Herdeira do Itaú: campanha sem ética se voltou contra Dilma
"A Neca não precisava de nada disso. Podia estar tomando champagne em
Paris", diz uma pessoa próxima da socióloga, educadora e acionista do
Itaú Maria Alice Setúbal, mais conhecida pelo apelido de infância - que
vem do termo "boneca".
Herdeira do maior banco privado brasileiro, em vez disso, Neca escolheu
trabalhar com projetos sociais em São Miguel Paulista, bairro no
extremo leste de São Paulo, à frente da Fundação Tide Setúbal, e se
meter no vespeiro da política brasileira, apoiando a ex-senadora Marina
Silva, que disputou duas vezes a presidência.
A última decisão teve um custo. No ano passado, uma das principais
estratégias da campanha do PT para enfraquecer Marina foi atacar sua
associação com Neca, na época, coordenadora de seu programa de governo.
Dilma acusou Neca de agir como "banqueira", não como "educadora", e
apoiar Marina para garantir sua adesão a políticas pró-bancos. "Foi uma
campanha muito agressiva", lembra Neca em entrevista à BBC Brasil.
"(Mas) a própria (queda na) popularidade da presidente, o fato de a
população achar que ela mentiu. Tudo isso se voltou contra ela."
Hoje, Neca comemora a recente criação do partido de Marina, o Rede
Sustentabilidade, e garante que a agremiação tem uma estratégia para
evitar a "velha política" que tanto criticou na campanha: "Em torno de
20 deputados federais procuraram a Rede tentando encontrar ali um espaço
da 'velha política' e isso não foi aceito. Os políticos têm de ter
claro que a Rede não será um espaço de negócios políticos e troca de
cargos ou favores", diz.
Em uma conversa com a BBC Brasil, Neca comentou sobre os cortes na área
de educação, a crise política e o papel dos grandes empresários
brasileiros nos esforços de redução das desigualdades sociais no país.
BBC Brasil - Durante a corrida presidencial, Dilma usou o fato de a
senhora ser acionista do Itaú para atacar Marina. Como avalia o episódio
com o distanciamento do tempo?
Setúbal -
Foi uma campanha muito agressiva, não só comigo, mas também com a
Marina, o Aécio (Neves) e o Armínio Fraga (apontado por Aécio para ser
seu Ministro da Fazenda no caso de uma vitória do PSDB). Muitas vezes se
perdeu a ética. Mas há fatos - as próprias pessoas com quem a Dilma
conversa (hoje), quem ela convidou para o ministério (da Fazenda) -
mostrando uma incoerência entre as criticas que ela fez e como está
agindo. A própria (queda na) popularidade da presidente, o fato de a
população achar que ela mentiu. Tudo isso se voltou contra ela.
BBC Brasil - Durante a campanha, vocês defenderam a continuidade de
alguns programas do governo do PT, como o Bolsa Família, o Pronatec etc.
Existe o risco de que a atual crise de credibilidade da gestão Dilma
respingue nesses programas? Nas redes sociais alguns grupos já fazem
crítica aberta a alguns deles…
Setúbal -
Não sei. Acho muito difícil termos retrocesso em alguns programas como o
Bolsa Família. As redes sociais veiculam de tudo, sem nenhum filtro.
Estamos em uma era de muitas radicalizações e intolerância. Parece que
tem um vale tudo nas redes que pode acabar dominando esse debate. Você
sempre vai ter grupos radicais. Dois ou três, quatro ou cinco que
radicalizam. Tem até gente pedindo intervenção militar. Não sei, posso
estar alienada, mas pra falar a verdade, sinceramente, não vejo isso
(críticas a programas). Nem nada contra o Bolsa Família,
especificamente. Ao menos não há uma crítica consolidada.
BBC Brasil - A sra. terá algum papel na Rede Sustentabilidade?
Setúbal -
Continuo muito próxima da Marina. Eu me filiei à Rede, mas não tenho nenhum cargo.
