Arquivo da Odebrecht acusa MP de proteger políticos
Análise da companhia diz que
empreiteiras e outros fornecedores da Petrobras foram achacados desde a
década de 1990 para financiar projetos de poder
Divulgação
Documento situa empreiteiras como vítimas da classe política
Um documento apreendido pela Polícia Federal no escritório da empreiteira Odebrecht, no Rio de Janeiro, durante a 23ª fase da
Operação Lava Jato,
acusa procuradores do Ministério Público Federal (MPF) de proteger
políticos com mandato para não perder a alçada das investigações e dos
julgamentos em curso. A análise, feita para consumo interno da
companhia, diz que os procuradores “querem julgar rapidamente os
empresários como os responsáveis pelas mazelas da corrupção no país,
tornando-se heróis da pátria, julgando somente uma parte do problema,
como se esta fosse causa principal”.
E deduz: “Talvez porque considerem que a verdadeira causa, que será julgada pelo STF, vai acabar em pizza”.
Lista da Odebrecht é ainda maior e tem 316 nomes
O
documento com sete páginas e sem assinatura é parte de um exame mais
extenso sobre a situação geral das empreiteiras. O texto acusa o MPF de
adotar uma “interpretação corporativa e leviana, que só aborda um lado
da questão” da corrupção no país. Disponibilizada pelo juiz Sérgio Moro,
a peça não tem data ou timbre da Odebrecht. Junto com extratos
bancários e uma
lista
com nomes de centenas de políticos de 24 partidos que receberam ajuda
financeira da companhia, o texto foi resgatado no escritório de
Benedicto Barbosa da Silva Júnior, diretor da Odebrecht, e faz parte do
item 8 do auto de apreensão 195/2016.
A análise cita fatos recentes da crise política e acusa o trabalho da
Lava Jato de ser uma “distorção da realidade”, e não “a maior
investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve”.
Escrito para servir de defesa das empreiteiras, o documento acusa os
procuradores do caso de atribuir “à organização do esquema de corrupção
às empreiteiras, não ao governo, tratando financiamento de partidos
políticos como uma consequência, não como origem e objeto central do
esquema de corrupção”.
O texto considera uma boa iniciativa do MPF a criação do
site
específico para informar à população sobre suas atividades no combate à
corrupção por meio da Lava jato. Mas alerta que “seria necessário
aprofundar as investigações antes de, apressada e superficialmente,
contar mentiras no
site”. A análise considera as empreiteiras
vítimas dos políticos: “Definitivamente, as informações já disponíveis,
aí incluídas as delações premiadas, indicam que não foram as grandes
empresas de construção de engenharia industrial as responsáveis
iniciadoras da corrupção na Petrobras”.
Capa do documento com a análise da Odebrecht
Sem citar nomes ou partidos, a peça também faz uma análise da atuação
das empreiteiras desde a década de 1980. Alega que o Estado
desempenhava o papel central de investidor nos grandes empreendimentos
na área de infraestrutura e na implantação da base industrial do país. A
análise diz que o planejamento e os projetos executivos eram de
responsabilidade do Estado, que priorizava os investimentos, definia as
políticas e subsídios para cada setor e os orçamentos. Segundo o
documento, imperava “a irresponsabilidade fiscal na execução dos
contratos”. Na década de 1990, ainda segundo o texto, o processo de
privatização de alguns segmentos destinou às empresas a elaboração de
projetos executivos, o que transformou as construtoras em empreiteiras
de obras e responsáveis por todas as fases da obra, com exceção da
licitação.
Desmando e conivência
A análise, na verdade um reforço da defesa das empreiteiras, diz que a Petrobrás adotou o modelo de
farm out,
delegando a terceiros os investimentos que a estatal precisaria fazer,
mas não dispunha de recursos. O documento elogia o rigor das áreas
técnicas da petrolífera e a qualidade dos seus executivos. A estatal,
segundo o texto, sempre pode “impedir a formação de cartéis de
fornecedores, de projetistas e de empreiteiros”. O material acusa a
companhia de ser conivente com os desmandos descobertos agora na Lava
Jato.
“Não dá para acreditar que grandes empresas concorrentes pudessem
iniciar uma cartelização pura a ponto de subjugar uma empresa do porte
da Petrobrás, sem o seu conhecimento e a sua vontade”, diz outro trecho
do material.
Para justificar seu entendimento, a análise apreendida na Odebrecht
alega que a relação das empresas concorrentes e fornecedoras da
Petrobrás não é amistosa e que a competição entre elas é bastante
acirrada, além da capacidade de julgamento da área de engenharia da
companhia com profissionais experientes, sérios e isentos. “É a
Petrobrás que licita. É ela que decide a quais empresas serão enviadas
as Cartas Convites”, diz o texto.
Documento é apócrifo
O documento alega que os casos investigados pela Operação Lava Jato
“nasceram, em certas áreas da Petrobrás, do achaque, da concussão, de
empresas prestadoras de serviços e fornecedoras que, evidentemente
aceitaram praticar o sobre-preço em benefício de agentes públicos,
políticos e seus partidos, com a participação de doleiros para a lavagem
do dinheiro”.
A análise lembra que a corrupção, ao contrário do que diz o
site
dos procuradores da Lava Jato, não teria nascido das empreiteiras, e
sim na estatal. “Ao contrário, tais empresas, com longa tradição de
prestação de serviços à Petrobrás, dentro da maior lisura, forçadas a
contribuir para projetos de poder, começaram a aceitar participar de
práticas criminosas para poder conquistar contratos e cobrar seus
recebíveis”, acrescenta o documento.
Em nota encaminhada à reportagem, procuradores da Lava Jato diz
desconhecer o documento. “A Força Tarefa Lava Jato não tem conhecimento
sobre este documento e seu teor. Contudo, no
site da operação
(www.lavajato.mpf.mp.br) podem ser encontradas todas as informações
sobre as investigações, a deflagração das fases e oferecimento de
denúncias desde o início dos trabalhos, no ano de 2014. A evolução das
investigações levou ao desvelamento do esquema de corrupção
primeiramente frente aos núcleos de operadores financeiros (doleiros) e,
posteriormente, avançando até chegar aos núcleos de agentes públicos
(ex-diretores), núcleos de empresários e, por fim, de agentes políticos.
O
site é atualizado conforme o avanço das investigações”, explicou o órgão.
A assessoria de imprensa da empreiteira Norberto Odebrecht não se
pronunciou sobre o documento. Já os procuradores da Operação Lava Jato
foram procurados para comentar o assunto, mas ainda não deram retorno
aos contatos. A reportagem do
Congresso em Foco registrará o posicionamento das partes envolvidas no assunto tão logo ele seja encaminhado.