Afinal o que é que essa gente quer?


ITATAIA - Para uns, desenvolvimento. Para outros, perigo
Por Sheryda Lopes
Edição: Tarcilia Rego
oev@oestadoce.com.br
Projeto Santa Quitéria prevê a exploração de urânio no Ceará para abastecer reatores das usinas de Angra dos Reis. O empreendimento implantado em pleno Semiárido através de um consórcio instalado no município de Santa Quitéria, é também conhecido como Mina de Itataia, o objetivo é explorar urânio para a produção de combustível nuclear que abastecerá os reatores de Angra I, II e III no estado do Rio de Janeiro. A expectativa do Consórcio Santa Quitéria que é formado por duas empresas: Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Galvani Indústria, Comércio e Serviços S.A., é que além de 1.600 toneladas de urânio, o empreendimento produza anualmente 1.050.000 toneladas de derivados fosfatados, que são fertilizantes e produtos para alimentação animal.
Os primeiros, Estudo e Relatório de Impactos Ambientais (EIA/Rima), receberam o aceite do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) no final de março e segundo o coordenador do projeto, José Roberto de Alcântara, a expectativa da INB é de que as obras comecem em 2015 e que a mina entre em operação até 2017. O documento já foi disponibilizado para setores envolvidos nas discussões e após publicação no Diário Oficial poderá ser acessado para consulta pública na sede do Ibama, em Fortaleza. O empreendimento será constituído por uma mina, duas unidades industriais (Unidade de Fosfato e Unidade de Urânio), uma pilha de estéril, e outra de fosfogesso (um subproduto da indústria do fertilizante), uma barragem de rejeitos, além de estruturas de apoio.
“A jazida representa uma riqueza e é de interesse, tanto do Governo Estadual quanto do Federal, pois possibilitará a produção de energia elétrica além de trazer o desenvolvimento para uma região inóspita do Estado e constantemente afetada por longos períodos de estiagens”, disse Alcântara. O empreendimento prevê a criação de 900 empregos diretos e 2 mil e 200 indiretos, e pode contribuir para evitar  o êxodo de jovens durante períodos de seca. “Além disso, vai atrair mais habitantes para a região, promovendo o desenvolvimento do comércio”, destaca.
INFRAESTRUTURA E EDUCAÇÃO
O Consórcio Santa Quitéria vai investir R$ 860 milhões, mas também receberá recursos do Estado, pois vários projetos do Governo estão previstos em decorrência da exploração do recurso mineral em território cearense. Segundo o técnico responsável pelo setor de mineração da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Francisco Pessoa, por causa da mina de Itataia o governo estadual vai transformar uma estrada, atualmente no padrão CE, em BR, além de melhorar a CE-366 que liga Itataia à cidade de Santa Quitéria.
Também no setor de transporte, o Estado está tentando aprovar junto ao governo Federal uma ligação ferroviária de Itataia com a Ferrovia Transnordestina com o objetivo de escoar a produção de fertilizante fosfatado e concentrado de urânio ou yellowcake (produto final da operação da mina). Segundo Pessoa, essa infraestrutura de transporte abre canais de produção da jazida de calcário da INB para a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) e também das jazidas de minério existentes na região do Apodi.
Outra infraestrutura, fundamental e necessária é a hídrica. Uma adutora de 53 quilômetros de extensão transportará água do açude Edson Queiroz até a mina. O precioso recurso é necessário para beneficiar e transportar os produtos provenientes do fosfato e do urânio. As ações incluem ainda a instalação de linhas de eletrificação e de Internet, um projeto de urbanização do entorno visando atrair moradores e facilitar a locomoção de funcionários além de ações de capacitação. Os valores já orçados para esses projetos somam aproximadamente R$ 430 milhões, e, como informa, Pessoa, se não fossem as atividades previstas pelo Santa Quitéria, a maior parte não teria razão para acontecer, embora elas, também, contribuam para fortalecer a agricultura familiar. “Os produtores vão poder usar o fosfato produzido e terão vias melhores para escoar a produção”, disse.
“Embora o potencial desenvolvimento da região seja apreciado, o poder público do município está atento”. É o que afirma o titular da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Santa Quitéria, Homero Novaes. Segundo ele, com a chegada do projeto, a atual gestão teme fatores como impactos ambientais, se-gregação social e aumento da criminalidade e da exploração sexual. Diante dos riscos da manipulação do urânio, a Prefeitura tem mantido constante comunicação com o Consórcio e está estudando o EIA/RIMA para ter uma noção mais concreta sobre o projeto. “A empresa usa a mina e vai embora, mas a população fica. Não podemos nos preocupar só com dinheiro”, alerta o secretário.
