Ceará registra três estupros diariamente
Corpo,
alma, dignidade e direitos violados. No Ceará, onde o machismo ainda é
infeliz prática corriqueira, o resultado é a assombrosa quantidade de
crimes relacionados à violência de gênero e as cruéis consequências
acarretadas ao grupo de sujeitos, predominantemente, violentados:
mulheres, crianças e adolescentes. Em 2013, de janeiro a maio, a cada
dia, ocorreram em média três estupros por dia no Estado. Diante do
alarmante índice, há ainda a certeza da subnotificação.
Dos
546 estupros cometidos até maio deste ano, 208 foram, em Fortaleza, 125
nos 14 municípios da Região Metropolitana e 213 nas demais cidades do
Estado. De 2011 para 2012, a prática deste tipo de crime, no Ceará,
cresceu 11%. Na Capital, a elevação da cruel estimativa foi de 13%. Os
dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social
(SSPDS), após diversas solicitações do jornal O Estado (vide box), expõe
ainda que, este ano, 80% dos estupros foram cometidos contra crianças e
adolescentes. Do total de vítimas, 85% são do sexo feminino.Em 2012, a média de ocorrências, foi de quatro estupros a cada dia, com repetição dos índices de crianças e adolescentes violentados, e também de mulheres. Somente, em Fortaleza, a violência sexual chegou a uma média de 53 ocorrências por mês. Dados bárbaros que sinalizam a vulnerabilidade da população feminina e a crueldade de agressores amparados na naturalização e secundarização da gravidade dos crimes cometidos.
MACHISMO
“Machismo aliado à cultura patriarcal e a crença na submissão das vítimas”, são conforme a professora e coordenadora do Observatório da Violência Contra a Mulher (Observem) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Maria Helena Frota, são prerrogativas que balizam o cenário de agressão. De acordo com ela, as ideias que, historicamente, permeiam o imaginário cultural e social, de subalternização do gênero feminino, fazem com que a gravidade da prática do estupro seja, de fato, minimizada. “A defesa histórica do instinto masculino, do desejo sexual incontrolável serviram e servem como ‘justificativas’ para a ocorrência dos crimes. Ao analisarmos, vemos que durante muito tempo, no próprio casamento, era dado o direito ao homem de estuprar sua esposa caso ela não desejasse ter relação sexual”, afirmou.
Conforme a pesquisadora, o Brasil, hoje, passa por uma mudança de paradigma, “que infelizmente é lenta e não é tranquila”. “Muitas vezes a violência sexual é usada para coibir mulheres que insurgem”, completou. No Nordeste, a situação é mais acentuada, de acordo com a professora, já que ainda predomina o machismo. “Pagamos muito caro para nos reconhecermos como indivíduos e, aos poucos, vamos exigindo direitos. É uma correlação de forças e isso não agrada a quem sempre esteve no domínio. Mas apesar do desafio, temos que nos apoderar de nossos corpos e nossas vidas”, enfatizou.
ATUAÇÃO DA SSPDS
Segundo o titular da Coordenadoria Integrada de Planejamento Operacional (Copol) da SSPDS, delegado Andrade Júnior, ciente do aumento deste tipo de ocorrência no Estado, a SSPDS tem buscado fortalecer as delegacias de defesa da mulher (atualmente, existem sete equipamentos do tipo no Ceará), a fim de garantir a elucidação dos casos com celeridade e punir agressores. Questionado sobre como está ocorrendo esse fortalecimento, Andrade ressaltou que o incremento de mais 600 profissionais, na Polícia Civil, este ano, “otimiza” as investigações, o que engloba os casos de estupro.
Além disso, o delegado afirmou que a reestruturação da Perícia Forense (onde as vítimas de estupro devem realizar exames após registrarem a ocorrência na delegacia), favoreceu a ampliação da captação de provas técnicas, já que, conforme ele, tais crimes, em geral, não contam com provas testemunhais. Segundo Andrade, na apuração destas ocorrências, predomina a contraposição dos depoimentos (da vítima e do agressor) e nem sempre a elucidação é fácil. “Infelizmente, devido às características da ocorrência, a maioria das vítimas não recorre aos equipamentos oficiais após o crime e isto, também, prejudica os procedimentos”, argumentou.
DIFICULDADE NA LIBERAÇÃO DE DADOS PÚBLICOS prejudica trabalho
Passaram-se, exatamente, 45 dias entre a solicitação dos dados (feita pelo jornal O Estado) e o envio das respostas (da SSPDS). Negligência estatal que careceu da interferência do Ministério Público Estadual para que informações fossem disponibilizadas ao Jornal. Após o primeiro contato com a Assessoria de Comunicação da SSPDS, em maio, o formulário para solicitação de estatísticas foi preenchido, virtualmente, e enviado à Central do órgão. Sucessivas cobranças foram feitas através de contato telefônico, mas não houve êxito. Decidimos buscar as informações através da Lei Estadual de Acesso a Informação (nº 15.175/2012). Um novo formulário foi preenchido no site da Ouvidoria no dia 29 de maio. Passaram-se mais de 20 dias e, novamente, nada foi encaminhado. A Ouvidoria foi então acionada, de novo, no início de julho. A reclamação foi registrada e um novo protocolo gerado. O MP foi acionado no dia três deste mês e no dia seguinte oficiou a SSPDS. No dia cinco de julho, finalmente, os dados foram liberados pela Pasta. Ao término da produção desta matéria, reforço a inquietação quanto ao cruel cenário canalizado pelos números de ocorrências de estupro, e também quanto ao trato dado à SSPDS à disponibilização de informações públicas. Avaliamos que como tal, as mesmas devem estar acessíveis à imprensa e a qualquer cidadão comum, seja pelo bom senso na gestão pública, seja pela obrigatoriedade de cumprimento da lei. (repórter Thatiany Nascimento)
Thatiany Nascimento
thatynascimento@oestadoce.com.br
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