancos de praças e jardins, sair da última sessão de cinema e entrar pela noite na conversa boêmia dos TTs das madrugadas e Augustos Morcegos, na Praça do Ferreira.

Que se passa com esse novo inferno? Aquele mesmo jornal da TV Verdes Mares que, um dia, noticiava realizações do governo, obras edificantes, decisões do executivo e legislativo, ações de entidades públicas e privadas em benefício da população, não passa hoje de uma mera edição de luxo dos Barra Pesada, Rota 22 e Cidade 190 da vida, no canal de maior audiência da cidade.


Aliás, a questão midiática reproduz, a meu ver, a história do ovo da serpente. Não sei bem se a audiência do programa policial existe por causa do crescimento exponencial do crime ou se o crime não se nutre também, em sua origem, desse inconsciente coletivo criado nas camadas mais baixas da população pelos famosos “15 minutos de fama”, capazes de fazer de um simples marginal drogado com 5 reais de crack e pedalando uma Monark de segunda mão um poderoso Senhor dos Anéis do crime.

O 38 na mão do bandido tem o condão de redimi-lo, num passe de mágica, da impotência e fragilidade da sua condição de analfabeto, faminto, grosseiro, racialmente e socialmente inferior, despossuído.


Quantos anos de educação, evolução espiritual, estudos, sentimento e civilização não separavam o criminoso “Buiú” da empresária Marcela Montenegro? Uma ponte com dois extremos de eternidade.

Tentemos reproduzir pelas aparências: ela, uma mulher linda, com bom berço de classe média alta, educação primorosa, boas companhias, futuro promissor, carro de luxo novinho, uma bolsa possivelmente bem dotada.

Ele, a cara e a coragem. Valendo mais pelo mal que pudesse praticar que pelos valores da boa convivência com a sociedade.

Nada justifica o crime, mas diante de qualquer esboço de reação, o desfecho é inevitável. Na realidade, e naquelas circunstâncias, só a jovem senhora tinha o que perder.

Na roleta russa em que se está transformando cada esquina desta insegura capital, penso que o pouco que resta de segurança ao cidadão é a sua aparência de desinteressante, de pessoa de posses mínimas, sem um carrão de marca, do ano.

Na amostragem, para efeito da escolha do alvo pelos bandidos, você apareceria, então, como peixe pequeno, pelo qual não se justificaria o risco do bote de um bandido predador, senhor absoluto da situação.

E assim, feliz pelos nossos pneus estarem na última lona, a lataria do carro apresentar os primeiros amassos e pontos de ferrugem, avançamos incólumes para a batalha diária em que se transformou levar a esposa ao trabalho, deixar os filhos no colégio ou trafegar num dos muitos pontos negros a caminho de casa, do supermercado ou dos negócios.

E a esperança de que a Ronda ia mudar tudo isso, para onde foi? Cadê o jogo duro com os bandidos que devolveu a Nova York, uma das maiores metrópoles do mundo, a condição de cidade civilizada.

Quando lá estive, em 1975, ninguém se arriscava a sair do hotel, a não ser em grandes grupos. Parecia um monte de escoteiros se arrastando pela Quinta Avenida, alguns até de braços dados. “Sempre alerta!”.

Depois, veio a maior operação de que se tem notícia na história policial americana, onde os fundamentos foram postos no combate à corrupção na própria máquina política e policial, ao tráfico de drogas e ao crime organizado. Os resultados foram auspiciosos. Hoje, você passeia sozinho pelas alamedas do Central Park.

“Pelo amor dos meus filhinhos”, como diria aquele histérico locutor esportivo, não vamos entregar a rapadura da causa da segurança ao bando do mal. Há causas sociais no crime? Há. Não se muda isso da noite para o dia.

Aliás, nesse capítulo, a coisa só tende a se agravar, com Fortaleza situada entre as quatro cidades brasileiras de maior desequilíbrio entre ricos e pobres, só comparável a cidades da Nigéria e do Sul da África.

