Opinião
NOSSOS MINADOS CAMPOS URBANOS
MARLI GONÇALVES
Veja
bem por onde anda, por onde pisa, para onde olha, por onde passa, pelo o
que cruza. Olhe para os lados e para cima, mas não se esqueça de olhar
também para baixo. Abra bem os olhos, apure sua audição, veja se não há
cheiro estranho, fique atento a todos os sinais. Sinta se está ficando
muito quente ou muito frio. Quem pode relaxar nos grandes centros
urbanos, ainda mais nos nossos relaxados campos minados nacionais?
Tenho
amigos que já quebraram pés, tornozelos, pernas, braços, o nariz. O que
faziam? Esportes radicais? Bem, não deixa de ser já um esporte bem
radical viver nos grandes centros urbanos, mas eles apenas andavam pelas
ruas, por onde também eu já tropecei e me estatelei algumas vezes.
Agora, além das calçadas esburacadas, ruas e avenidas sem sinalização ou
iluminação, das árvores roídas por cupins, violência, balas perdidas,
carros desgovernados, marquises despencando, malucos de toda sorte,
acresce-se mais um grande perigo: prédios ruindo.
O
incêndio e o pavoroso desmoronamento do Edifício Wilton Paes de
Almeida, icônico prédio do centro de São Paulo, era a famosa bola
cantada, e que se não fosse ali seria – ou o que é pior ainda – poderá
ainda ser – em muitos outros lugares da cidade. Sim, as ocupações que
estão em toda a cidade onde houver uma porta aberta, um imóvel largado e
alguma liderança que se diga social, são verdadeiros palitos de fósforo
prontos a serem riscados. Do mapa, inclusive. Como ocorreu agora, onde
só sobraram a poeira, escombros, cinzas e uma vergonhosa memória do
descaso das autoridades em todas as esferas, inclusive com as suas
propriedades. Essa era da União, se é que ainda dá para usar essa
palavra.
Basta
olhar com atenção. São prédios velhos, de todos os tamanhos, que
abrigavam hotéis falidos, residências abandonadas, imóveis com questões
judiciais. Estão pichados, com vidros quebrados, mas todos quase sempre
decorados com bandeirinhas dos movimentos dos sem-alguma coisa, que
agora podemos chamar de MSVNEMH - Movimento dos Sem Vergonha Nenhuma de Explorar a Miséria Humana.
Ah, e um “Fora Temer” carimbado em algum lugar, assim como a
bandeirinha da CUT. O que eles não têm são condições mínimas de
segurança, salubridade ou dignidade.
Com
essa tragédia vimos ainda bem mais claramente como é que se aglomeram
as dezenas de famílias, criando um novo tipo de habitação: barracos
construídos dentro dos prédios – uma meta habitação. Os elevadores viram
enfeite, e os seus poços, depósitos de lixo. É assim o ambiente onde
vivem milhares de pessoas, idosos, crianças, animais. Não tenho notícia
se os chefes dos invasores vivem ali também – parece que não, apenas
nomeiam um chefete local, uma espécie de bedel. Não é situação nova,
apenas piora a cada ano, cada governo, cada crise dessas que vivemos
toda hora.
Sem
teto, sem casa, sem condições – obviamente que isso tudo não é
privilégio nacional. Mas é sim, instados a viver no centro de uma
metrópole como São Paulo, recheado de imóveis ocupados em condições
alarmantes, alguns dirigidos por organizações criminosas que os utilizam
como disfarce social de suas armas e fugitivos, e tão perto do outro
grande problema que só se espalha, a Cracolândia. E as Cracolândiazinhas
que já infestam os bairros e pequenas cidades. Só parecem nas
desgraças.
Esse
é o problema maior: a inação. A espera que as coisas se alastrem ou que
se acomodem sozinhas porque consideram que essa parte da população não
merece cuidados. Querem ver até onde vai, e no colo de quem a bomba vai
cair. Depois apontam dedinhos uns para os outros.
Isso
é terror urbano. Estamos cercados de campos como esses - campos
minados, prontos a explodirem sob os nossos pés, como se fôssemos nós os
inimigos em nosso próprio país. Os outros barris de pólvora, como as
prisões e as favelas, estão apenas na fila de espera.
Marli Gonçalves, jornalista – Cuidado onde pisa. Aguarde novas explosões. Fica difícil achar sobreviventes.
Brasil, 2018
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