Crônica ou as Saudades do Ibiapina

*O BALÃO QUE ILUMINOU FORTALEZA*
Wilson Ibiapina
O Balão Vermelho, um minúsculo bar com mesas e cadeiras na calçada,
funcionou durante pouco tempo numa loja do térreo do edifício Jalcy Avenida.
Essa curta existência foi suficiente para aglutinar jovens estudantes que
mais tarde iriam mudar a mentalidade de Fortaleza. De lá saíram movimentos
culturais que marcaram os anos 60.*

*Para compreender a importância do Balão Vermelho é preciso situá-lo numa
época em que os jovens se divertiam indo a praia, ao futebol, cinema ou
bebendo nos botecos do bairro. Vivia-se isolado, separado pela distância e a
diferença social. Nem mesmo as escolas conseguiam fazer uma integração
maior. Depois das aulas, cada um para seu lado. Os ricos da Aldeota, praias
de Iracema, Meireles, Benfica ou Jacarecanga voltavam a se encontrar nas
festas dos clubes elegantes. Não se misturavam com o resto da cidade.*

Foi a Universidade que quebrou esse estílo de vida. O Centro Acadêmico, o
Ceu, atividades esportistas e o movimento estudantil furaram o cerco. Os
jovens começaram a aparecer não porque ricos, mas por serem
inteligentes,criativos, arregimentadores, intelectuais. As faculdades
colocaram os alunos num mesmo patamar. Todos se tratavam como colegas
universitários e não mais como moradores do Antônio Bezerra, da Aldeota.
Frequentar clubes sociais deixa de ser status. Agora podem abrir o leque de
opções

As reuniões no bar do Rebouças, um dos primeiros da Beira-Mar recém
aberta pelo prefeito Vicente Fialho, começaram a ter outro sentido. No
começo era só para beber e aguardar a hora de sair para a serenata. As
discussões políticas e culturais foram ocupando espaço. O golpe militar vira
assunto e todos se posicionam. Os encontros se transferem para o bar do
Anísio e tudo gira em torno de música, poesia, teatro e política.

Nesse tempo surgiam os primeiros prédios de apartamentos de Fortaleza. Dois
desses edifícios pioneiros estavam na Duque de Caxias, avenida que corta o
coração da cidade.. O Ceará e o Jalcy Avenida. O Edilmar Norões morou anos
no Ceará. Tinha como hóspede uma moça que foi enviada de Barbalha. Um dia, um amigo, oficial da Aeronáutica, pede-lhe que hospede, também, a noiva que
chegava do Rio. Na primeira noite, a moça chegou embriagada e com um violão debaixo do braço. Um escândalo para aquela época. Tem também o episódio das duas hóspede de Edilmar indo ao encontro do noivo da carioca no F-80, clube dos oficiais da FAB. As duas novatas pedem a um taxi que as levem ao F-80 . O motorista, que também não era muito familiarizado com a cidade, deixa as duas na 80, o famoso cabaré comandado pela Beatriz. Um vexame.



O Edificio Jalcy Avenida abrigava jornalistas recém casados, como Nazareno
Albuquerque e Ezaclir Aragão e muitos jovens vindos do interior para
estudar. O Jalcy, por sua localização no centro, perto das faculdades virou
point. Foi Antônio dos Santos, então estudante de direito, que levou o
ex-seminarista italiano Oswaldo Sinibaldi para morar em seu apartamento no
Jalcy. Já estavam lá outros filhos de Crateus, como Francis Vale e José
Humberto Bezerra. Oswaldo Sinibaldi estudava filosofia e dava aula de
italiano, mas não ganhava suficiente para sobreviver longe de casa. Foi
quando Antônio dos Santos teve a idéia de abrir um bar para Sinibaldi.
Alugou uma loja no térreo do próprio Jalcy e deflagrou uma verdadeira
operação que envolveu muita gente Edson Queiroz doou o fogão, outro
empresário os móveis. Felix Ximenes se encarregou da decoração e Fausto Nilo do balão que deu nome ao bar e virou simbolo de uma época. A bebida, era gelada num tambor de gasolina cortado ao meio e cheio de gelo protegido por raspa de madeira . Cláudio Pereira ficou com a missão de arregimentar os
fregueses. O maior animador cultural da cidade atraiu para o Balão as meninas mais bonitas e inteligentes que cursavam as faculdades das Universidades Federal e Estadual . E ele inventou logo o Gruta movimento cultural que também levava a meninada a conhecer outros lugares, outros países. O Gruta
percorreu o interior com shows musicais e teatro. A integração era total.

Toda a movimentação de Cláudio Pereira era fomentada por Antônio Carlos,
Ataliba, René Barreira, Chico Moura, Francis, Calberto, Augusto Cesar
Benevides, Aderbal Freire Filho, Chico Farias, Foi no Balão que surgiu o
concurso da Garota Cultural, invenção do Cláudio para agitar o meio
universitário. Moema São Thiago, Iracema, Zeneide Maia foram as primeiras a
ostentar o título que foi também de Isabel Lustosa. Augusto Pontes, Rodger
Rogério, Ednardo, Belchior, Fagner, Fausto Nilo, Dede Evangelista, Sérgio
Costa, Francis. Valder Magalhães, Cesar Rousseau, Brandão, Gustavinho,Teti,
Mercia Pinto, Flávio Torres, Wilson Cirino faziam letras e músicas que foram
exibidas nos primeiros festivais. O Balão Vermelho fervilhava. Líderes
estudantis, como Fausto Nilo, Genoino, João de Paula, Machado, Pedro
Albuquerque, Álvaro Augusto, Bené Oliveira e Assis Aderaldo passavam por lá
até que descobriu-se que a polícia também estava frequentando o local.

Maior que o número de clientes foi a conta pendurada. Sinibaldi não tinha
capital de giro. Como ninguém pagava o bar foi minguando. Um dia, Sinibaldi
desapareceu, deixando para trás a timidez de ex-seminarista, o bar e as
dívidas para o garçon Paraiba. Levou todo o conhecimento que adquiriu nas
noites em que passou no comando do Balão, um verdadeiro canudo de doutor na escola da vida. Do sumiço do italiano para o fechamento foi uma descida só.
Mas quando o Balão Vermelho cerrou sua porta já tinha cumprido sua
destinação. Além de ponto aprazível para drinque, papo e paquera, foi um
verdadeiro caldeirão cultural em efervescência.

Alí gente de todas as cores, credos e classes foi misturada com música,
batida de cachaça com limão e muita conversa para dar origem a uma nova
forma de encarar a vida, com menos preconceito e mais solidariedade. O Balão
Vermelho apagou-se na Duque de Caxias, mas sua luz continua iluminado os
jovens que tiveram o privilegio de frequentá-lo. E o Ceará nunca mais teve 

uma geração tão criativa, confiante e com tanto sucesso.

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