BBC Brasil - E na questão do apoio financeiro? A Rede terá uma parcela ínfima do fundo partidário...
Setúbal -
A gente não tinha nada. Ter alguma coisa vai ser melhor que nada.
BBC Brasil - Mas a senhora pode no futuro vir a oferecer apoio financeiro?
Setúbal -
Não tenho nenhum planejamento para fazer isso. Nada previsto.
BBC Brasil - Qual a estratégia para evitar a 'velha política'?
Setúbal -
Já estamos evitando (essas práticas). Em torno de 20 deputados federais
procuraram a Rede tentando encontrar ali um espaço da velha política e
isso não foi aceito. Os políticos têm de ter claro que a Rede não será
um espaço de negócios políticos e troca de cargos ou favores. Nem de
imposições. Essa lógica da velha política, que não tem a ética como eixo
central, não cabe dentro do partido.
Em sua constituição a Rede também já se diferencia por ter uma forma
muito mais horizontal que os outros partidos. (Pelas suas regras) só vai
ser permitido uma única reeleição para um mesmo cargo. Ou seja, se você
é um deputado pela Rede só vai poder se reeleger uma vez como deputado.
Nós também prevemos no estatuto a criação de um conselho da sociedade
civil que vai monitorar as ações e posições assumidas pelo partido.
BBC Brasil - Por que a Marina parece ter optado por um protagonismo mais fraco nesse momento de crise política e econômica?
Setúbal -
Acho que ela optou por falar nas redes sociais. Até porque, justamente,
não tinha um partido até agora. Certamente com a Rede se viabilizando,
ela já pode falar a partir de um lugar, um partido que faz parte do
cenário político brasileiro. Mas ela nunca deixou de falar nas redes
sociais. Acho que foi uma opção esperar esse partido.
BBC Brasil - Como a Rede vai se posicionar sobre a crise política e os pedidos de impeachment da presidente?
Setúbal -
A Rede e a Marina têm se posicionado dizendo que estamos em uma crise e
a presidente não está com legitimidade, mas você não tem ainda
condições concretas que justifiquem um impeachment. Então a posição é
contra o impeachment neste momento.
BBC Brasil - Em uma entrevista recente ao jornal , o seu irmão
(Roberto Setúbal, presidente do Itaú) defendeu a permanência de Dilma no
poder...
Setúbal -
A posição dele você pergunta para ele. Acho que está difícil saber.
Estamos em uma crise. Está muito difícil a posição dela (Dilma). Ela
está perdendo cada vez mais apoio. Acho que impeachment tem de ser uma
coisa muito bem estruturada. Se for. Eu nunca fui a favor do
impeachment. Com a posição dela (Dilma) fica difícil para qualquer
pessoa entender o que vai acontecer e saber que posição tomar. Não tomei
nenhuma posição radical. Tenho minhas críticas a Dilma e ao governo.
Acho que é a sociedade que vai ter de chegar a uma decisão.
BBC Brasil - A sra. criticou em um artigo recente as "manifestações de ódio" nas redes sociais. A que se referia exatamente?
Setúbal -
Sou contra radicalizações e intolerância, a falta de abertura ao
diálogo. (Contra) ter uma posição radical, seja ela a favor ou contra a
Dilma. Essa história de um grupo xingando o outro. Você pode ser
diferente, ter outra posição, mas a gente pode debater e discutir. Eu
posso respeitar sua posição desde que ela seja ética e ter um diálogo de
respeito.
BBC Brasil - A sra. defende a taxação das grandes fortunas e sua
família é uma das mais ricas do país. Quanto seria um nível de imposto
justo e aceitável por exemplo, sobre herança ou renda. Quanto aceitaria
pagar?
Setúbal -
Acho que isso não é assim. Essa pergunta não faz sentido. Isso tem de
ser uma política de governo, tem de estar alinhado com várias outras
coisas. Não é o que eu ou a Maria estamos dispostos a pagar. Tem de ser
uma política séria. De um país que está se planejando, fazendo um
ajuste. Eu sempre defendi que o imposto tinha de ser progressivo.