SAIBA MAIS
- O urânio é um mineral radioativo, denso, inflamável, flexível e maleável. É encontrado em rochas sedimentares na crosta terrestre. É muito utilizado em fotografia e nas indústrias de cabedal (couro) e de madeira. No entanto, a aplicação mais importante do urânio é a energética (fonte de energia para usinas nucleares).
-Segundo a INB (www.inb.gov.br) o Brasil é dono da quinta maior reserva de urânio do mundo, de aproximadamente 300 mil toneladas. Essas reservas distribuem-se entre as jazidas de Itataia, Ceará (142 mil toneladas), onde o mineral está associado ao fosfato e a rochas ornamentais economicamente exploráveis; Lagoa Rela, na Bahia; e outras jazidas menores, como Gandarela, Minas Gerais, onde há ouro associado ao Urânio; Rio Cristalino, no Pará; e Figueira, Paraná. “Isto confere ao País segurança estratégica, no que diz respeito ao suprimento de energia por via nuclear”.
- Atua na cadeia produtiva do urânio,  da mineração à fabricação do combustível que gera energia elétrica nas usinas nucleares. Vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a INB está sediada na cidade do Rio de Janeiro e presente nos estados da Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
OPOSIÇÃO
Quem não vê o projeto com bons olhos são os núcleos populares dos municípios nas áreas impactadas pelo projeto como a Articulação Antinuclear do Ceará, composta pela Cáritas Diocesana de Sobral, Movimento Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Núcleo Tramas, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Estes movimentos não acreditam que “esse tipo” de mineração traga a geração de emprego e renda propagada pelo Consórcio e pelo Governo. “Mesmo se trouxesse, não concordamos com a geração de riqueza à custa da vida, saúde e bem-estar da população”, é o que afirma Thiago Valentim, integrante da CPT e morador do município de Madalena, próximo de Santa Quitéria.
“Acreditamos no potencial produtivo da agricultura familiar camponesa e não de uma mineração perigosa e em larga escala”, completa o militante, enquanto afirma que os interesses ligados à Mina de Itataia são das empresas envolvidas e comprometidas com a lógica econômica e não com os interesses da população, que tem questionado o projeto e teme os riscos da contaminação por material radioativo. A articulação vem atuando e mobilizando as comunidades, através da promoção de debates sobre radiação e racismo ambiental, citando como exemplo as denúncias sobre os acidentes ocorridos em Caitité, na Bahia, e as consequências graves do processo de extração do minério sobre a população.
O EXEMPLO DE CAITITÉ
No documento “No Ceará - A peleja da vida contra o urânio”, elaborado pela Cáritas Diocesana de Sobral em parceria com a Articulação, constam denúncias de aumento de ocorrência de câncer na região de Caitité, além de vazamentos ocultados pela INB e denunciados pela organização de atuação global, Greenpeace. O transporte do concentrado de urânio nas estradas tem exposto a população ao risco de acidentes, segundo a publicação, e mesmo com a resistência da comunidade as atividades não param. A mina baiana tem 100 mil 770 toneladas do metal.
Denúncias sobre Caitité, a única mina ativa no País, também constam no vídeo “INB: a vida no entorno da mina de urânio” realizado pela CPT - Regional Bahia, com depoimentos de moradores que sofrem com poeira decorrente da exploração além de problemas de saúde que teriam começado após o início das atividades na mina. Ambas as publicações estão disponíveis na Internet e a Articulação afirma que vai continuar resistindo à implantação da mina no Ceará.
MONITORAMENTO E FISCALIZAÇÃO
Segundo coordenador do projeto da INB, o temor da sociedade em relação ao urânio deve-se à falta de informação. “Para você ter ideia, já tinha gente dizendo que o calor em Santa Quitéria, no mês passado, era por conta da jazida, e ela nem existe ainda! O que tem lá é urânio natural”. Outro fator apontado por ele para refutar tais medos é o de que o enriquecimento do urânio não vai acontecer em Santa Quitéria, e mesmo o concentrado de urânio que será transportado do local emite pouca radiação e ainda assim é monitorado. Ele nega que tenham ocorrido acidentes em Caitité e afirma que as denúncias do Greenpeace não foram provadas.
