Opinião

O poder em paz

Enquanto os torcedores organizados do Governo e da oposição trocam insultos e vociferam bobagens, o verdadeiro poder do país transita tranquilo, conseguindo até, conforme o caso, apoio de alguns governistas ou oposicionistas, que pensam beneficiar-se mas, a longo prazo, jogam contra sua sobrevivência (e a nossa, e a do Brasil como país civilizado em busca de uma vida melhor).

Quem vai bem, obrigado, livre de críticas e nadando de braçada, é o crime organizado. Há alguns anos, no final da década de 1980, o juiz Haroldo Pinto da Luz Sobrinho detectou a formação de um grupo criminoso nas penitenciárias paulistas, o Serpentes Negras. O mundo bem-pensante caiu em cima do juiz: estava vendo fantasmas. A imprensa em peso achou a denúncia engraçadíssima. Serpentes Negras, onde já se viu tamanha bobagem? Nome mais esquisito, só podia ser coisa inventada. Um único jornal paulista, a Folha da Tarde, fez a cobertura do caso (o repórter era Hélio Mauro Armond, que confirmou a existência da organização criminosa e trouxe informações novas sobre ela). Nem os outros jornais do grupo a que pertencia a Folha da Tarde entraram a sério no episódio. E o Governo paulista da época, nas mãos do PMDB, não se moveu.

Mas o juiz Haroldo Pinto da Luz Sobrinho, infelizmente, tinha razão. O Serpentes Negras só deixou de existir quando deu lugar ao PCC, Primeiro Comando da Capital - que da capital se estendeu ao Estado, passou a outros Estados, instalou-se até em países vizinhos, de maneira a dominar as duas pontas do tráfico de cocaína. O Governo continuou firme: do PMDB passou ao PSDB, mantendo-se solidamente inerte com relação ao crime organizado - e ousando negá-lo.

Um recente secretário da Segurança, Ferreira Pinto (que saiu do Governo tucano e se instalou na Fiesp, pronto para ser candidato a deputado pelo PMDB), disse que o crime organizado tinha sido varrido de São Paulo. Limitava-se a meia dúzia de bandidos, todos presos, desarticulados, sem condições de ação.

Mas, como lembra Alberto Dines, não foi a população carente de transportes públicos a responsável pelo incêndio de dezenas de ônibus na Grande São Paulo. E não é o morador pacífico da comunidade, ou seja lá o nome que se queira dar para fingir que não há favelas, que quer a retirada da Polícia dos morros cariocas: este é o interesse dos traficantes, não de seus reféns. O crime organizado é hoje o grande inimigo da sociedade; caberia ao poder político reconhecer este fato, esquecer um pouco como alfinetar o adversário apenas para efeitos eleitorais e assumir a missão de combatê-lo, buscando convergências entre os partidos para que o Brasil volte a ser um local onde haja segurança para trabalhar, divertir-se, passear, ir a festas, sair à noite, namorar, viver.

É obrigação do Estado ocupar o vazio de poder nas favelas, com delegacias de polícia, escolas, urbanização, hospitais, água encanada, esgotos, eletricidade sem gatos, tudo aquilo que caracteriza a vida em cidades civilizadas.

Ou isso, ou o poder, que abomina o vácuo, continuará sendo exercido por narcotraficantes e suas milícias.

Carlos Brickman-jornalista

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