BBC Brasil - A sua fortuna vem do setor financeiro, bastante criticado
em função dos lucros altos. Foi inclusive essa, digamos,
"impopularidade" do setor que foi explorada na campanha. Ao atuar na
área social, encontrou resistência?
Setúbal -
Isso foi muito forte durante a campanha. Talvez tenha sido o momento em
que (o setor) foi mais combatido e criticado. Tudo foi muito agressivo.
Mas a história também teve um outro lado. As pessoas que me conheciam e
conheciam meu trabalho me apoiaram bastante, reconheceram que era um
absurdo que isso estivesse sendo feito. Gente do próprio PT fez
declarações públicas e nas redes sociais nessa linha.
Existe uma critica ao sistema financeiro, não só no Brasil, mas no
mundo. Isso existe. É parte da minha história e eu tenho de saber lidar
com isso. É parte da vida. Normal. Como outros são criticados, sei lá,
por serem evangélicos ou do candomblé, por ser branco, verde ou azul.
Isso é parte do jogo democrático.
BBC Brasil - Mas a sra. acha injustas essas críticas aos bancos?
Setúbal -
Acho que isso faz parte. Democracia é assim. Você tem interesses
diferentes. Às vezes conflitantes, as vezes não. Às vezes se chega a um
consenso, outras não. A Dilma mesmo convidou o Joaquim Levy, do Banco
Bradesco (para ser ministro da Fazenda). Ela se consulta com o Luiz
Trabuco, (ex-) chefe dele (e presidente do Bradesco). Tem momentos em
que ela vai estar em conflito com os bancos. E outros em que vai estar
se alinhando com os bancos. Isso é parte do jogo democrático. Não é
justo ou injusto. As pessoas têm interesses diferentes.
BBC Brasil - Se a chapa da sra. tivesse vencido as eleições, o que faria de diferente na educação?
Setúbal -
É difícil falar sobre (um cenário que depende de algo) ter ou não ter
acontecido, porque as configurações de forças seriam outras. A educação
está conectada com outras áreas. Seria um outro momento, uma outra
articulação entre ministérios e uma outra forma de encarar um projeto
para o Brasil. Não dá para pensar a educação separada do resto.
BBC Brasil - As prioridades seriam as mesmas?
Setúbal -
O MEC (Ministério da Educação) hoje tem como prioridade o Plano
Nacional de Educação (PNE). Isso também estava em nosso programa de
governo. Agora, o PNE é muito amplo. O MEC está focando a (criação de
uma) base nacional comum curricular, que é de fato um aspecto
superimportante.
BBC Brasil - A educação está sendo duramente afetada pelo ajuste
fiscal. Os cortes atingiram programas-bandeira da campanha de Dilma,
como o Pronatec e o Ciências Sem Fronteira, além do orçamento das
federais, investimentos e etc. Dava para ser diferente?
Setúbal -
Podemos discutir porque chegamos até agora, até setembro. Talvez esse
corte deveria ter sido feito um pouco antes. Todos têm de contribuir um
pouco para a saída da crise. Meu questionamento é sobre o fato do corte
ter sido linear. Não houve uma preocupação de preservar algumas áreas
como educação, apesar de até o slogan do governo ser "pátria educadora".
Isso poderia ter sido bem melhor planejado. Inclusive se pensarmos no
caso do Pronatec, que sofreu um corte grande. Talvez fosse o momento, já
que o desemprego aumentou, de incentivar a capacitação de mão de obra
pelo programa. Já os critérios introduzidos no FIES (programa de
financiamento estudantil), ligados a pontuação dos estudantes no exame
ENEM, foram importantes. Também tem um critério de renda. Isso tudo
colaborou para o (aprimoramento do) programa.