Os avanços tecnológicos e a forte fiscalização em torno das atividades da INB são apontados pelo chefe da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Júlio Ricardo Cruz, do distrito de Fortaleza. Ele informa que além do licenciamento junto ao Ibama, o Projeto Santa Quitéria também passa pelo Licenciamento Nuclear, composto de três fases rigorosas: “São muitos parâmetros e normas a serem seguidas, nada é feito sem essa fiscalização”. Destaca, também, que toda atividade industrial envolve riscos, mas desde que atenda aos rigores da legislação, a atividade nuclear pode vir a ser, inclusive, uma alternativa, “limpa e segura”, para a geração de energia elétrica. Cruz admite ocorrências em Caitité, mas afirma que foram pequenas e não ofereceram riscos à população.
A partir de Caitités, Ricardo Cruz relembrou o grande acidente nuclear de 1986, acontecido na Ucrânia fazendo um “link” com a questão da segurança. “Os eventos de Chernobyl e Fukushima foram terríveis, mas os projetos que operam no Brasil são bem diferentes. São seguros e bem mais modernos”. No caso do município cearense, o EIA/Rima prevê medidas compensatórias, dentre elas a realização de um ciclo de palestras com o objetivo de informar e esclarecer a polução sobre o que é o empreendimento e para desmistificar as atividades nucleares. A Comissão e a INB defendem que a ação, também, aconteça nas universidades e escolas. As atividades nucleares adotam padrões internacionais de segurança em suas unidades e são realizadas de forma transparente.
SOBRE O EIA/RIMA DE ITATAIA
As conclusões do EIA devem ser traduzidas no RIMA com linguagem simples e objetiva, tornando-o formal perante o poder público. São documentos de caráter público, mesmo sendo elaborado por particulares – técnicos e especialistas contratados pelas empresas responsáveis pelo projeto – e fazem parte das exigências necessárias para que o órgão ambiental forneça as licenças ambientais necessárias para que as obras sejam feitas e, também, para que, depois de prontas, o empreendimento possa começar a operar.
Para acessar ao Relatório de Impactos Ambientais do Projeto Santa Quitéria o interessado deve aguardar a publicação no Diário Oficial ou solicitar acesso na sede da Superintendência do Ibama no Ceará, localizada na Avenida Visconde do Rio Branco, 3900,  Bairro de Fátima.
Setor de Licenciamento do Ibama: (85) 3307-1119 ou 3307-1184.
A seguir, conheça alguns resultados do estudo:
RADIAÇÃO
- “Algumas variações foram encontradas entre as amostras: os valores de radiação das águas dos poços foram maiores do que a dos açudes; as amostras de solo localizadas perto da futura mina apresentaram valores altos, mas ainda dentro dos limites estabelecidos para a saúde humana”.
- “Os valores de radiação encontrados nas amostras ajudarão no desenvolvimento do Programa de Monitoramento Radiológico Ambiental que acompanhará e avaliará a exposição das pessoas à radiação devido a ingestão de água, consumo de alimentos e exposição a partículas presentes no ar”.
PAISAGEM
- A paisagem também mudará, já que a retirada do minério irá produzir uma grande cava (buraco) na área da mina, além das estruturas do empreendimento, que poderão ser avistadas de diversos locais, tais como as comunidades Morrinhos e Queimadas.
ÁGUA
- Durante as obras, as atividades de terraplenagem, retirada da vegetação, abertura e melhoria de acessos e estruturas poderão causar algumas alterações na água, no solo, no ar e no relevo. Isso ocorre porque as obras geram poeiras e sedimentos e o terreno fica sem a proteção da vegetação. A impermeabilização também reduz a infiltração da água, podendo afetar um pouco a quantidade de água subterrânea.
AR
- Assim como na fase de obras, podem acontecer escorregamentos. E, como haverá movimentação de veículos e a usina industrial e nuclear estarão funcionando, terá poeira e fumaça, que poderão mudar a qualidade do ar.
MEDIDAS COMPENSATÓRIAS PROPOSTAS
As medidas tem objetivo de mitigar os impactos negativos decorrentes das obras, a operação e o fechamento do empreendimento, e também potencializar as alterações positivas:
- Reduzir ao máximo as áreas de retirada de vegetação;
- Cobrir com vegetação as áreas de encostas;
- Implantar sistema de captação e escoamento das águas da chuva (sistema de drenagem);
- Controlar a geração e o descarte do lixo
- Monitorar a qualidade das águas e dos solos;
- Monitorar a pilha de fosfogesso e a barragem de rejeitos;
- Planejar a derrubada de árvores para não desmatar mais que o necessário e para permitir a fuga dos animais para outras áreas;
- Promover a educação ambiental dos trabalhadores e da população da região;
- Informar e esclarecer a população sobre o que é o empreendimento;
- Estabelecer comunicação entre a população e o empreendedor;
- Apoiar projetos de infraestruturas básicas.

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