FHC e Lula juntos? Revivendo a história, refrescando a memória
“Se pudesse reviver a história, tentaria me aproximar do Lula”.Este é o título da longa entrevista que Fernando Grostein Andrade fez com Fernando Henrique Cardoso publicada em duas páginas da Folha nesta quarta-feira.
Então, já que é assim, vamos tentar reviver esta história, refrescando nossa memória sobre fatos ocorridos entre o final de 1993 e o começo de 1994, ano de eleições presidenciais.
Uma das poucas vantagens de ficar velho no jornalismo é a gente poder falar de episódios que testemunhou e viveu, não do que os outros contaram sobre eles.
Antes, quero fazer um elogio ao belo trabalho jornalístico de Fernando Andrade, um rapaz muito inteligente que conheci quando ele estava dirigindo o documentário “Quebrando o Tabu” sobre a relação entre drogas e democracia, uma iniciativa de FHC, em que a minha filha caçula, a roteirista Carolina Kotscho, também trabalhou.
Vamos voltar um pouco no tempo para registrar o momento em que PT e PSDB tentaram se unir e, meses depois, viraram adversários irreconciliáveis, como são até hoje, disputando a hegemonia política no país ao longo do último quarto de século.
Duas testemunhas desta tentativa frustrada ainda estão vivas e podem confirmar o que vou relatar.
Tasso Jereissati e Ciro Gomes, dois tucanões nordestinos de muito prestígio no partido, vieram do Ceará para um encontro com Lula em São Paulo, mais precisamente na Cantina do Mario, perto do Instituto Cidadania, no bairro do Ipiranga, onde Lula mantém até hoje seu QG político.
Faltavam poucas semanas para o Natal de 1993 e já tínhamos feito algumas caravanas viajando de ônibus pelo país na pré-campanha de Lula para as eleições do ano seguinte.
Durante o almoço, onde também estava meu amigo Egídio Serpa, assessor dos tucanos, Lula, Tasso e Ciro discutiram a possibilidade da formação de uma chapa PT-PSDB ou PSDB-PT em 1994.
Foi uma longa conversa, nada foi decidido, mas os três ficaram de se falar mais adiante, após as festas de final de ano.
Nesse meio tempo, FHC foi mais rápido e se aproximou do então PFL, iniciando conversações com o cacique Antonio Carlos Magalhães, por intermédio de Roberto Marinho.
Começava a se formar ali a chapa PSDB-PFL que, no embalo do Plano Real comandado por FHC no Ministério da Fazenda, acabaria vencendo as eleições no primeiro turno.
O pefelista Marco Maciel seria o vice de FHC nos seus dois mandatos.
“Por que PSDB e PT nunca se juntaram?”, pergunta FHC a si mesmo já quase no final da entrevista.
E ele mesmo responde: “Por disputa de poder, não por disputa ideológica. Se tivéssemos mais capacidade de diálogo, teria sido melhor”.
Sim, foi mesmo por disputa de poder, sem dúvida, mas o diálogo com o PT iniciado por Tasso e Ciro só não foi adiante porque FHC optou por se aliar à direita com o PFL (hoje DEM) e com o PMDB a reboque, fiel da balança de todos os governos petistas e tucanos após a redemocratização.
Ambos, PT e PSDB, se tornariam assim, nas décadas seguintes, “reféns do atraso”, na perfeita definição de Fernando Haddad citada ainda ontem aqui no Balaio.
Haddad, aliás, foi citado também de forma amigável na entrevista de FHC no trecho em que fala do PT:
“Se eu pudesse reviver a história, eu tentaria me aproximar não só do Lula, mas de forças políticas que eu achasse progressistas em geral. Que ajudassem a governar. E acho que o PT deveria ter feito a mesma coisa. Eu gosto do Fernando Haddad, vou votar no Fernando Haddad se ele for candidato? Não vou, mas eu estou dizendo que ele é uma pessoa correta”.
Agora é tarde. No momento das definições, em 1994, FHC preferiu o PFL para ajudá-lo a governar, e o resto agora é história. O tempo não volta.
O que ninguém poderia imaginar naquela época é que essa história terminasse dando em Michel Temer, do (P)MDB, na presidência da República.
Vida que segue.



