Opinião

Só 5 mil no 1º de Maio em Curitiba? Quem acredita na PM do Paraná?

1º de maio de 1968, na praça da Sé, em São Paulo.
Em meio às comemorações do Dia do Trabalho, começou a chover ovos e pedras no palanque onde estava o governador nomeado Abreu Sodré, que se refugiou na catedral.
Repórter do Estadão, fui escalado para a cobertura e, ao voltar para a redação, um diretor me chamou para saber se tinha muita gente no ato.
Respondi que sim, mais da metade da praça estava ocupada, foi uma grande confusão.
“Pois eu tive informações de que isso foi coisa de uns poucos arruaceiros. Coloque isso na sua matéria”, respondeu-me secamente o diretor, que era muito amigo do governador Sodré.
Acho que foi meu primeiro contato direto com os limites da liberdade de imprensa tão exaltada pelos donos da mídia.
1º de maio de 2018, em Curitiba.
Meio século depois, um mar de gente atravessou a cidade numa caminhada da sede da Polícia Federal até o centro histórico, palco de um ato das centrais sindicais em defesa da libertação do ex-presidente Lula.
Vi as imagens ao vivo nas redes sociais, transmitidas por sindicatos, partidos e grupos de jornalistas independentes, que mostraram a grande festa democrática omitida nos principais portais durante todo o dia, com o noticiário ocupado pela tragédia do prédio dos sem teto que pegou fogo e desabou em São Paulo.
À noite, fui informado pelos telejornais que apenas 5 mil pessoas participaram da manifestação, segundo os cálculos da Polícia Militar do Paraná, este primor de eficiência e credibilidade.
Entre o ato da praça da Sé e o de Curitiba, passaram-se 50 anos, mas ainda não mudou o conceito de liberdade de imprensa dos donos do poder.
Continua sendo apenas a liberdade de uma minoria para determinar ao resto da população o que lhe deve ser informado. Ainda não é um direito de todos à informação, como deveria ser.
Como não estava lá, não tenho como dizer quantas pessoas participaram das manifestações em Curitiba, mas com toda certeza este número da PM do Paraná é falso, uma fake news, expressão que ainda não existia em 1968, quando também nem se sonhava com essa revolução chamada internet, que democratizou as informações, e tirou o monopólio dos barões da mídia.
Mesmo assim, este foi o número oficial em que se basearam os noticiários e comentários dos colunistas da grande imprensa para dizer que pouca gente foi às ruas para defender Lula.
Como sabemos, imagens podem ser manipuladas quando a transmissão não é ao vivo, como ocorreu fartamente nas manifestações pela derrubada de Dilma.
Fora isso, outra coincidência foi a reação popular aos governantes de turno, ambos políticos inexpressivos, sem votos, que chegaram ao poder graças a golpes contra a democracia.
Abreu Sodré chegou ao governo de São Paulo nomeado pelos militares que cassaram o mandato do governador eleito Ademar de Barros, ironicamente um dos arautos do golpe de 1964.
Michel Temer ocupou o Palácio do Planalto depois de um golpe jurídico-parlamentar que derrubou a presidente eleita Dilma Rousseff.
Sodré e Temer foram escorraçados da praça no Dia do Trabalho por cidadãos indignados com seus respectivos governos, como a demonstrar que paciência tem limites, em qualquer época.
Não adianta querer enganar a freguesia e a história com versões e números falsos. Os fatos acabam se impondo, de uma maneira ou outra, nem que leve 50 anos.
Mas agora podemos pesquisar no Google. Está tudo lá, bastam uns cliques.
E vida que segue.

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