A batalha do pré-sal
Mauro Santayana
Nos últimos dias, a
licitação do Campo de Libra, no Oceano Atlântico, dividiu com o
julgamento dos embargos infringentes pelo STF a atenção da sociedade
brasileira.
O governo e a presidente da Petrobras, Graça Foster,
defendem a realização do leilão, marcado para o dia 21 de outubro.
Argumentam que a empresa brasileira, com baixa disponibilidade de
caixa, devido ao crescimento da importação de combustíveis nos últimos
anos, não teria dinheiro para fazer frente aos pesados investimentos
exigidos.
Outros especialistas, como o ex-diretor de Exploração e
Produção da Petrobras no governo Lula, considerado um dos descobridores
do pré-sal, Guilherme Estrella, acreditam que a realização da licitação
do Campo de Libra é um erro estratégico, já que a Petrobras investiu
sozinha na descoberta do poço.
"Libra são 10 bilhões de barris de
petróleo já descobertos, é muito óleo. A nossa posição de reserva com o
pré-sal é muito confortável pelos próximos 20 anos. Por que abrir Libra
para a participação de empresas estrangeiras e interesses
estrangeiros?", disse em recente seminário realizado no Rio de Janeiro.
No
Senado, os senadores Roberto Requião (PMDB-PR), Pedro Simon (PMDB-RS) e
Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) protocolaram projeto de decreto
legislativo que impede a realização do leilão, que tem que ser aprovada
pelas duas casas do Congresso.
"Libra são 10 bilhões de barris de petróleo já descobertos, é muito óleo"
Os
três senadores combinaram também articular uma ação popular contra a
iniciativa. E o PSOL prepara um mandato de segurança contra o leilão
para ser apresentado ao STF.
Por trás disso tudo estaria, segundo
Fernando Siqueira, vice-presidente do Clube de Engenharia e diretor da
Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobras), a intenção da ANP de
favorecer empresas estrangeiras.
O poço de Libra, com 15 bilhões
de barris, estaria, na verdade, ligado a outro poço, o de Franco,
descoberto antes, com 9 bilhões de barris. Dessa forma, quem levar
Libra, licitado primeiro, pode acabar tendo acesso também ao petróleo de
Franco, o que diminuiria o interesse (e as reservas disponíveis) em
caso de licitação do segundo poço.
Outro ponto levantado pela
Aepet é o bônus de assinatura, de R$ 15 bilhões, que a empresa vencedora
deverá pagar ao governo. A Lei 12.351, de 2010, que cuida do regime de
partilha, determina que esse bônus não pode ser ressarcido.
No
entanto, para Fernando Siqueira, a resolução nº 5 do Conselho Nacional
de Política Energética (CNPE) e o contrato de partilha elaborado pela
ANP permitem que o bônus seja considerado no cálculo do custo em óleo.
Isso significa que o bônus seria, na verdade, devolvido à empresa, já
que poderá ser abatido da parcela de petróleo que o consórcio vencedor
tem que entregar à União.
Quem ganhar o leilão — lembram os
opositores à medida — não estará adquirindo um bloco, para pesquisa,
mas, na realidade, assumindo um poço onde o petróleo já está
praticamente à disposição, faltando apenas cubá-lo, coisa que será feita
com tecnologia e equipamento da própria Petrobras.
Ora, nesse
caso, por que não fazer tudo diretamente com a Petrobras? A lei permite
que, se quiser, o governo contrate diretamente a empresa para explorar
esse petróleo sem licitação. Não haveria nenhum impedimento legal para
isso.
Outro ponto que se discute, também em uma carta escrita
para ser enviada à presidente da República, é a forma autoritária como
foi decidida a formatação do edital: nem “o MME, o CNPE, a ANP ou a EPE,
nenhum desses órgãos possibilitou ao público acesso a documentos
explicando a perspectiva das descobertas, o percentual do petróleo que
será destinado para o abastecimento brasileiro ou exportado, por
exemplo”.
As dezenas de entidades que assinam o documento
argumentam que a Petrobras deveria desenvolver esse poço e passar
depois, calmamente, para a exploração dos outros poços que o Brasil
descobriu no pré-sal. O cálculo é que o petróleo descoberto até agora
daria para abastecer o país pelos próximos 50 anos.
Realmente,
fica difícil entender a pressa. O problema do Brasil, hoje, é de falta
de combustíveis, não de petróleo bruto. Precisamos é de refinarias. Se
extraíssemos mais petróleo, teríamos de mandá-lo para o exterior por
falta de capacidade de refino.
Ao estimular a venda de
automóveis, sem assegurar de onde viria o combustível, o governo deu um
tiro no pé que hoje afeta até mesmo o nosso balanço de pagamentos. Ao
negociar com as empresas o novo regime automotivo, o governo deveria ter
exigido mudanças que diminuíssem a extrema dependência que temos, hoje,
de combustíveis fósseis.
Ao estimular a venda de automóveis, o governo deu um tiro no pé que afeta até mesmo o balanço de pagamentos
Um
prêmio em dinheiro (em reais) poderia ter sido criado para incentivar
as usinas a produzirem maciçamente etanol, o que diminuiria a oferta de
açúcar no mercado internacional, aumentando o seu preço — assegurando-se
o abastecimento interno de açúcar com estoques do próprio governo. E a
produção de carros híbridos, elétricos ou a ar comprimido poderia também
ter sido estimulada, nos últimos anos, diminuindo nossa dependência da
gasolina estrangeira.
Mesmo considerando-se tudo isso, o Brasil
precisa ficar com o máximo do petróleo que ele mesmo descobriu. As
empresas estrangeiras devem vir de fora para procurar novas reservas e
não explorar as que já existem.
O grande desafio agora é
destravar os problemas que estão impedindo o avanço da construção das
refinarias e investir na produção de combustível nacional, como o
etanol, o biodiesel, o hidrogênio para transporte público, e em carros
híbridos e elétricos, por exemplo.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.
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