A estranha história de Roberto Freire
SEBASTIÃO NERY
O único político brasileiro da oposição (que se diz da
oposição) que aplaudiu José Serra, o Elias Maluco eleitoral, por ter anunciado
que agora é hora de destruir Lula, foi o senador Roberto Freire, presidente do
Partido Popular Socialista (PPS, a sigla que sobrou do assassinato do saudoso
Partido Comunista, melhor escola política brasileira do século passado). Disse:
"Serra presta um serviço à democracia".
Para Roberto Freire, "desconstruir", destruir, eliminar
o principal candidato da oposição e das esquerdas (com 42% nas pesquisas) é um
"serviço à democracia". Gama e Silva nunca teve coragem de dizer isso. Armando
Falcão também não. Nem mesmo Newton Cruz. Só o delegado Fleury. Ninguém
entendeu. Porque não conhecem a história de Roberto Freire.
Aprovado pelo SNI
Em 1970, no horror do AI-5, quando tantos de nós mal
havíamos saído da cadeia ou ainda lá estavam, muitos sendo torturados e
assassinados, o general Médici, o mais feroz dos ditadores de 64, nomeou
procurador (sic) do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)
o jovem advogado pernambucano Roberto João Pereira Freire, de 28
anos.
Não era um cargozinho qualquer, nem ele um qualquer.
"Militante do Partido Comunista desde o tempo de estudante, formado em Direito
em 66 pela Universidade Federal de Pernambuco, participou da organização das
primeiras Ligas Camponesas na Zona da Mata" (segundo o "Dicionário Histórico
Biográfico Brasileiro", da Fundação Getulio Vargas-Cpdoc).
Será que os comandantes do IV Exército e os generais
Golbery (governo Castelo), Médici (governo Costa e Silva) e Fontoura (governo
Médici), que chefiaram o SNI de 64 a 74, eram tão debilóides a ponto de nomearem
procurador do Incra, o órgão nacional encarregado de impedir a reforma agrária,
exatamente um conhecido dirigente universitário comunista e aliado do heróico
Francisco Julião nas revolucionárias Ligas Camponesas?
Os mesmos que, em 64, na primeira hora, cassaram Celso
Furtado por haver criado a Sudene, cataram e prenderam Julião, e desfilaram
pelas ruas de Recife com o valente Gregório Bezerra puxado por uma corda no
pescoço, puseram, em 70, o jovem líder comunista para "fazer" a reforma
agrária.
Não estou insinuando nada, afirmando nada. Só
perguntando. E, como ensina o humor de meu amigo Agildo Ribeiro, perguntar não
ofende.
Sempre governista
Em 72, sempre no PCB (e no Incra do SNI!) foi candidato
a prefeito de Olinda, pelo MDB. Perdeu. Em 74, deputado estadual (22.483 votos).
Em 78, deputado federal, reeleito em 82. Em 85, candidato a prefeito de Recife,
pelo PCB, derrotado por Jarbas Vasconcellos (PSB). Em 86, constituinte (pelo
PCB, aliado ao PMDB e ao governo Sarney). Em 89, candidato a presidente pelo PCB
(1,06% dos votos).
Reeleito em 90, fechou o PCB em 92, abriu o PPS e foi
líder, na Câmara, de Itamar, com cujo apoio se elegeu senador em 94 e logo
aderiu ao governo de Fernando Henrique. Em 96, candidato a prefeito de Recife,
perdeu pela segunda vez (para Roberto Magalhães).
Agora, sem condições de voltar ao Senado, aliou-se ao
PMDB e PFL de Pernambuco, para tentar ser deputado. Uma política nanica, sempre
governista, fingindo oposição.
Agente de FHC
Em 98, para Fernando Henrique comprar a reeleição, havia
uma condição sine qua non: impedir que o PMDB lançasse Itamar candidato a
presidente. Sem o PMDB, a reeleição não seria aprovada. Mas o PMDB só sairia
para a candidatura própria se houvesse alianças. E surgiram negociações para uma
aliança PMDB-PPS, uma chapa Itamar-Ciro.
Fernando Henrique ficou apavorado. E Roberto Freire,
agente de FHC, o salvou, lançando Ciro a presidente. Isolado, o PMDB viu sua
convenção explodida pelo dinheiro do DNER, Itamar sem legenda e a reeleição
aprovada.
Durante quatro anos, Roberto Freire saracoteou nos
palácios do Planalto e da Alvorada, sempre fingindo independência, mas líder da
"bancada da madrugada" (de dia se diz oposição, de noite negocia no escurinho do
governo).
Quinta-coluna
No ano passado, na hora de articular as candidaturas a
presidente, o PT (sobretudo o talento e a competência política de José Dirceu)
começou a pensar numa aliança PT-PPS, para a chapa Lula-Ciro. Itamar disse que
apoiava. O PSB de Arraes também. Fernando Henrique, o PSDB e Serra se
apavoraram. Mas Roberto Freire estava lá para isso. Novamente lançou Ciro, para
impedir uma aliança das oposições com Ciro vice de Lula.
Fora dos cálculos de FHC e Roberto Freire, Ciro começou
a crescer. Mas, quando o PFL, sem Roseana, quis apoiar Ciro, dando espaços nos
estados e na TV, Roberto Freire, aliado em Pernambuco de Marco Maciel, o líder
da direita do PFL, vetou o PFL com Ciro. Como se chama isso? Uns, "agente".
Stalin chamava "quinta-coluna".
Sebastião Nery é jornalista e meu amigo.
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