O texto da Tereza Cruvinel segue
analisando toda essa arrumação que despencou no afastamento de Dilma, coisa
mais clara e serena do que um golpe de interesses nacionais e internacionais. “Serra
perdeu para Dilma em 2010 mas como senador eleito em 2014, apresentou o projeto
agora encampado pelo governo Temer. No primeiro mandato, Dilma surfava em altos
índices de popularidade até que, de repente, a pretexto de um aumento de R$
0,20 nas tarifas de ônibus de São Paulo, estouraram as manifestações de junho
de 2013. Iniciadas por um grupo com
atuação legítima, o Movimento Passe Livre, elas ganham adesão espontânea da
classe média (que o governo não compreendeu bem como anseio de participação) e
passam a ser dominadas por grupos de direita que, pela primeira vez, davam as
caras nas ruas. Alguns, usando máscaras.
Outros, praticando o vandalismo. Muitos inocentes úteis entraram no jogo. Mais tarde é que se soube que pelo menos um
dos grupos, o MBL, era financiado por uma organização de direita
norte-americana da família Coch. E só recentemente um áudio revelou que o grupo
(e certamente outros) receberam recursos também do PMDB, PSDB, DEM e SD. Aparentemente a ferida em Dilma foi pequena.
Mas o pequeno filete de sangue atiçou os tubarões. Começava a corrida para
devorá-la. A popularidade despencou, a situação econômica desandou, veio a
campanha de 2014 e tudo o que se seguiu. Mas nesta altura, a espionagem da NSA
já havia acontecido, tendo talvez como motivação inicial a guerra do pré-sal.
Escutando e gravando, encontraram outra coisa, o esquema de corrupção. E aqui entram os sinais de que as informações
recolhidas foram decisivas para a decolagem da Lava Jato. Foi logo depois do Junho de 2013 que as
investigações avançaram. A partir da
prisão do doleiro Alberto Yousseff, numa operação que não tinha conexão com a
Petrobrás, o juiz federal Sergio Moro consegue levar para sua alçada em
Curitiba as investigações sobre corrupção na empresa que tem sede no Rio,
devendo ter ali o juiz natural do caso. Moro
havia participado, em 2009, segundo informe diplomático também vazado por
Wikileaks, de seminário de cooperação promovido pelo Departamento de Estado, o
Projeto Pontes, destinado a treinar juízes, procuradores e policiais federais
no combate à lavagem de dinheiro e contraterrorismo. Participaram também
agentes do México, Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai. Teria
também muitas conexões com procuradores norte-americanos.Com a prisão de
Yousseff, a Lava Jato deslancha como um foguete. Os primeiros presos já se defrontam
com uma força tarefa que detinha um mundo de informações sobre o esquema na
Petrobrás. Executivos e sócios de empreiteiras
rendiam-se às ofertas de delação premiada diante da evidência de que negar era
inútil, só agravaria suas penas. O
estilo espetaculoso das operações e uma bem sucedida tática de comunicação dos
procuradores e delegados federais semeou a indignação popular. Vazamentos
seletivos adubaram o ódio ao PT como “cérebro” do esquema. As coisas foram
caminhando juntas, na Lava Jato, na economia e na política. A partir do início
do segundo mandato de Dilma, ganharam sincronia fina. Na Câmara, Eduardo Cunha
massacrava o governo e a cada derrota o mercado reagia negativamente. A Lava
Jato, com a ajuda da mídia, envenenava corações e mentes contra o governo. Os movimentos de direita e pró-impeachment
ganharam recursos e músculos para organizar as manifestações que culminaram na
de 15 de março. A Fiesp entrou de cabeça
na conspiração e a Lava Jato perdeu todo o pudor em exibir sua face política
com a perseguição a Lula, a coerção para depor no aeroporto de Congonhas e
finalmente, quando ele vira ministro, a detonação da última chance que Dilma
teria de rearticular a coalizão, com o vazamento da conversa entre os dois. No
percurso, Dilma e o PT cometeram muitos erros. Erros que não teriam sido fatais
para outro governo, não para um que já estava jurado de morte. Mas este não é o
assunto agora, nesta revisitação em busca da anatomia do golpe. Em março, a
ajuda externa já fizera sua parte mas as pegadas ficaram pelo caminho. O
governo já não conseguia respirar. Mas,
pela lei das contradições, a Lava Jato continuou assustando a classe política,
sabedora de que poderia “não sobrar ninguém”. É quando os caciques se reúnem,
como contou Jucá, e decidiram que era hora de tirar Dilma “para estancar a
sangria”. Desvendar a engrenagem que joga com o destino do Brasil desde 2013 é
uma tentação frustrante. Faltam sempre algumas peças no xadrez. Mas é certo
que, ainda que incompleta, a narrativa do golpe não é produto de mentes
paranoicas. No futuro, os historiadores vão contar a história inteira de 2016,
assim como já contaram tudo ou quase tudo sobre 1964”.
A frase: “A paranoia e o medo estão na base das teorias da conspiração, cada lado
com seu inimigo. Sejam os de esquerda que enxergam o poder dos banqueiros em
cada fato da humanidade ou os de direita que não suportam o socialismo ser uma
força política forte na América mesmo depois da queda da União Soviética”. Mário Pereira
Gomes.
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