Coluna
Josias de Souza
Guedes não pisou num tomate, mas num tomateiro

Ao comparar, em termos genéricos, os servidores públicos a parasitas,
Paulo Guedes selecionou as palavras com o mesmo desmazelo de Fernando
Henrique Cardoso quando chamou aposentados de "vagabundos". A declaração
do ministro da Economia custará caro.
A
alma de Paulo Guedes tem mistérios indecifráveis. No início do governo,
sonhando em voz alta, o Posto Ipiranga disse que era preciso dar uma
"prensa no Congresso".
Numa palestra para investidores nos Estados Unidos, o ministro declarou, num timbre orgulhoso, que o Brasil agora tem "um presidente que adora coca-cola e Disneylândia."
Guedes
também já produziu comentários que foram interpretados com uma defesa
do AI-5. O mais surpreendente é que o ministro faz esse tipo de
declaração como se pisasse nos astros, distraído.
Agora,
sem medir as consequências, Paulo Guedes saiu-se com outra: chamou
todos os servidores públicos, indistintamente, de parasitas. Fez isso ao
se queixar dos reajustes salariais do funcionalismo, acima da inflação.
Além dos aumentos, disse o ministro, o funcionalismo "tem estabilidade
na carreira e aposentadoria generosa." Guedes caprichou na analogia: "O
hospedeiro [o Estado] está morrendo, o cara [o servidor] virou um
parasita. O dinheiro não chega no povo e ele quer reajuste automático."
A
imagem dos servidores junto à clientela, de fato, não é boa. A má fama
encontra respaldo na precariedade dos serviços públicos e no excesso de
privilégios de uma casta que alcançou o topo da carreira.
Entretanto,
nem todo servidor é parasita. Se olhasse ao redor, Paulo Guedes
encontraria na sua própria equipe pessoas que não merecem a
generalização. Por exemplo: Mansueto de Almeida, secretário do Tesouro
Nacional, é um servidor público de mostruário. Há muitos outros.
Paulo Guedes está subordinado a um presidente encrenqueiro. Em um ano, Jair Bolsonaro
brigou em toda parte. No Planalto, enviou para o olho da rua até amigos
generais. No Congresso, brigou inclusive com seu partido. Na rua,
defronte do Alvorada, ofendeu jornalistas, caluniou ONGs, desafiou
governadores, fez o diabo.
Nesse
ambiente, as reformas pós-Previdência foram sendo enviadas para um
pantanoso segundo plano. Caberia a Paulo Guedes carregar baldes de água
fria. Mas o ministro achou que seria uma boa ideia borrifar gasolina na
conjuntura.
Paulo Guedes ofereceu ao pedaço parasita da máquina pública a possibilidade de riscar o fósforo. A frase, por desnecessária, pode custar caro. O ministro não pisou num tomate, ele esmagou um tomateiro
Com
sorte, seus comentários servirão apenas para elevar o grau de
resistência à reforma administrativa no Planalto e no Congresso. Com
azar, as palavras do ministro serão usadas como pretexto para enviar as
propostas de mudança para o beleléu.
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