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“Quem quer cortar gasto tem que mostrar onde: vamos debater os R$ 700 bilhões em subsídios”, diz Guido Mantega


Ex-ministro da Fazenda defende uso do IOF e cobra do Congresso compromisso com revisão de incentivos para garantir equilíbrio fiscal.
Em entrevista ao programa Boa Noite 247, o economista e ex-ministro da Fazenda Guido Mantega afirmou que a resistência do Congresso ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) expõe uma contradição entre o discurso de responsabilidade fiscal e a prática de blindar setores beneficiados por subsídios bilionários. Segundo ele, diante da meta fiscal de 2025, o governo precisará de R$ 21 bilhões adicionais, além dos R$ 30 bilhões já congelados, para fechar o orçamento.
“O orçamento está apertado”, disse Mantega. “O governo tem uma trava fiscal colocada pelo arcabouço, que foi o que deu para fazer, mas que é contracionista.” Por isso, argumentou, é necessário adotar medidas que permitam o cumprimento da meta, afastando o discurso de que o governo é “gastador”. “As contas não estão desequilibradas e vão entregar, mas para isso tem que ter algum sacrifício.”
O ex-ministro considerou que a proposta do IOF, embora imperfeita, foi “dos males, o menor”. A medida incide sobre o crédito e operações financeiras, como o chamado risco sacado — antecipações de recebíveis por empresas — e sobre movimentações internacionais. “Ela tem um impacto sobre as empresas e elas reclamaram”, reconheceu. “Mas não era uma proposta ruim dentro do quadro que temos.”
Segundo Mantega, a reação negativa partiu tanto do setor produtivo quanto do Congresso. “O Congresso está dizendo: nós não permitiremos o aumento de impostos. Então tem que cortar na carne, tem que cortar na despesa. Só que o Congresso é o primeiro a aumentar a despesa, a diminuir a disponibilidade orçamentária”, criticou.
Diante disso, propôs que o governo use a crise como oportunidade para abrir um debate amplo e transparente sobre os subsídios. “Tem um conjunto de subsídios de quase R$ 600, R$ 700 bilhões por ano”, listou, citando exemplos como o Simples Nacional, a Zona Franca de Manaus e os incentivos ao agronegócio. “Quero ver se o Congresso aprova cortar subsídio pro setor agrícola. Vamos cortar a Zona Franca de Manaus? Quero ver se eles topam.”
Mantega enfatizou que o IOF tem a vantagem de ser de aplicação imediata e de competência exclusiva do Poder Executivo. “O governo não precisa de autorização do Congresso para aumentar o IOF. É prerrogativa do Ministério da Fazenda. Já fizemos isso no passado.” Ele também ressaltou que a elevação do imposto pode atuar como instrumento complementar à política monetária, evitando altas adicionais na taxa de juros.
O economista sugeriu outras alternativas para ampliar a arrecadação, embora reconheça que não são de execução imediata. Entre elas, a tributação de apostas esportivas — as chamadas “bets” — e o aumento da arrecadação com petróleo. “A União é dona do subsolo, ou seja, o petróleo pertence à nação. Pode aumentar a participação especial nas áreas mais rentáveis, o que já foi feito no passado”, afirmou.
Para Mantega, o recuo do governo em pontos da proposta original se deu por falta de articulação política e diálogo prévio, o que abriu espaço para reações desproporcionais. “Talvez ela devesse ter sido detalhada com antecedência, discutida com o presidente da Câmara, do Senado, com o Banco Central”, avaliou. Ele também apontou que parte da crítica foi amplificada por motivações políticas. “O que a oposição quer, o que a Faria Lima quer, é que se façam cortes em saúde, educação e no salário mínimo. O governo não deve ceder.”
Ao fim, o ex-ministro defendeu que o governo use a prerrogativa legal para manter parte do IOF, ajuste pontos críticos — como a taxação do risco sacado e a tributação de aplicações no exterior — e convoque o Congresso a participar ativamente da revisão de gastos. “Vamos fazer algo a céu aberto. Todos vão ter que fazer seu sacrifício. Senão, não dá.”

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