
Num Congresso de inocentes, o normal vira anormal
Não há culpados no Congresso. Apenas inocentes. Ou cúmplices. Todos são bons sujeitos. Mesmo os maus.
Como no mundo deles não existe diferença moral entre receber o 15º salário e receber qualquer outra vantagem, é tudo parte do pacote.
Até aqui, qualquer coisa que eles fizessem era normal. Até o anormal. Súbito, surgiu no Legislativo uma diferença.
Já não se pode vender o equívoco como correto com a cara completamente limpa. Deve-se o estabelecimento do contraste a José Antônio Reguffe (PDT-DF).
Acaba de ser eleito para o seu primeiro mandato de deputado federal. Amealhou 266 mil votos. Proporcionalmente, foi o deputado mais votado do país.
Prevaleceu por 19% a 6% se comparado ao colega Tiririca (PP-SP), dono da maior votação absoluta: 1,3 milhão de votos.
Reguffe deve a votação vistosa à forma diferente como faz política. Ele vem da Câmara Distrital de Brasília. Cruzou a lama do ‘Arrudagate’ limpo.
Nas pegadas do triunfo eleitoral, Reguffe anunciou que repetiria na Câmara federal algo que o distinguia na cena distrital: abriria mão de todos os privilégio$.
Empossado, enviou ofícios à Mesa diretora da Câmara. Abdicou dos salários extras (14º e 15º) e da verba indenizatória (R$ 15 mil).
Como reside na Capital, renunciou também à cota de passagens e ao auxílio-moradia.
Lipoaspirou a folha do gabinete. Em vez de 25 assessores, contratou nove. Reguffe faz as contas:
“Só com essas medidas, ao longo do mandato, vou economizar aos cofres públicos R$ 2,38 milhões”.
Por quê? “O que defendo e estou praticando é que o mandato parlamentar pode ser de qualidade custando bem menos ao contribuinte. O custo hoje é excessivo”.
Pressionando aqui, você chega a uma entrevista concedida por Reguffe ao repórter Vitor Vogas. Numa passagem da conversa ele foi inquirido: considera-se diferente?
E Reguffe: “Não. Sou apenas alguém tentando fazer a minha parte e honrar os compromissos com as pessoas que votaram em mim...”
“...O importante é a pessoa ser honesta e fazer a sua parte, e é isso que pretendo fazer”.
Ao fazer a sua parte, Reguffe como que expõe o todo. Fica mais fácil notar a anormalidade no normal que viceja ao redor.
Penso eu - Pra quem não sabe, José Antonio Reguffe, é filho de uma crateuense, irmã de Sérgio Machado, filha do ex-Ministro Expedito Machado, primo em segundo grau do famoso Assis Machado, Neto, bisneto de seu De Assis Machado. O pai é conhecido, Reguffe, comandante da Marinha Mercante brasileira. E assim a vida vai sendo tocado.
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Entrevista - por Vitor Vogas
José A. Reguffe - deputado federal
"O importante é ser honesto e fazer a sua parte"
O filósofo Albert Camus disse que aqueles que têm grandeza interior não se encaminham para a política. Contrariando a afirmativa e acreditando na política como um dos meios de transformação da sociedade para melhor, José Antônio Reguffe (PDT-DF) chegou à Câmara Federal como deputado proporcionalmente mais votado do país (e oposto, nas ideias, ao campeão em votos absolutos). Ele nega ser diferente, mas com certeza quer fazer a diferença: já chegou abrindo mão de privilégios, como fez na Câmara Distrital, e propondo mudanças radicais no sistema político do país.
O senhor se considera um deputado diferente da média?
Não. Sou apenas alguém tentando fazer a minha parte e honrar os compromissos com as pessoas que votaram em mim. O importante é a pessoa ser honesta e fazer a sua parte, e é isso que pretendo fazer.
Sua expressiva votação (270 mil votos) foi uma resposta dos eleitores ao Mensalão do DEM e outros esquemas de corrupção?
Foi um reconhecimento da população do DF ao mandato que fiz na Câmara Distrital. Cumpri absolutamente todos os compromissos que constavam em meu panfleto em 2006.
Seu mandato na Câmara Distrital foi marcado pela moderação nos gastos. Qual a sua visão sobre o aumento salarial dos parlamentares, aprovado em 2010 e gerador de um efeito cascata?
Votei contra na Câmara Distrital. O aumento foi muito acima da inflação do período. Além disso, sou contra uma legislação em que a pessoa pode dar aumento a ela mesma. E acho que o 14º e o 15º deveriam acabar. O que justifica uma pessoa receber isso?
O senhor pretende abrir mão de benefícios também na Câmara Federal?
Tão logo assumi, expedi seis ofícios à Mesa Diretora: abri mão dos salários extras, da verba indenizatória, da cota de passagens e do auxílio-moradia, já que sou do DF. E reduzi minha verba de gabinete e o número de assessores de 25 para nove. Só com essas medidas, ao longo do mandato, vou economizar aos cofres públicos R$ 2,38 milhões. Abri mão em caráter irrevogável. O que defendo e estou praticando é que o mandato parlamentar pode ser de qualidade custando bem menos ao contribuinte. O custo hoje é excessivo.
Que pontos da reforma política o senhor defende?
Apresentei cinco pontos durante a campanha: fim da reeleição para cargos Executivos e limite de uma reeleição para cargos legislativos; fim do voto obrigatório; instituição do voto distrital; implantação de um sistema de revogabilidade do mandato. Para ser candidata, a pessoa terá que registrar seus compromissos e propostas na Justiça Eleitoral, que vai publicar tudo em seu site. Uma vez eleito, o candidato, qualquer eleitor, tendo votado nele ou não, poderá entrar na Justiça e pedir o mandato de volta se ele não cumprir um desses compromissos. Por fim, financiamento exclusivamente público de campanha. Mas minha proposta é diferente, porque, se derem dinheiro público na mão de candidato, pode ficar pior do que está hoje. Defendo que o TSE e os TREs façam licitações, e a gráfica que ganhar imprima os panfletos de todos os candidatos naquele determinado lugar, em igual formato e quantidade. A pessoa vai ter que ganhar no conteúdo e no convencimento. A produtora de TV que ganhar vai gravar o programa de todos, com o mesmo fundo, etc. A campanha talvez seja mais chata, porém mais politizada.
O senhor teme sofrer pressões e retaliações de colegas ao tentar mexer em interesses e privilégios consagrados na Câmara?
Há, é claro, uma série de políticos que estão muito mais preocupados com o próprio umbigo do que com o contribuinte, com a sociedade e com sua real função. Mas toda generalização leva ao erro. No Congresso, existem muitos políticos sérios também, que têm vontade de mudar uma série de coisas e quebrar um sistema viciado. Não sou o único. E é a esses que quero me juntar.
Ruy Barbosa dizia que, "de tanto ver triunfar as nulidades, o homem chega a ter vergonha de ser honesto". Numa Casa em que "triunfam as nulidades", que diferença alguns honestos podem fazer sozinhos?
Por mais que achem isso romântico ou piegas, penso que as coisas vão mudar quando cada um fizer sua parte. O que fiz como deputado distrital e estou tentando fazer como federal é apenas isto: dar a minha contribuição. E pretendo fazer isso até o fim, sem concessões. Desde pequeno, aprendi que um exemplo vale mais do que mil palavras. O que estou fazendo comigo é me dar a chance de ser o político que sempre sonhei em ver quando estava do lado de fora.
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