Mas deve haver e pode haver mudanças na repressão ao crime. Se não podemos extirpar o tumor, vamos aliviar a dor, pelo menos. Não pode ser tão difícil promover uma limpeza sistemática de marginais nas áreas de risco. Qualquer policial, por mais novato que seja, sabe bem quem são essas figuras manjadas.

O problema é que, pelas fendas da lei, pelas deficiências do sistema prisional, as ruas são diariamente realimentadas por essas figurinhas carimbadas do crime. Esses deuses de barro das nossas centenas de favelas, armas na mão e ódio na cabeça, dispostos a entrar no estrelato da imagem de TV nem que seja pela câmera escondida do sistema de segurança ou do CTAFor.

Viram a ousadia dos autores da saidinha que assaltaram e balearam um aposentado que acabara de receber sua gratificação na boca do caixa, em um banco do Centro? Eles acompanham a vítima até o interior de uma lanchonete e balearam o senhor e roubaram o dinheiro à vista de todos. O ladrão passou lindo, leve e solto na frente da câmera e, ainda hoje, não parece ter sido identificado.

Pior só mesmo os facínoras que, em crimes de seqüestro, pedem o resgate, embolsam a bolada e ainda matam a vítima. Nessa hora, em nome da misericórdia divina, pergunto: “Até onde vamos, Fortaleza?”.

Colaborou na coluna de hoje Ayrton Rocha, jornalista cantor e compositor, residente em Fortaleza/Ce.

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COMENTÁRIO - URGENTE

Recebemos hoje (29.03.2010) e publicamos abaixo, na íntegra:

Caro Giacomo Mastroianni,

Muito verdadeiro, oportuno e bem contextualizado este seu texto. É uma pena que seja sobre um tema que não gostaríamos de estar tratando. Sexta-feira última, a exemplo da Marcela, a minha esposa quase contribui para aumentar está estatística nefasta. Ao sair do Bompreço, onde seu carro estava estacionado, lembrou-se que o estoque de fraldas da nossa neném, que completou um ano semana passada, estava perto de acabar.

Como mãe zelosa, resolveu aproveitar para comprar mais fraldas, já que do outro lado havia uma opção. Eis que, ao ir entrando no estabelecimento, inesperadamente alvejam um jovem que estava ao lado dela entrando no seu carro. Por pouco, a troca de tiros entre bandidos e policiais não a acerta. Liga-me apavorada do interior da loja. Eu – que estava num almoço de negócios –pedi para que ele ficasse no fundo do estabelecimento esperando a chegada da polícia e, depois, saísse imediatamente do local. Ela lembrou que eu dissera há pouco tempo que ela deveria evitar aquela aérea do Papicu, nas proximidades da Av. Santana Júnior. Mas eu também faço o mesmo alerta em relação a ir pegar amigos no aeroporto, (em função da Raul Barbosa, cartão de visita de quem chega na nossa Capital), trechos da Santos Dumont. Frei Mansueto, Via Expressa e por aí vai...

Daqui a pouco, não teremos mais como nos locomover na cidade, pois em qualquer esquina poderemos pisar em uma mina...

Mas o que esperar de uma cidade cada vez mais violenta, mesmo porque está inchando. Que tem três polícias (antes eram duas), rachadas entre si? Acho até importante o reforço que tivemos com a efetivação do “Ronda”. Mas se não resolvermos essas diferenças internas das nossas polícias, a tendência são as coisas piorarem. Enquanto isso, continuamos como alvos fáceis da bandidagem, como se fôssemos aqueles patinhos que giram em parques de diversões como alvo das velhas espingardas de chumbo... O pior é que os calibres que os marginais usam são bem mais potentes do que aqueles chumbinhos contidos nas espingardas de ar comprimido... Às vezes muito mais potentes e sofisticadas do que as armas usadas pelos nossos policiais.

É triste meu amigo.

Grande abraço,

Marcos André Borges
Jornalista
Fortaleza/Ce

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