A passeata
Antonio Prata
Tinha
punk de moicano e playboy de mocassim. Patricinha de olho azul e rasta
de olho vermelho. Tinha uns barbudos do PCO exigindo que se reestatize o
que foi privatizado e engomados a la Tea Party sonhando com a
privatização de todo o resto. Tinha quem realmente se estrepa com esses
20 centavos e neguinho que não rela a barriga numa catraca de ônibus
desde os tempos da CMTC. (Neguinho, no caso, era eu). Tinha a esperança
de que este seja um momento importante na história do país e a suspeita
de que talvez o gás da indignação, nas próximas semanas, vá para o
vinagre.
Sejamos
francos, companheiros: ninguém tá entendendo nada. Nem a imprensa nem
os políticos nem os manifestantes, muito menos este que vos escreve e
vem, humilde ou pretensiosamente, expor sua perplexidade e ignorância.
Anteontem,
depois da passeata, assisti ao "Roda Viva" com Nina Capello e Lucas
Monteiro de Oliveira, integrantes do Movimento Passe Livre. Ficou claro
que, embora inteligentes e bem articulados, eles tampouco compreendem
onde é que foram amarrar seus burros. "Vocês começaram com uma canoa e
tão aí com uma arca de Noé", observou o coronel José Vicente. Os dois
insistiram que não, o que há é um canoão, e as mais de 200 mil pessoas
que saíram às ruas no Brasil, segunda-feira, lutavam por transporte
público mais barato e eficiente. A posição dos ativistas de não se
colocarem como os catalisadores de todas as angústias nacionais e
seguirem batendo na tecla do transporte só os enobrece --mas estarão
certos na percepção?
Duzentas mil pessoas de esquerda, de direita, de Nike e de coturno por causa da tarifa?
"Por que você tá aqui no protesto?", perguntou a repórter do "TV Folha" a
uma garota na manifestação do dia 11: "Olha, eu não consigo imaginar
uma razão para não estar aqui, na verdade", foi sua resposta. Corrupção,
impunidade, a PEC 37, o aumento dos homicídios, os gastos com os
estádios para a Copa, nosso IDH, a qualidade das escolas e hospitais
públicos são todos excelentes motivos para que se saia às ruas e se
tente melhorar o país --mas já o eram duas semanas atrás: por que não
havia passeatas? Será porque a chegada do PT ao poder anestesiou os
movimentos sociais, dificultando a percepção de que o Brasil vem
melhorando, melhorando, melhorando e... continua péssimo? Ou será porque
agora o Facebook e o Twitter facilitam a comunicação?
Se
as dúvidas sobre as motivações --que brotam do solo minimamente
sondável do presente-- já são grandes, o que dizer sobre o futuro do
movimento? Marchará ou murchará? Caso cresça: conseguirá abaixar a
tarifa? E, no longo prazo, terá alguma relevância? Mais ainda: adianta
ir às ruas, fazer barulho? Ou a própria passeata extingue o impulso de
revolta que a criou e voltamos todos para o mundinho idêntico de todos
os dias, com a sensação apaziguadora de que "fiz a minha parte"?
Não tenho a menor ideia, estou mais confuso que o Datena diante da enquete (migre.me/f4UCh),
mas num país injusto como o nosso, em que a única certeza parecia ser a
de que, aconteça o que acontecer, o Sarney estará sempre no poder, as
dúvidas dos últimos dias são muitíssimo bem-vindas.
Antonio Prata é jornalista e escritor
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