Europa vive maior êxodo em 50 anos
Sem perspectivas, mais de 1 milhão deixou o país de origem desde 2008
JAMIL CHADE, ENVIADO ESPECIAL / MADRI - O Estado de S.Paulo
"Estou
a arrumar as malas. Levo quase tudo. Já não sei se volto. Quem emigra
quer voltar, mas muitos poucos voltam à base. Farto disto tudo, farto de
estar desempregado, de nada servem estes canudos. Quando há trabalhos
são sempre temporários, humilhantes, precários, os salários hilários.
União Europeia a colapsar, Portugal a mergulhar nestes dias funerários.
Vou-me embora, vou para Luanda. Já não há nada aqui pra mim. Isto já não
anda nem desanda. Portugal, meu céu, meu lamaçal, assiste ao recital da
minha fuga da tua varanda."
Os versos são do rap Meu País,
composto pelo português Valete. Mas o texto acabou se transformando em
símbolo de um movimento que ganha dimensões inéditas. Em uma Europa com
desemprego recorde e, acima de tudo, diante da falta de perspectiva, 1
milhão de pessoas já deixaram seus países de origem em busca de trabalho
desde o início da crise, em 2008, no que já está sendo considerado o
maior êxodo do Velho Continente em meio século.
Os dados de
desemprego na Europa surpreendem até mesmo os políticos mais convencidos
de que o continente pode sair da crise. Segundo a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), a Europa tem hoje 10 milhões a mais de
desempregados na comparação com 2007. Para muitos, o que mais preocupa é
que as projeções deixam claro que a crise não terminará antes de meados
da década e que não haverá uma recuperação dos postos de trabalho no
curto prazo.
Os últimos dados da União Europeia indicam que 2013
será mais um ano de estagnação, enquanto governos continuam adotando
políticas de austeridade e, na visão de críticos, asfixiando as próprias
economias.
Diante desse cenário, 400 mil espanhóis já
abandonaram o país, segundo dados oficiais do Escritório de Migração da
Espanha, país que registra 27% de desemprego. Entre os jovens, a taxa
chega a 57%. Muitos foram para Alemanha, Suíça, Brasil e outros países
da América Latina em busca de trabalho.
Se em Madri o sentimento
é de mal-estar, nem todos no governo admitem que a fuga ocorre pela
falta de perspectiva. Na última semana, a presidente do Partido Popular
de Madri, Esperanza Aguirre, causou revolta entre os jovens depois de
afirmar que a saída dos trabalhadores para o exterior era "motivo de
otimismo" para o país.
Mais realista é o presidente do Conselho
da Europa, Herman van Rompuy. Na semana passada, em visita a Portugal,
ele admitiu: "A paciência das pessoas com as políticas de austeridade
está acabando".
Parte desses jovens está indo para a Alemanha,
onde a taxa de desemprego é de apenas 5%. Pela primeira vez em mais de
30 anos, o inglês deixou de ser o curso de idiomas mais procurado na
Espanha, superado pelo alemão.
Na Alemanha, a Agência Federal de
Emprego aponta que o número de trabalhadores espanhóis aumentou 16% em
apenas um ano, e 50,2 mil espanhóis imigraram para as cidades alemãs em
busca de emprego. "Se a situação econômica na Espanha não melhorar, a
tendência vai continuar", declarou Jason Marczak, diretor de políticas
no Conselho das Américas.
A chegada dos novos estrangeiros foi
notada na Alemanha. Apesar de o governo da chanceler Angela Merkel
insistir que precisa de mão de obra, uma pesquisa de opinião feita pelo
próprio governo apontou que, de cada 10 alemães, 4 classificaram os
espanhóis como "ociosos e pouco trabalhadores".
Movimento
generalizado. Em Portugal, os dados do governo apontam que o país
encolheu e já perdeu 2% de sua população. Nos últimos dois anos, 240 mil
portugueses abandonaram o país em busca de trabalho no exterior, diante
de uma taxa de desemprego recorde de 17%. Só em 2012, 30 mil
portugueses chegaram em Angola. Hoje, há mais portugueses vivendo em
Angola que durante o período em que o país africano era uma colônia
portuguesa.
O fluxo também mostra a fuga desses trabalhadores do
Sul para o Norte da Europa. O vilarejo de Taesch acabou se
transformando no símbolo da invasão portuguesa na Suíça. Dos 1,2 mil
habitantes, 700 são portugueses e chegaram nos últimos 12 meses para
trabalhar nos hotéis e restaurantes da região.
Na Irlanda, mais
de 100 mil pessoas já deixaram o país desde o início da crise da dívida
na Europa. Mas, em 2012, a taxa ganhou uma nova intensidade: 3 mil
irlandeses deixaram o país por mês, representando o maior fluxo de
migração desde a grande fome que atingiu a ilha entre 1845 e 1850.
Os
gregos também já abandonaram em massa o país, que em 2013 atravessa o
quinto ano de recessão. As estimativas do próprio governo são de que a
Grécia tenha perdido 200 mil pessoas, grande parte jovens formados.
Os
países do Leste Europeu, duramente afetados pela crise, também
registraram uma fuga de seus cidadãos. A Hungria, que teve de ser
resgatada, não via uma saída de pessoas em um número tão elevado desde
os meses que se seguiram à intervenção da União Soviética em Budapeste,
depois das revoltas de 1956.
Cerca de 10% da população da
Letônia também deixou o país desde o início da crise. Entre os
eslovacos, um a cada cem foi viver no Reino Unido. Diante desse
movimento, os britânicos começaram uma campanha para frear a entrada de
imigrantes, mesmo os europeus. Para espantar os que pensam em migrar
para o país, a campanha mostra que o Reino Unido não é exatamente o que
eles pensam: chove muito, não faz sol e o frio é intenso.
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