Bom dia

Sandra Caselato
 
Opinião

Dia 20/11 é o Dia da Consciência Negra. 
Novembro é o Mês da Consciência Negra. Enquanto não houver consciência da desigualdade que as pessoas negras sofrem em nossa sociedade ainda será necessário haver um dia e um mês para nos lembrar de olharmos para isso. Se valorizamos a igualdade, a equidade e a justiça para todas as pessoas independentemente de sua cor ou raça, precisamos nos conscientizar da importância de transformar essa realidade.

Semana passada estive na Chapada Diamantina, na Bahia. No hotel onde fiquei todos os funcionários eram negros. Não vi nenhum hóspede negro. Isso é algo para se estranhar, num país onde mais de 50% são negros ou pardos e especialmente na Bahia, que é o único estado brasileiro onde há mais pretos autodeclarados do que brancos. Se não estranhamos é porque estamos tão acostumados com o racismo estrutural que permeia nossas vidas diárias, que não percebemos ou achamos normal que a maioria das pessoas em funções subalternas sejam negras enquanto quase não se vê negros em função de liderança ou destaque.

Quando morei no Paraná, chamei uma moça para fazer faxina na minha casa e ela era loira de olhos azuis. Isso me causou estranhamento, pois nunca tinha conhecido uma faxineira loira de olhos azuis. Esse estranhamento não existiria se vivêssemos numa sociedade igualitária onde as funções e profissões não estivessem distribuídas de acordo com a cor da pele. Onde as profissões menos valorizadas e que recebem menos salários não fossem ocupadas majoritariamente por pessoas negras.

O racismo no Brasil está cristalizado em nossa cultura de um modo tão normalizado que muitas vezes não o percebemos. Mas podemos identificá-lo facilmente se prestarmos um pouco de atenção. Não é difícil constatar que poucas pessoas negras ocupam cargos de chefia em grandes empresas e que a maioria dos estudantes nas melhores universidades é branca. Simplesmente ligando a TV podemos notar a baixa representatividade de pessoas negras, e ainda é possível escutar por aí expressões e piadas racistas.

O racismo que vivemos hoje é fruto dos mais de 300 anos de escravidão e da subsequente falta de reparação e contínua opressão sistêmica que os negros ainda sofrem.

Então a primeira coisa a fazer é nos conscientizar, perceber essas desigualdades e discutir o assunto, para então nos mobilizarmos e transformar essa realidade. Se não conseguimos nem ao menos enxergar e reconhecer o racismo presente na sociedade onde vivemos, não fazemos nada respeito. E assim ele se perpetua, invisibilizado dentro de uma normalidade desigual e injusta no dia a dia.

Essa conscientização é necessária para todos, mas principalmente para nós, brancos, pois como não vivemos o racismo na pele, temos mais dificuldade em percebê-lo. Precisamos exercitar nossa atenção, empatia e senso crítico para transformar o racismo, que é estrutural, sistêmico e cultural e está dentro de todos nós de alguma forma, mesmo que inconscientemente.

O racismo não se manifesta apenas em forma de discriminação racial direta, mas também de maneira institucional, estrutural e cultural. Ele permeia a todos nós não porque queremos ou porque somos pessoas más, mas porque fomos criados numa sociedade racista e expostos a ele como algo normalizado. E assim, por ser a norma, ele se torna invisível. Invisível na estrutura como nossa sociedade se organiza e invisível quando ocorre dentro de cada um de nós e em atitudes que tomamos sem perceber.

Certo dia eu estava no Mercado Central de Belo Horizonte e em duas lojas diferentes pessoas pensaram que eu fosse a vendedora. Achei curioso, pois isso nunca tinha acontecido comigo. Então comentei o fato com uma amiga e ela disse que com ela acontece quase todos os dias. Pois ela é negra. E inconscientemente as pessoas associam sua cor de pele com o papel de funcionária e não de cliente. Assim o racismo estrutural se manifesta em "pequenas" situações do dia a dia, em microagressões ou discriminações "sutis".

Como qualquer transformação estrutural, reconhecer o racismo em todas as suas dimensões e combatê-lo não é tarefa fácil, e é necessária a ação de todos, brancos e negros.

Se reconheço que sou produto de um sistema racista, preciso me conscientizar de como ele se manifesta em mim em pensamentos e atitudes, para que eu possa escolher diferente e deixar de reproduzir automaticamente o que o sistema me "treinou" a fazer.

Então celebro o Dia e o Mês da Consciência Negra, e todos os movimentos e debates que têm surgido cada vez mais para que essa consciência se espalhe, ao ponto de não ser mais necessária uma data específica para nos lembrar que a igualdade racial ainda não existe no nosso país e no mundo.

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