Coluna do blog


Desinformação: somos todos culpados
Eu queria muito escrever sobre isso. FAzer um texto longo onde a coluna tentasse refletir um sentimento que toma conta de quem consegue pensar e enxergar além de dois dedos à frente de seu nariz. Ha, sim, uma crise de credibilidade ao lado de outra, onde a zanga, a irritação, e muitas vezes a cegueira cívica nos remete a "brigar" até dentro de casa, em famíllia, como se o mundo estivesse separado de mim e de meus sentimentos e/ou pensamentos. O jornalista Michel Alcoforado,tomou a frente e falou:
Mesmo antes de assumir o cargo de presidente do Brasil, Jair Bolsonaro elegeu a imprensa como um de seus inimigos. O jornalismo e os jornalistas são alvos de ataques constantes do presidente e, de seus filhos, no Twitter. Cada dia, é uma pedrada. Para minar a credibilidade dos meios de comunicação, Bolsonaro e seus aliados taxam qualquer informação desagradável aos olhos do governo como "notícia falsa" ou "fake news". A moda foi importada do presidente americano Donald Trump, maior expoente na guerra mundial contra a imprensa e ídolo do bolsonarismo. Infelizmente a técnica funciona e há quem se convença que qualquer notícia crítica é um atentado ideológico contra o governo e com certeza é falsa. Sejam as notícias realmente falsas ou apenas acusadas de serem falsas, o fato é que as fake news viraram parte da rotina do brasileiro. Esse é um dos temas que venho pesquisando nos últimos anos. No Espiral da Verdade, fiz uma pesquisa quantitativa com mais de 1000 brasileiros e, pasmem: 72% dos brasileiros já se sentiram enganados por uma notícia falsa. Eu mesmo festejei desesperadamente quando surgiu o aúdio do Sr. Armando, dono da padaria em Botafogo, acusado por um funcionário enfurecido de não acreditar nos seus motivos para não trabalhar depois do último dilúvio na cidade do Rio de Janeiro. Acreditei no empregado, ouvi repetidamente, festejei a chegada de um novo levante dos trabalhadores e mandei para todos os meus amigos. Até que descobri, no outro dia, que tudo não passava de uma brincadeira. O Jornal O Extra fez uma reportagem mostrando que o áudio foi criado por um grupo de comediantes cariocas. Escrevi novamente para os meus amigos com a má notícias. A grande maioria não acreditou. Rebateram com outras tantas fontes de blogs e páginas pessoais na tentativa de me convencer que o falso era verdadeiro. No final das contas, cada um acreditou no que quis. Meus amigos, Trump, Bolsonaro ou qualquer outro que tente desacreditar a imprensa faz porque conhece a imensa crise de credibilidade que o jornalismo enfrenta. Parte do problema surgiu junto com a revolução digital. Em um mundo conectado, onde todos podem dar sua opinião, não basta o texto estar sob o selo do jornal para ser crível. Nós temos à nossa disposição mais hipóteses, mais debates acontecendo ao mesmo tempo e não recorremos a apenas uma fonte para nos informar. O resultado tem um lado muito positivo. Com o avanço da internet e das redes sociais, diversas ideias antes escondidas do mainstream ganham visibilidade – feminismo e cultura LGBTQ+, por exemplo, nunca estiveram tão em alta. O monopólio do conteúdo não está mais restrito aos grandes meios de comunicação e qualquer um pode gravar um áudio, um vídeo, fazer uma foto, escrever um texto, mostrar-se para o mundo. Saímos da era dos poucos formadores de opinião para outra esfera, na qual vivemos entre muito fomentadores de opinião: youtubers, podcasters, instagrammers, digital influencers, blogueiros. Chamamos essa proliferação de vozes de polifonia digital. Apesar de democratizar a informação, esse movimento na internet também gera desinformação e ruído. Com tanta gente falando, não sabemos em quem acreditar – e aqui não me refiro apenas aos produtores de conteúdo. Um áudio de WhatsApp repassado por um conhecido ou amigo pode tornar-se ainda mais relevante que uma reportagem sobre o mesmo tema, ainda que o primeiro seja apenas uma opinião e o segundo traga consigo todo um método de apuração. O estudo "Espiral da Verdade" aponta que a confiança na informação cresce conforme maior for a vivência do interlocutor. Entre os brasileiros, 78% dos entrevistados considera a experiência pessoal muito importante para dar uma opinião. "Eu vi, logo, sei". Como se a experiência vivida por cada um fosse mais importante do que pesquisas científicas, testadas e retestadas, debatidas durante anos nas comunidades acadêmicas. Foram-se os dias em que havia fé nas instituições, nas autoridades e na mídia. Hoje a origem e a veracidade da informação ficam em segundo plano e o mais importante é que o argumento apoie o que se pensa. E é por isso que ninguém mais consegue dialogar na internet. Mais da metade (65%) dos brasileiros já entraram em discussões via WhatsApp, e 54% deles não mudaram de opinião depois da briga.Em nossa pesquisa, chamamos esse fenômeno de boia-factual. Em um mar revolto de argumentos e informações sem fim, cada pessoa se agarra a um conjunto de informações que a ajudam a ter uma opinião e a evitar o afogamento. Cada qual com sua boia, nós navegamos sozinhos com nossas certezas. Até que chega uma onda – uma nova polêmica – que nos faz começar todo o processo novamente. Antes da Era Digital nós tínhamos menos informação, menos vozes e mais certezas. Hoje temos mais informação, mais vozes e mais dúvidas. E não podemos voltar atrás. Não é mais viável desejar que a imprensa seja a única fonte de informação, e por outro lado também não se pode ficar à mercê de informações duvidosas apenas porque é o que se quer ouvir. É necessário criar um filtro que permita o consumo de informação de maneira saudável, traga vozes diferentes para o debate e ofereça conteúdo de qualidade e credibilidade. Se antes a imprensa fazia essa curadoria para nós, em tempos de Espiral da Verdade somos chamados a tomar a dianteira e escolher onde e como vamos consumir conteúdo. Não posso dizer se é melhor ou pior, mas o fato é que agora o poder de decisão está em nossas mãos. E já é hora de assumirmos a responsabilidade por isso.


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