A NAMORADEIRA NA JANELA
Marli Gonçalves
Epa,
opa, epa, opa, que tem alguma coisa meio esquisita nessa história que
nos divertiu tanto essa semana, imaginando o
José Serra com a cara escorrendo vinho, provavelmente tinto, em sua
camisa provavelmente azul, ou provavelmente branca, e aquilo escorrendo
em
sua calça provavelmente cáqui ou provavelmente cinza - que ele não é de
variar. E olho arregalado, surpreso, foi fazer
graça e foi desgraçado.
Tá tudo
bem, tudo bom, mas até agora não entendi bem o que foi
que tanto ofendeu a ministra Katia Abreu por ter sido chamada de
namoradeira. E que história é essa dela explicar seu ato, dizendo que
"reagiu à altura de uma mulher que preza a sua honra". "Todas as
mulheres conhecem bem o eufemismo da expressão "namoradeira" - escreveu
em um dos muitos tuítes que piou no dia seguinte.
Qual é
exatamente o eufemismo de namoradeira, Ministra?
Desculpe, mas é que, como disse, acho que perdi uma parte da história
porque, para mim, dizer que uma moça é namoradeira
soa doce, ingênuo, até - se me permite - caipira, coisa de interior.
Associo a coisas como encantadora, bonita, atraente, popular,
flerte. Nunca associei a coisa ruim. E olha que eu tenho uma cabeça que
estou sempre vendo uns pelinhos no ovo. Procurei até no Google,
mas os mais de 14 mil resultados, acredita? - foram todos todos sobre a
taça de vinho e o quiproquó que abafou até a carta
certeira do vice-presidente, outro sucesso da semana.
Não que eu
não tenha o que fazer mas fiquei
pensando no assunto e queria ter presenciado a cena para sentir o
contexto. Vocês já tinham jantado? Ou estavam com fome, e por
conseguinte, com muito mau humor? Beber sem comer nada também é um
perigo. Outra pergunta importantíssima: tinha música no
jantar? Qual era o som ambiente? Por que? Porque se estava alto, a
ministra pode ter ouvido o galo cantar verdadeira, dadeira, e sangue
quente que
é, senhora poderosa e cheia de si como lembro pessoalmente de tê-la
visto no Parlamento, primeiro reagiu, depois ouviu. Mas acho que
não. Porque parece que o senador Renan Calheiros logo interveio
lembrando ao Serra que a ministra, que era viúva, se casou recentemente.
Eufemismo é usar linguagem substitutiva, sim, uma coisa meio tucana, de falar uma coisa dizendo outra
para não ofender, para suavizar o rojão. Três exemplos que achei legais: "Ele virou uma estrelinha." (Em vez de morreu); "Ele
subtraiu o celular do idoso no ônibus." (Em vez de dizer que roubou); "Ele vivia de caridade pública." (Para não falar esmolas).
Entendeu? Por isso fiquei curiosa sobre o tal eufemismo de namoradeira.
Namoradeira, palavra bonita, foi indigesta, portanto. Mas se eu não achei o tal eufemismo, achei os vários sentidos reais que a palavra tem, as cadeiras e sofás de dois lugares, especiais para namorar sob a vigilância de alguém, e dentro de casa - sua origem há muito tempo; e as lindas bonecas de cerâmica, moças retratadas com olhar romântico, apoiadas em seus braços e cotovelos, que enfeitam janelas e varandas de todo o país. São só cabeça, boca carnuda, lábios pintados, ombros à mostra em vestidos com decotes insinuantes e ao mesmo tempo pudicos. Um dos seus braços fica apoiado; o outro leva a mão ao rosto, como se o segurasse, em sinal de espera do que vai passar por aquela janela.
Imagine
tudo o que elas veem. Ou melhor, imagine
tudo ao que elas, as namoradeiras, estão assistindo agora em cada
recanto onde se encontram recostadas, naquela sempre aparência calma,
da espera, de quem não tem pressa. Só podia ser boneca mesmo. Porque as
humanas, as mulheres namoradeiras, quando chegam à
janela, já o fazem aflitas, inseguras, preocupadas, ou amaldiçoando o
atraso no primeiro encontro.
Quantas de nós nunca se debruçaram, ficaram nas pontas dos pés para ver o amado apontando na porta ou
virando a esquina? Até as namoradeiras de muitos, mas que esperam na janela só um deles - o seu homem por toda a vida.
Enfim, tadinhas das namoradeiras que a ministra acabou jogando lama na
reputação. Fiquei também preocupada
porque descobri que mais gente tem a namoradeira em mau conceito:
algumas correntes evangélicas consideram que a boneca da namoradeira é
do mal, vivem destruindo as que encontram por a considerarem devassa,
representante das prostitutas, que invoca a pomba-gira, entidade
protetora da
esquerda na umbanda.
Por falar em esquerda, a ruralista Katia
Abreu já foi chamada de "Miss Desmatamento", "Rainha da
Motosserra", era inimiga número 1 dos sem terra. Mas agora está no
Governo Dilma, de quem virou melhor amiga nesse ano para ela cheio de
emoções. Tomou posse em janeiro, causou com um vestido verde; casou em
fevereiro; em abril soube-se que havia contratado seu cabelereiro
e uma dentista para o gabinete; trocou de partido, se juntou ao PMDB,
aprendeu todos os eufemismos para explicar que o Governo é uma beleza;
jogou vinho no Serra.
Deixou até de ser namoradeira. Coisa que ela própria disse que era, em uma entrevista dada em
2013, antes do seu príncipe chegar na janela: "Não tive tempo para casar de novo. Mas namorei muito".
Pois é.
São Paulo, nem parece Natal, 2015
Marli Gonçalves
é jornalista -- - Está achando o máximo essa esquizofrenia que abala Brasília, onde ninguém sabe onde
amarrar o burro. E onde se falta com a verdade (esse sim, um eufemismo e tanto)
marli@brickmann.com.br
Penso eu - Com sua licença dona Marli, mas no Ceará, chamar mulher de namoradeira é o mesmo que chamar de moça bulida, uma verdadeira maria batalhão. Fosse por aqui, provavelmente o Zé Serra estariacom uns dois ou trtes dentes quebrados pelo copo que levaria na cara.
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