Uma
sugestão de exercício para você que está convencido de que, com o ronco
das ruas, a democracia brasileira pode melhorar, deve melhorar, tem que
melhorar: finja que é agora, faça cara de quem não tem dúvidas de que
vai dar tudo certo. Muito bem. Agora pense no Senado. Desanimou, certo? É
impossível pensar no Senado e continuar fingindo que o Brasil
inteiramente outro que o meio-fio deseja já pode ser apalpado.Na noite passada, o Senado informou ao país que sua disposição para atender aos anseios do asfalto tem limites. Depois de questionar o direito de Renan Calheiros ao Bolsa FAB, a turba queria impor freios à mamata dos suplentes. E os senadores: as ruas que nos perdoem, mas os suplentes são sagrados.
Foi a voto um projeto de José Sarney. Nada revolucionário. Uma meia-sola. Previa: 1) em vez de dois, cada senador teria apenas um suplente. 2) Não poderia ser o cônjuge ou parente consanguíneo; 3) o suplente só substituiria o titular em caso de licença temporária. Na hipótese de impedimento definitivo —morte ou renúncia— o substituto seria eleito na eleição subsequente (municipal ou nacional).
Se quisesse mesmo ser levado a sério, o Senado votaria a extinção dos suplentes. Vagando uma cadeira, assumiria o candidato derrotado que houvesse somado mais votos. Mas nem a meia-sola do Sarney os senadores quiseram aprovar. Num colegiado de 81 senadores (17 dos quais suplentes), 64 deram as caras. Como se tratava de emenda constitucional, o placar mínimo para a aprovação era de 49 votos. Apenas 46 disseram “sim”. Outros 17 votaram “não”. Um se absteve.
Getúlio Vargas dizia que “política é esperar o cavalo passar”. No Senado, o alazão se chama “suplência”. Cavalgando o prestígio eleitoral alheio, empresários, parentes e apaniguados chegam ao Éden de todos os privilégios sem amealhar um mísero voto. O titular da vaga nem precisa morrer. Basta que assuma algum cargo no Executivo para que o sem-voto vire senador.
Os exemplos abundam. Lobinho no lugar de Lobão. Garibaldi pai na cadeira de Garibaldi Filho. Ausentando-se o líder do governo Eduardo Braga, assumirá a mulher dele, Sandra Braga. Na legislatura passada, morreu ACM. Foi à poltrona o filho ACM Júnior. Há casos em que o dinheiro falam mais alto que os laços familiares. O sujeito nem precisa ter princípios. Basta que disponha dos meio$.
Num cenário como esse, para cada razão apresentada pelas ruas para fazer o que deve ser feito, o Senado apresentará três dezenas de desculpas para não fazer. Feliz era Roma, que tinha um Incitatus. Incitatus, você sabe, era o cavalo que o imperador Calígula nomeou para o Senado romano. O bicho tinha 18 assessores. Usava um colar de pedras preciosas. Dormia envolto em mantas de cor púrpura. Mas não tinha suplente nem voava de FAB.
Tá no josias
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