Mas o governo até agora não deu uma concretude ao lema pátria
educadora. E não só pelos cortes. A educação teria de sofrer algum tipo
de corte. Mas, fora isso, o governo não deu um direcionamento claro ao
que seria a pátria educadora. Tem vários projetos. O ministro (Renato
Janine Ribeiro, empossado em abril) também entrou no meio do caminho,
estava há pouco tempo no cargo.
BBC Brasil - Como vê a troca de Janine Ribeiro por Aloízio Mercadante?
Setúbal -
É uma pena para a educação ver (o afastamento de) um ministro que
entrou há pouquíssimo tempo e nem teve tempo de desenvolver um trabalho,
embora o Mercadante já tenha estado no ministério. É o terceiro
ministro em um ano.
BBC Brasil - A pasta está sendo usada como moeda de troca no jogo político?
Setúbal -
Acho que é preciso entender bem o contexto da troca. A nomeação do
Renato não foi uma moeda de troca. Nem a do Cid Gomes (primeiro ministro
da educação do ano e ex-governador do Ceará).
BBC Brasil - Como avançar na questão da qualidade da educação com um orçamento apertado?
Setúbal -
A educação precisa de mais recursos e mais gestão. Não adianta colocar
mais dinheiro se você não tem uma gestão comprometida com resultados,
com a qualidade da aprendizagem, mobilização e valorização dos
professores. Agora, a execução do Plano Nacional de Educação exige, sim,
mais recursos. Estamos em uma crise, mas vamos pensar que esse corte de
recursos é emergencial, conjuntural.
BBC Brasil - Mas estamos no caminho certo? Uma crítica frequente é que o Brasil precisaria priorizar mais a educação básica …
Setúbal -
Não concordo. Acho que há algum tempo o MEC já está priorizando a
educação básica. Nesse sentido, sim, estamos no caminho certo. Mas a
educação é algo muito complexo. Não dá para dizer que é um ou outro
elemento (que vai fazer a diferença). Se fosse fácil já estaríamos em
outra situação. Agora, (avançar) exige também uma vontade política, um
esforço de articulação. Você também não pode deixar de lado a questão da
qualificação da mão de obra ou o ensino superior. A democratização do
ensino superior, feita principalmente através do Prouni e Fies, é muito
importante.
BBC Brasil - Pela sua origem e área de atuação, a sra. é uma pessoa
que tem contato com vários segmentos da sociedade brasileira, dos mais
ricos aos mais pobres. Parte do PT denuncia uma polarização social e
atribui a rejeição ao governo a uma luta de classes. Como vê isso?
Setúbal -
Acho que isso é um posicionamento ideológico que o PT sempre teve e o
Lula sempre teve. É parte do jogo democrático. A sociedade de fato tem
suas diferenças, sua diversidade, diferente classes sociais. Isso é
parte do jogo. Normal.
BBC Brasil - A senhora escolheu se dedicar a projetos sociais. Mas há
quem veja falta de empatia social nas elites brasileiras. Nos EUA parece
haver uma cultura maior de doações a fundações e ONGs, por exemplo. O
que acha?
Setúbal -
É difícil comparar. Os Estados Unidos são um país muito mais rico que o
Brasil. Incomparavelmente. Tem uma quantidade de pessoas ricas maior.
Lá também há muitos incentivos para se abrir fundações. Aqui não. Eles
têm uma cultura de participação diferente, além desses incentivos
fiscais muito diferenciados. E acho até que essas comparações não têm
muita consistência. Se você me falar tem uma pesquisa que levantou isso,
aí a gente poderia analisar.
BBC Brasil - Os grandes empresários tem algum papel na redução das desigualdades sociais?
Setúbal -
No Brasil você já tem vários empresários e pessoas que fazem muito
individualmente. Tem aumentado muito o número de fundações familiares e
empresariais, institutos e programas. Existe uma sociedade civil atuante
- e de diferentes formas. Na área de educação, temos várias fundações e
institutos com o objetivo de contribuir para a melhoria do pais e
(redução) das desigualdades. É claro que eu gostaria que fosse mais.
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