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RÉQUIEM PARA CHICO ANYSIO
João Soares Neto


Às 14h45m da sexta passada, 23 de março de 2012, Chico Anysio morreu. Pela última vez. Desde dezembro ele brincava de morre-vive ou esconde-esconde com Hades, Ceifador, Angeu, Hel, Ankon, Nefitis, Yamaraz, Valdemort, Azrael, Catrina, alguns dos nomes da morte. Matavam os seus personagens. Não o Chico. Enfim, A luz o abraçou e levou. Liguei, em seguida, para Elano Paula, seu irmão mais velho e querido. “João, ele teve hoje quatro paradas cardíacas e se foi na última”. Elano era contra a missão impossível de manter o irmão, confidente, parceiro em artes, cultura e amigo, vivendo por meio de aparelhos com risíveis melhoras e declarações piegas nas mídias sociais  por gente que o cercava. Elano fala do irmão: “O Chico é o meu amigo especial, somos admiradores um do outro. Começamos juntos, eu mudei de vida e ele seguiu subindo a escada do sucesso”. Os irmãos de Chico têm, tal como ele, inteligência privilegiada, mas não são expansivos ou “show off”.

Dos seus irmãos, já morreram Lília e Lupe. Lília era casada com médico paraibano. Certa vez conversamos, por horas, do seu “desterro” em João Pessoa, da sogra chata, de cultura,  da família e do Rio, onde cresceu. Em seguida, ela se foi. Chico tinha um show no mesmo dia, o fez. Depois, chorou.

 Lupe, a irmã mais velha, igualmente casada com médico- este, carioca- trabalhou no rádio, televisão e cinema, a contragosto do marido. Daí sua vida artística ter sido entrecortada, limitada e a pessoal, aflita. Zelito Viana, nas palavras do próprio Chico: “é um cara muito bom, profissionalmente, Foi o produtor dos sonhos de Glauber Rocha e dirigiu filmes admiráveis como “Os Condenados” e “Villa Lobos”. O problema é que ninguém muda o temperamento de ninguém. Assim, como eu sou 220 volts, o Zelito é 12 volts, nem dá choque”.

Em janeiro de 2004 tive uma longa conversa com o Chico, a quem conheci desde os fins dos anos sessenta. À época, num fim de tarde, revendo juntos pontos de Fortaleza, falei para ele: vamos dar uma passada na casa da D. Margarida, minha mãe? Claro, João. Entramos, sentamos à mesa da sala de jantar e ele disse: D. Margarida, podemos tomar um café com bolo? Foi um momento especial e descontraído.

Voltemos para 2004: Ele se queixou da emissora em que trabalhava, das suas limitações pulmonares por conta do cigarro e me apresentou à sua sexta mulher, Malga, que havia sido mordida no ombro por um mosquito e foi procurar remédio.  Ficamos sós. Resolvi, então, propor a ele uma entrevista que hoje está no meu livro “Gente que Conta”. Aproveito para citar alguns trechos do que ele me disse. 1. Sobre ele mesmo: “No fim sou um covarde, que se esconde atrás de várias caras por temor de me expor ou um mau-caráter que, em vez de se dar ao trabalho, prefere por vários infelizes para trabalhar no seu lugar. 2. Sobre genialidade: É uma palavra muito usada e, por esta razão, mal usada, nos dias de hoje. Acho que a palavra gênio só se aplica a um homem como (Alberto) Sabin, que inventou uma gota que tirou dos pais do mundo inteiro um grande medo, a milagrosa vacina que evita uma doença tristíssima para as crianças”.

3. Sobre a sua terra: “O Ceará é importante demais para mim, porque representa a minha infância, o momento melhor de minha vida,quando eu, filho de rico, tinha um rio em Maranguape que parecia correr somente para mim, uma casa onde havia o quarto onde nasci...No quintal da nossa casa no Benfica, eu brincava de cabeçulinha, gol-a-gol, rodava pião e nunca o meu pai ou a minha mãe encostaram a mão em mim, num gesto de castigo”.4. Sobre a sua arte de pintar: “Quem dera, João, que eu pudesse ter, no que pinto, qualquer mínima coisa de Renoir. Ele é um dos meus ídolos, como Velásquez, Van Gogh, Sérgio Telles e Matisse...O sentido final das minhas tintas é que elas sejam o emprego da minha velhice”.5. Sobre a sua personalidade, perguntado por mim se era  um simples que se tornou sofisticado: “Para com isso, João. Quem é sofisticado? Eu sou a coisa mais simples do Brasil. Mais simples do que eu...só...Só...O quê? Arroz com feijão – que é o que eu como todos os dias”.

Nesta sexta, 30, sete dias após a sua morte, este relato foi a forma que encontrei de homenagear um cearense, cidadão do Rio e do mundo, maior humorista do Brasil, ator, escritor, artista plástico e gente, sobretudo. Réquiem, Chico. “Acta est fabula”(O espetáculo terminou), atribuído a  Augusto,  romano que fez o papel de imperador.

Publicado no jornal O Estado, 30 de março de 2012, e nos www.joaosoaresneto.com.br e www.amigosdolivros.com.br)


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