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Leonardo Sakamoto

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Militares negam aeronave aos Yanomami, mas fornecem à festa dos Bolsonaros

Criança yanomami internada com desnutrição em hospital de Boa Vista - Lalo de Almeida/Folhapress
Criança yanomami internada com desnutrição em hospital de Boa Vista Imagem: Lalo de Almeida/Folhapres
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Leonardo SakamotoColunista do UOL

04/02/2023 14h16

As Forças Armadas negaram o fornecimento de aeronaves para operações que poderiam salvar a vida de indígenas Yanomami em, ao menos, três ocasiões durante o governo Jair Bolsonaro. Até porque havia ações mais importantes, como transportar convidados do casamento do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do então presidente, em maio de 2019.

Reportagem de Vinicius Sassine, da Folha e S.Paulo, deste sábado (4), mostra que o Ministério da Defesa barrou o fornecimento de aeronaves a operações da Polícia Federal em 2022 - o que atrapalhou a retirada de garimpeiros ilegais. E, quando forneceu, cobrou ressarcimento.Em três ciclos de operações para a retirada dos invasores da terra indígena, apenas um contou com aeronaves das Forças Armadas, segundo fontes da PF ouvidas pela reportagem da Folha.

Levantamento do portal Sumaúma aponta que 570 crianças Yanomami com menos de cinco anos morreram por causas evitáveis no governo Bolsonaro. Em entrevista ao UOL, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, apontou que o número é ainda maior.

A dificuldade de conseguir apoio aéreo para retirar os invasores que levaram doenças, fome e morte contrasta com a facilidade com a qual a família Bolsonaro conseguiu que um helicóptero da FAB transportasse convidados do casamento no Rio de Janeiro.

O trajeto poderia ter sido feito de carro, mas usou-se uma aeronave paga com dinheiro público. Não há informações de que as Forças Armadas cobraram ressarcimento pelo transfer ao casamento.

Na época, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República afirmou, em nota, que a decisão visava à segurança do presidente e vice-presidente da República, bem como de seus familiares.

Questionado posteriormente sobre a carona, Bolsonaro primeiro disse que a pergunta era "idiota" e encerrou a entrevista. Um dia depois, provavelmente treinado para responder, afirmou que não vai nada de errado com isso e que ele não ia mandar a família ir de carro se tinha o helicóptero à disposição. Mas claro que o Patriarca das Rachadinhas não ia ver problemas nisso.

As Forças Armadas poderiam ter focado tempo e energia em expulsar garimpeiros que invadiram a Terra Indígena Yanomami. Preferiram respaldar o discurso golpista de Jair Bolsonaro sobre urnas eletrônicas, garantir a segurança de luxo para golpistas acampados em frente a instalações militares e até servir de transfer para casamento do filho do presidente.

Há militares que sussurram através de aliados que eles se sentem desprestigiados pelo governo Lula. Confundem falta de prestígio com corte de privilégios. Pois é a população que se sente desprestigiada quando as Forças Armadas fuzilam inocentes "por engano", impõem postos de controle de pobres em comunidades do Rio ou gastam dinheiro do contribuinte comprando Viagra e próteses penianas.

A presença seletiva do Estado, que chancela a ação de madeireiros, pescadores, caçadores e, claro, garimpeiros ilegais e ataca instituições de monitoramento e controle, garante uma cara de terra de ninguém. Não depende apenas da vontade de generais, brigadeiros e almirantes o aumento de contingente e a garantia de infraestrutura para que possam cumprir suas funções. Mas o que viemos é uma omissão alinhada com o comportamento destrutivo de Jair Bolsonaro.

É triste concluir que se o território indígena tivesse sido tratado pelas Forças Armadas com o mesmo carinho com o qual protegeram os acampamentos golpistas em frente a quartéis e com a mesma atenção que dedicava ao presidente e sua família, uma tentativa de genocídio teria sido evitada e crianças estariam vivas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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