JANIO DE FREITAS
Um poder marginal
É
pouca –se houver alguma– a percepção de que já estamos fora do regime
democrático. É a realidade, porém. Está negada a validade do sistema
jurídico, essencial no regime democrático, que tem por base o respeito
aos direitos fundamentais e aos deveres a que estão sujeitos não só
cidadãos em geral, mas também os ocupantes dos poderes constituídos.
A
situação da atual Câmara dos Deputados foge aos seus deveres e
responsabilidades constitucionais. Estar sujeita à condução de um
parlamentar a quem são imputados vários atos criminosos já configura
anomalia incompatível com a condição de Poder Legislativo. Assim
conduzida, a Câmara dos Deputados sequer consegue que o seu Conselho de
Ética opine sobre ser admissível, ou não, uma investigação superficial
das acusações de delinquência e crime ao presidente da Casa.
O
que se tem passado na Câmara, ao longo de todo este primeiro ano de
nova legislatura, não são os meros artifícios com que casas legislativas
contornam dificuldades cronológicas, impasses regimentais e acordos
problemáticos. São manipulações só possíveis com o uso impróprio do
poder funcional, são pressões, são ameaças, punições à resistência e
recompensas indevidas. Em grande parte, à sombra do desconhecimento
público, pouco e quase sempre mal abastecido, a respeito, pelos meios de
comunicação outra vez cedendo espaço do jornalismo a práticas
partidárias/ideológicas –o que parecia ser passado já distante no
serviço noticioso brasileiro.
Foi
esta e foram outras tolerâncias interessadas, com muita contribuição de
parlamentares destacados, que levaram a Câmara à sua situação atual. Ou
seja, expeliram a Câmara dos Deputados para fora dos seus deveres e
responsabilidades.
Em
paralelo, o Ministério Público cumpre um papel semelhante ao de
testemunha indiferente, com a posse inconsequente da documentação que
lhe foi presenteada pelo trabalho investigatório de promotores suíços.
Talvez o que lhe seja permitido esteja muito aquém do mínimo
conveniente, mas se um senador foi preso por palavras que, umas,
provaram-se balelas, outras, não foram levadas a fato algum, documentos
incriminatórios devem servir para algo mais do que se saber existirem.
O
presidente da Câmara é o segundo na linha de sucessão, elevado a
presidente se o vice-presidente posto em exercício precisar afastar-se,
em intervalo ou em definitivo. Só isso já indica a dimensão do que a
atualidade degenerada da Câmara representa, na sua marginalidade.
CORRETO
Se
o preço era provocar um ato vingativo, o PT pagou-o. Não podia apoiar
alguém como Eduardo Cunha no Conselho de Ética. Para aliar-se a ele é
necessária uma qualidade especial: equivaler a ele.
OS ATRASADOS
No
noticiário sobre o pedido de impeachment para Dilma, no Rio um jornal
informou o aumento imediato da Bolsa. No dia seguinte, o senador Ronaldo
Caiado, com a seriedade de representante da bancada ruralista, retomava
o aumento como prova do apoio "popular" ao impeachment. Jornalistas e
senador esqueceram que, ao ser comunicada por Eduardo Cunha a sua
decisão, a Bolsa já estava fechada havia quase três horas.
A
história de um golpe tramado no Senado para soltar Delcídio do Amaral
não perde para a anterior. O golpe formidável teria falhado porque o
ministro Edson Fachin, do Supremo, decidiu por votação aberta dos
senadores, sobre soltarem o colega ou não. Mas, na verdade, quando a
decisão de Fachin foi comunicada ao Senado, já a maioria dos senadores,
muito antes, decidira por votos abertos. Renan Calheiros até gozou o
recurso ao STF do excitado senador Randolfe Rodrigues.
Os relógios ficcionistas estão atrasados. Como os donos.
Janio de Freitas é jornalista
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