De volta aos palcos.
No dia 19 de fevereiro, um domingo, às 12 horas, Anselmo Lopes,
procurador da República no DF, recebeu uma ligação inesperada. Do outro
lado da linha, Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da JBS,
comunicou uma decisão que abalaria o país: Joesley e Wesley Batista
iriam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça.
A conversa durou só 19 minutos e eles agendaram um encontro para o dia
seguinte. Na segunda-feira, Lopes e a delegada Rubia Pinheiro, que
lideram a Operação Greenfield, da PF, deram uma "aula de delação":
explicaram em detalhes ao advogado, profissional da estrita confiança
dos Batista, como funcionaria a colaboração premiada.
|
Zanone Fraissat/Folhapress |
|
|
Os irmãos Wesley Batista (esq.) e Joesley Batista (dir.), donos da JBS |
Duas semanas depois, Joesley entrou no Palácio do Jaburu dirigindo o
próprio carro, com um gravador escondido no bolso, para um encontro com o
presidente Michel Temer. Durante 40 minutos, arrancou diálogos
constrangedores, que, ao serem revelados, deixaram o mandato de Temer
por um fio.
O empresário disse aos investigadores que sua missão era informar o
presidente que vinha comprando o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e
do doleiro Lúcio Funaro, ambos presos em Curitiba. Temer nega que tenha
concordado com isso.
Segundo pessoas próximas, o empresário gravou o presidente por
iniciativa própria, um recurso que causa controvérsia no meio jurídico.
Pouco tempo depois, dizem, seu advogado comunicou os procuradores do
encontro e do teor da conversa. Joesley, Wesley e cinco executivos
assinaram então um pré-acordo de delação com a PGR (Procuradoria-Geral
da República).
A partir daí, começariam oficialmente as "ações controladas", nas quais
conversas e mensagens seriam monitoradas para engordar o arsenal dos
Batista. O senador Aécio Neves (PSDB) foi outro que caiu na armadilha ao
ser flagrado pedindo dinheiro. No total, a delação da JBS envolve 1.829
políticos do país.
SANGUE FRIO
Joesley demonstrou sangue frio ao gravar os políticos. Ele foi o
escolhido porque tratava pessoalmente das propinas, com auxílio de um
funcionário fiel, Ricardo Saud, também delator.
Ao contrário da Odebrecht, que tinha um departamento de propina, Joesley
marcava em planilhas os pagamentos feitos e os benefícios obtidos pela
empresa, como crédito de bancos estatais ou aprovação de leis.
Da primeira ligação do advogado da JBS ao procurador Anselmo até a
última quinta (18), quando a PF deflagrou a Operação Patmos, baseada na
delação dos Batista, se passaram 88 dias. A Odebrecht demorou o dobro
para se acertar com o Ministério Público Federal.
Os donos da JBS conduziram a negociação de forma totalmente diferente da
empreiteira, até então o caso mais ruidoso da Lava Jato. Em vez de
contratar um batalhão de advogados, deixaram quase tudo nas mãos de
Silva, que não é criminalista. Na Odebrecht, 78 executivos tornaram-se
delatores.
Na JBS, são sete delatores, e um time de apenas dez pessoas coletou
provas. Algumas nem sequer imaginavam que haveria delação. Joesley e
Wesley redigiram pessoalmente anexos da colaboração com os procuradores e
revisaram o acordo linha por linha.
Na noite de quarta (17), quando soube-se que Joesley gravara o
presidente da República, funcionários do alto escalão da empresa
tentavam, atordoados, entender o que estava acontecendo. Dois executivos
disseram que até agora o sentimento é de perplexidade.
A família Batista, no entanto, sempre chamou a atenção pela relação com o
poder, que foi fundamental para multiplicar a sua fortuna. Em 2006, o
frigorífico JBS já era uma empresa grande, com R$ 4,3 bilhões em
receitas –mas ainda uma fração do que se tornaria em apenas uma década.
Graças aos aportes do BNDES para aquisições dentro e fora do país, o
faturamento da JBS chegou a R$ 170 bilhões no ano passado. Com o caixa
vitaminado pelo frigorífico, os Batista partiram para outros negócios:
criaram a Eldorado Celulose, compraram a Vigor e a Alpargatas.
Com medo de ir para cadeia e assistir a ruína do seu império, como
aconteceu com Marcelo Odebrecht, Joesley tentava se tornar delator desde
dezembro. Mas os procuradores afirmavam que não tinham agenda para se
encontrar com o empresário.
A Lava Jato já tinha dois anos quando chegou aos negócios dos Batista. A
porta de entrada foi a delação de Fábio Cleto, ex-vice-presidente da
Caixa, ligado a Eduardo Cunha, considerado o operador da JBS no
Congresso.
À força-tarefa, Cleto contou que, em troca de propina, facilitara
empréstimo do FI-FGTS à Eldorado. Nos meses seguintes, o grupo foi alvo
de três operações da PF, que apuram irregularidades em empréstimos com
recursos públicos e investimentos de fundos de pensão de estatais.
As sedes das empresas foram reviradas, os irmãos tiveram bens bloqueados
e acabaram afastados temporariamente dos seus cargos. Joesley se sentiu
emparedado e tomou sua decisão.
PLANO
Cinco dias antes de seu advogado informar sua intenção de delatar, Joesley rompeu o silêncio. À
Folha
disse que estava perplexo com a corrupção que via na TV e que não tinha
feito nada de errado. Mas as entrevistas faziam parte do plano. Ele
queria sinalizar aos políticos que não cederia, deixando-os à vontade
para confessar seus crimes sem saber que estavam sendo gravados.
Na reta final, até o advogado dos Batista se tornou delator. Assis era o
interlocutor de um dos procuradores que havia sido subornado para
passar informações.
Os sete delatores da JBS pagarão R$ 225 milhões para se livrar das
punições, cerca de metade do acertado para os 78 executivos da
Odebrecht, conforme uma pessoa a par do assunto. Ainda falta o acordo da
empresa, que custou R$ 6,7 bilhões à Odebrecht. Os procuradores querem
que a JBS pague R$ 12 bilhões, mas o grupo oferece R$ 1 bilhão.
Pouco antes do escândalo vir à tona, Joesley viajou a Nova York,
acompanhado da mulher, Ticiana Villas Boas, com autorização da Justiça.
Assistiu ao escândalo pela televisão a salvo de fotos constrangedoras.
Se nada mudar, ele vai salvar seu império sem passar um dia na cadeia. A
Procuradoria da República e a JBS não comentaram.