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 Amazônia pega fogo e o governo joga gasolina em ONGs e governadores
Ontem, as notícias sobre os incêndios na Amazônia se propagaram como se uma piscina de gasolina tivesse sido jogada na mídia de todo o mundo. Primeiro vieram as confirmações de que estamos diante de um número recorde de queimadas. Do começo do ano até 2ª feira (19), foram detectados quase 72.842 focos de calor no país todo. Destes, 38.227 estavam no bioma Amazônico. No dia seguinte este número subiu para 39.033. Em relação ao ano passado, o total nacional aumentou 83% e, na Amazônia, 140%. Vale ler duas matérias do Observatório do Clima, uma falando do número recorde e outra sobre a razão deste aumento.
Na terça, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) divulgou uma nota afirmando que o desmatamento é o principal fator por trás das queimadas: “Os dez municípios mais desmatados em 2019 são também os dez que mais queimaram na região”.
O ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, disse que a seca era a culpada, conforme registro d' O Globo. Só que este ano choveu mais que o normal e um El Niño forte, que costuma provocar secas na parte ocidental da região e que facilita a floresta pegar fogo, não deu as caras. O Estadão também comentou.
Ontem pela manhã, Bolsonaro declarou que “pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ongueiros para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil (...) pelo o que tudo indica, o pessoal foi para lá filmar e tacaram fogo. Esse é o meu sentimento.” O presidente também apontou o dedo para os governadores da região: “Tem estados aí, que não quero citar, na região Norte, que o governador não está movendo uma palha para ajudar a combater incêndio. Está gostando disso daí.”
O trecho-chave é “não quero citar”. Ele não citou quais governadores, nem quais ONGs. A Folha e o Estadão deram a notícia e comentaram a falta de provas.
Sobre a acusação às ONGs, a Folha registrou as críticas dos ex-ministros Carlos Minc e Marina Silva, de Márcio Astrini, do Greenpeace, de Carlos Rittl, do Observatório do Clima, de Diego Casaes, do Avaaz, e do deputado Nilto Tatto. Este último disse que “o governo Bolsonaro mais uma vez faz uma declaração estapafúrdia para, na verdade, não deixar claro para a sociedade as políticas de desmonte na área ambiental que ele vem introduzindo.” A Folha também registrou declarações de gente famosa como Demi Lovato e Camila Pitanga.  
Segundo Julia Lindner e Giovana Girardi, do Estadão, na toada contra as ONGs, Bolsonaro disse: “Nós tiramos dinheiro de ONGs. Dos repasses de fora, 40% ia para ONGs. Não tem mais. Acabamos também com o repasse de dinheiro público. De forma que esse pessoal está sentindo a falta do dinheiro", referindo-se à suspensão de repasses de recursos do Fundo Amazônia. Curiosamente, André Borges, também do Estadão, levantou que o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PREVFOGO) do Ibama, tem um contrato de quase R$ 15 milhões com o Fundo Amazônia. Borges conta que “até dezembro do ano passado, R$ 11,721 milhões já tinham sido gastos pelo Ibama em operações de combate a incêndios na região, o equivalente a 80% do total obtido.”
A ABONG soltou nota assinada por 114 organizações; o Pacto Pela Democracia divulgou carta aberta ao presidente assinada por 42.
O G1 publicou uma série de perguntas e respostas sobre as queimadas, coisa muito útil para estes tempos de fake news. Tem tanto perguntas gerais (O que é uma queimada? É a mesma coisa que um incêndio florestal?) como específicas sobre o atual momento (Como a ciência comprova que a chuva negra que caiu em SP tem relação com as queimadas?). Vale conferir.

A Amazônia pega fogo e vira manchete internacional
As queimadas foram o assunto mais comentado ontem no Twitter em todo o mundo (#PrayForAmazonia), segundo a BBC. A notícia saiu tanto na edição brasileira quanto na internacional. Aliás, a Idealist começou uma mobilização para ‘Salvar a Amazônia’.

O Wall Street Journal e a Inteligencer deram destaque às acusações de Bolsonaro às ONGs. Sem fazer críticas, comentários ou reparos.
A Climate Change News, por sua vez, destaca o tremendo aumento no número de incêndios. A CBS americana diz que a fumaça dos incêndios pode ser vista do espaço.
A Vox disse que os incêndios florestais estão pipocando em todo o mundo, na Sibéria, nas Ilhas Canárias, no Alasca e na Groenlândia. “Mas talvez ainda mais alarmante sejam as queimadas na Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo. É uma área com chuvas torrenciais que quase nunca queima espontaneamente, e, no entanto, as chamas vêm queimando por duas semanas, aumentando de intensidade a ponto de mandar a fumaça por todo o caminho até São Paulo, a maior cidade do Brasil.”
Ainda vale mencionar as matérias dos New York Times, Le Monde e El Clarín.

Salles: fumaça das queimadas amazônicas sobre São Paulo é fake news
Diante das notícias da conexão entre a noite diurna em São Paulo e as queimadas, o ministro do meio ambiente deixou passar mais uma chance de ficar quieto. Segundo a Folha, em um evento no interior de São Paulo, ele aproveitou “para comentar a fumaça ou aquela escuridão que deu ontem na cidade de São Paulo e que alguns disseram que é a fumaça da Amazônia que encobriu a cidade. Essa afirmação parece até um vídeo que vi, um mês atrás, de um helicóptero do Ibama sendo recebido a tiros e, depois, meia hora depois, mostrou um menino que tinha feito uma montagem”.
Ontem, o UOL divulgou a observação feita por pesquisadores da USP de material gerado em queimadas na água da chuva que caiu naquela tarde. 
O fato é que a atmosfera de São Paulo recebeu as cinzas de queimadas da Amazônia, da Bolívia e do Paraguai. O El País diz que, na Bolívia, “a seca, os fortes ventos e o antigo hábito de limpar a terra usando o fogo causaram nos últimos dias numerosos incêndios florestais em uma dezena de municípios da região de Santa Cruz (...) Os incêndios queimaram até agora cerca de 470.000 hectares de florestas e áreas de plantação.”
Lúcio Flávio Pinto, no Amazônia Real, fala da lição preciosa contida nas nuvens prenhes de cinzas das florestas que escureceram os céus de São Paulo.

E não é só a Amazônia que está em chamas
Metade dos focos de incêndio deste ano ocorreram fora da Amazônia. Quase um terço do total ocorreu no Cerrado e 10% na Mata Atlântica. A notícia d'O Globo é baseada em dados do INPE.
Fabiano Maisonnave e Phillippe Watanabe, da Folha, fizeram um inventário dos incêndios em áreas protegidas. O Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT) perdeu 12% de sua vegetação. A Terra Indígena Parque do Araguaia (TO), na ilha do Bananal, registrou 1.127 focos desde o ano passado. Somente nesta semana, houve 68 ocorrências dentro de Terras Indígenas e Unidades de Conservação estaduais e federal.

Notícia de incêndio para ser lida com uma pitada de sal
Ontem, circulou uma matéria da NASA dizendo que o número de incêndios no Brasil havia aumentado pero no mucho. É preciso prestar atenção para o fato da matéria se referir a focos de incêndio que aconteceram no dia 16 de agosto, ou antes disso. O 'Dia do Fogo' e a explosão de focos de incêndio que agora se vê começou no final de semana seguinte a essa data. Também é preciso atentar que a comparação é feita usando dados do Global Fire Data, que toma como referência o número de incêndios ocorridos em 2016. Esse ano foi o pico do último El Niño, que provocou uma forte seca na Amazônia Ocidental e um consequente aumento no número de incêndios.

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