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A importância da coleta de dados raciais para a equidade educacional

Por Lucas Zacari
Guia traz orientações para secretários escolares para promover uma educação antirracista nas instituições. Precisão de informações ajuda na formulação de políticas públicas
FOTO: Tomaz Silva/Agência Brasil - 04.06.2025FOTO: Tomaz Silva/Agência Brasil - 04.06.2025Alunos em sala de aula no Rio de Janeiro
Alunos em sala de aula no Rio de Janeiro
O Brasil tem mais de 47 milhões de alunos matriculados nas três etapas da Educação Básica – educação infantil, ensino fundamental e médio – em escolas públicas e privadas. No entanto, mais de 8,9 milhões dos estudantes não têm a raça declarada. Os dados são do Censo Escolar de 2024, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
19,05%
é a porcentagem de estudantes de Educação Básica sem raça declarada
A quantidade de pessoas sem raça declarada era muito maior nos primeiros anos da autodeclaração no Censo Escolar, que se tornou critério de pesquisa em 2005. O número de estudantes não declarados era de quase 32 milhões em 2007, por exemplo, de um total de 53 milhões – o equivalente a 60,31%.
A autodeclaração de estudantes é uma ferramenta importante para revelar desigualdades educacionais e ajudar na formulação de políticas públicas. Pensando nisso, o Instituto Unibanco produziu, em parceria com o Instituto Dacor _ Dados Contra o Racismo, um guia para orientar secretários escolares na coleta de dados raciais dos alunos.
A publicação “Educação antirracista e a importância da coleta de dados raciais – Um guia para secretários(as) escolares” mostra como a educação antirracista estimula a consciência racial de alunos negros, indígenas e quilombolas, e o papel das unidades de ensino no combate ao racismo.
Neste texto, o Nexo Políticas Públicas explica a importância da autodeclaração e como os secretários escolares podem auxiliar nesse processo, além de apresentar exemplos de aumento de índices de declarações de cor ou raça em escolas.
A autodeclaração
A autodeclaração é o processo em que a pessoa informa sua cor ou raça, de acordo com a sua própria percepção e vivência, sem necessidade de comprovação. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) adota as seguintes categorias de autodeclaração: amarela, branca, indígena, parda e preta.
Para o Censo Escolar, a declaração de cor ou raça de estudantes de até 15 anos deve ser feita pelos pais ou responsáveis, enquanto maiores de 16 anos podem se autodeclarar. Segundo o guia, os secretários devem passar as informações com transparência, para que a escolha seja feita conscientemente. O profissional não deve questionar ou alterar a resposta.
A recusa em se autodeclarar é um direito do estudante ou dos responsáveis por ele. Essa não declaração vai desde o desconhecimento sobre os conceitos de cor ou raça, a falta de vontade ou o receio sobre a utilização desses dados. O secretário escolar deve esclarecer que o uso será apenas para organização de estatísticas e de maneira institucional, mas respeitar a decisão.
Com a autodeclaração na Educação Básica, os governos podem entender a real distribuição de estudantes e corrigir distorções sociais. Os dados raciais e étnicos permitem cruzar informações como frequência e desempenho escolar e aprimorar políticas públicas.
“É de fundamental importância saber quem são, quantos são, onde estão, qual a cor dos estudantes que mais são afetados pelo conjunto de desafios educacionais existente para que as políticas públicas possam ser mais bem direcionadas a quem mais necessita, por quem, historicamente, tem vivido processos de exclusão também na educação, como os estudantes negros, indígenas e quilombolas”, afirmou Helton Souto, presidente do Instituto Dacor, ao Nexo Políticas Públicas.
A importância dos secretários escolares
O guia do Instituto Unibanco e do Instituto Dacor incentiva uma atuação ativa e orientação dos secretários escolares para uma educação antirracista. Souto reforçou que as instituições devem ser um espaço livre de racismo e outras violências, como um direito dos estudantes e da comunidade escolar.
perspectiva de uma educação que atue contra o racismo e ancorada no reconhecimento e no respeito às diversidades e que combata as desigualdades é importante porque ela favorece a toda a comunidade escolar, tornando a escola um lugar mais saudável, ético e comprometido com as transformações necessárias”, disse o presidente do Instituto Dacor.
