"A Pátria é muito mais que heróis; é povo"

Marcelo. "Sem o povo, sem a arraia miúda, não teria havido Portugal"

Nas celebrações do Dia de Portugal, em Braga, o Presidente da República dedicou todas as suas palavras ao povo português. Marcelo fez a evocação histórica dos 200 anos da Constituição portuguesa de 1822 e os da independência do Brasil.

"A pátria é muito mais que heróis: é povo". Esta frase do discurso do Presidente da República esta sexta-feira nas celebrações do 10 de Junho, em Braga, condensam aquela que foi a sua intervenção. Marcelo Rebelo de Sousa dedicou todas as palavras a homenagear os portugueses e os feitos históricos em que foram fundamentais para a identidade nacional.

Perante uma vasta multidão que se juntou na Avenida da Liberdade, o Presidente afirmou que "sem o povo, sem a arraia miúda, não teria havido Portugal"", mesmo que os seus chefes tenham enchido as páginas da história.

Daí que tenha começado por justificar as celebrações em Braga, cuja a Sé da cidade considerou um "pilar essencial da nossa portugalidade muitos séculos antes de haver Portugal". Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que foi a partir da região que Portugal "se separou do Reino de Leão" para "nunca mais se afirmar a sua identidade nacional". E salientou a importância dos municípios que "surgiram dos seus forais antes de serem submetidos ao poder central".

Foi a esse "povo que morreu aos milhares" pela pátria e que se "lançou em cascas de noz" nas Descobertas que deixou a "língua e alma" espalhadas pelo mundo.

"E que melhor este ano de 2022 para evocar este povo" - perguntou o Presidente da República para lembrar os 200 anos da Constituição de 1822, que limitou o poder da monarquia e da independência do Brasil. "Celebramos este ano os dois séculos do fim do nosso império colonial", em que "o povo se desdobrou em dois, o brasileiro e o português".

Da independência do Brasil, Marcelo passou para a de Timor, que celebra este ano 20 anos, lembrando que "o povo português esteve 100% com Timor". O povo português, sublinhou o chefe de Estado, sofreu com o massacre do cemitério de Santa Cruz e "vibrou com o referendo" e a independência. "A "unir tudo isto está o povo português, sempre o povo português".

"O povo português esteve 100% com Timor".

A tónica do discurso foi sempre a mesma - sem qualquer referência a problemas da atualidade -, a da glorificação do povo português que, lembrou, enfrentou a pandemia e agora a crise gerada pela guerra. "A nossa pátria é história, é língua, mas é muito mais do que isso, é povo com séculos de raízes, a que se juntaram a nós outros povos". Marcelo relembrou as comunidades de imigrantes em Portugal, desde a brasileira até à ucraniana.

"É o povo a razão de ser o que somos"

O Presidente da República lembrou que é "o povo português que recebe refugiados da Ucrânia" e "o povo português com armas" que procura a paz em missões como a República Centro Africana e noutras. O mesmo povo que "aprendeu a viver em democracia, depois de décadas a viver numa monarquia absoluta". Marcelo fez depois uma aproximação afetiva a Braga, com tanto povo na rua para o ouvir. Recordou o avô António, um dos muitos milhares que saiu da região para arriscar uma vida melhor no Brasil. País onde também tem o chefe do Estado tem o filho e um neto. "É o povo a razão de ser o que somos".

Jorge Miranda, o júbilo, desgosto e a tristeza

Antes de Marcelo Rebelo de Sousa falou o presidente da comissão organizadora das comemorações do 10 de Junho, o constitucionalista Jorge Miranda, que admitiu que não faltam problemas a Portugal "em todas as áreas", mas sublinhou que o país os saberá enfrentar com "determinação cívica".

"Não é que nos faltem problemas em todas as áreas e que havemos de enfrentar com determinação cívica, através de respostas adequadas e que poderão, legitimamente, variar com a alternância e as alternativas democráticas", referiu, em Braga, na cerimónia militar comemorativa do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Aquele que é considerado um dos pais da Constituição, natural de Braga, destacou a importância de Portugal dar resposta ao "exigente" desafio do mar. "Um desafio que vem de sempre e que, nos dias de hoje, se torna mais exigente. É o desafio do mar, do mar, inseparável da sensibilidade dos portugueses, o desafio do mar com a zona económica exclusiva e os seus recursos a aproveitar", disse.

Jorge Miranda quis assinalar na história de Portugal os "muitos motivos de júbilo, a par de alguns de desgosto e de tristeza".

Revisitando a história, enumerou, entre os motivos de júbilo, a revolta popular em Lisboa, os descobrimentos, a Constituição de 1822, a independência do Brasil sem derramamento de sangue e a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, de Lisboa ao Rio de Janeiro. A abolição da pena de morte em 1867 e a consagração da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis pela Constituição de 1911 foram outros aspetos apontados.

Como "causas de desgosto e tristeza", apontou a expulsão dos judeus, a Inquisição, a escravatura, o tratamento dado a muitas populações e o estatuto do indigenato. Aludiu ainda às "crueldades" do Marquês de Pombal, o surto laicista radical dos primeiros anos da República, o longo regime autoritário de 1926 a 1974, com censura, polícia política, perseguições, prisões, deportações e a "total incompreensão que ele teve das mudanças no mundo desde 1945, levando a três guerras sem sentido, com milhares de mortos".

Do júbilo, Jorge Miranda referiu-se ao pós-25 de abril, com Portugal a entrar, com a Constituição de 1976, as suas revisões e a sua jurisprudência, "num período de estabilidade sem paralelo desde meados do século XIX". Falou em "avanços importantes" na igualdade entre homens e mulheres, ao Serviço Nacional de Saúde, ao ensino obrigatório até aos 18 anos, à generalização do abastecimento de água e do saneamento e ao desenvolvimento da fiscalização da constitucionalidade.

A adesão ao Conselho da Europa, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e aos seus protocolos adicionais, a adesão às Comunidades Europeias, antecessoras da União Europeia, a reconciliação com os povos africanos, a transferência negociada da soberania de Macau, a independência de Timor e a formação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa foram outras "conquistas" elencadas por Jorge Miranda.

"Não negamos o nosso passado. Assumimo-lo serenamente no confronto dos outros povos. Assumimo-lo no presente e voltados para o futuro", referiu.

Para evocar o 10 de junho, Jorge Miranda recorreu às palavras "Portugal", "portugalidade" e "patriotismo". "E não falo em nacionalismo pelas conotações que o termo poderá comportar", explicou, referindo que nos dias de hoje "grassam nacional-populismos radicais e que chegam mesmo a fazer guerras de invasão".

O constitucionalista insurgiu-se ainda contra os atropelos à língua portuguesa - depois de ter exaltado Camões como o expoente máximo da língua ("não conheço nenhum país que eleve a celebração de um poeta a dia nacional") e reivindicou o "direito" e o "dever" do uso da língua aos portugueses e aos países de expressão oficial portuguesa. Mencionado expressamente o programa Erasmus, que disse adulterado, afirmou: "Internacionalizar não pode equivaler a desnacionalizar".

Costa assinala dia em que se comemora língua, cultura e História de Portugal

O primeiro-ministro assinalou o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades com uma mensagem em que salientou que esta sexta-feira se comemora a língua, a cultura e História, com o objetivo de trabalhar "por um país melhor".

"No Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, saúdo todos os portugueses que, pelo mundo, comemoram a nossa língua, a nossa cultura, a nossa história e tudo o que constrói a identidade de um povo. Celebramos Portugal e continuamos a trabalhar por um país melhor", escreveu António Costa na rede social Twitter.

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