É função dos secretários, por exemplo, pensar em campanhas para enfatizar a importância das informações sobre cor ou raça, bem como estimular e executar atividades que promovam a consciência racial.
Dentre as estratégias sugeridas pelo material para promover a atualização dos dados raciais estão: a produção de comunicados e cartazes com linguagem simples e direta; realização de reuniões com pais e responsáveis; e a inserção do tema em atividades pedagógicas, como rodas de conversa. Além disso, o letramento racial também deve ser feito para a equipe escolar.
Nesse processo, é importante que o secretário escolar não utilize termos inadequados ou ultrapassados, para ajudar na compreensão das categorias de declaração por estudantes, responsáveis e profissionais.
“Quanto mais essas pessoas tiverem letramento sobre a questão racial no Brasil, quanto mais orientadas sobre o tratamento de dados raciais e quanto mais tiverem conhecimento das próprias decisões e ações da escola no âmbito da Educação para as Relações Étnico-Raciais, melhor elas poderão exercer o seu trabalho e seu papel no diálogo com as famílias para que esses dados possam ser informados e coletados com maior frequência e qualidade”, afirmou Souto.
Além disso, o secretário escolar é responsável por organizar a autodeclaração. Em caso de registros sem informação, o guia sugere que o funcionário faça comparações com documentos físicos de anos anteriores. Também deve fazer um acompanhamento recorrente para observar novos registros incompletos.
Exemplos de boas práticas
O Censo Escolar de 2024 estabeleceu a meta de que as escolas tivessem, pelo menos, 80% dos alunos matriculados com autodeclaração racial. O guia desenvolvido pelo Instituto Unibanco e Instituto Dacor apresenta quatro exemplos de mobilizações para alcançar tal objetivo.
Em Fortaleza, 52% dos estudantes da rede municipal de ensino tinham registrado a declaração étnico-racial em 2023. A prefeitura da capital cearense fez uma série de ações para ampliar essa taxa. Foram feitas reuniões com a comunidade escolar e com pais e responsáveis para esclarecer a importância da autodeclaração, com um guia explicativo desse processo.
Um exemplo desse processo em Fortaleza aconteceu na ETI (Escola em Tempo Integral) Professora Hildete Brasil de Sá Cavalcante. Atitudes como a formação de uma comissão antirracista, a implementação da disciplina “Africanizando” – com foco em práticas antirracistas –, e projetos de promoção de literatura negra e cultura afro-americana foram desenvolvidas para melhorar os índices de autodeclaração.
99,99%
é o percentual de estudantes com declaração étnico-racial registrada após a mobilização da prefeitura de Fortaleza
As escolas cearenses se dedicaram na promoção da equidade racial e na redução das desigualdades em 2024, indo de 77% para 90% dos estudantes com registro de declaração étnico-racial no estado. 758 escolas receberam um aporte de R$ 3.700 cada, proveniente da iniciativa federal PDD Equidade (Programa Dinheiro Direto na Escola), para a execução de projetos para a equidade racial
Além disso, o governo estadual lançou o Selo Escola Antirracista, edital que premia instituições que implementam ações antirracistas. Aqueles que obtiveram a certificação tiveram projetos de integração com a comunidade, formação de docentes e palestras, por exemplo.
Outro governo estadual que teve um salto de autodeclarações em 2024 foi Goiás. Os 43% de anteriormente se tornaram 83%, com a mobilização da Seduc (Secretaria de Educação) para a disseminação de orientações para as escolas, junto com seminários e cadernos de estudo sobre a educação antirracista e a equidade racial para estudantes e professores.
Já o governo do Espírito Santo tinha a meta de zerar o número de estudantes sem raça declarada no estado. Apesar de não ter alcançado esse total, o percentual conquistado foi alto: 95,4% dos estudantes da rede pública estadual.
Além da mobilização e da criação de um guia de autodeclaração consciente, as escolas também criaram comitês antirracistas, com estudantes e as superintendências regionais de ensino. A função de Professor Coordenador para Equidade Racial também foi estabelecida, em especial em escolas com maiores desafios do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

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