O júbilo e a hipocrisia
Mauro Santayana
O
ministro Joaquim Barbosa escolheu a data de 15 de novembro, Proclamação
da República, para ordenar a prisão e a transferência para Brasília, em
pleno feriado, e sem carta de sentença, de parte dos réus condenados
pela Ação-470.
O simples fato de saber que os “mensaleiros” —
como foram batizados pela grande mídia — viajaram algemados e em
silêncio; que estão presos em regime fechado, tomando banho com água
gelada, e comendo de marmita, encheu de regozijo parte das redes
sociais.
É notável o ensandecido júbilo, principalmente nos sites
e portais frequentados por certa minoria que se intitula genericamente
de “classe média”, e se abriga nas colunas de comentários da mídia mais
conservadora.
Parte da população, a menos informada, é levada a
comemorar a prisão do grupo detido neste fim de semana como se tratasse
de uma verdadeira Queda da Bastilha, com a ida de “políticos”
“corruptos” para a cadeia.
Outros, menos ingênuos e mais
solertes, saboreiam seu ódio e tripudiam sobre cidadãos condenados sob
as sombras do “domínio do fato”, quando sabem muito bem que dezenas,
centenas de corruptos de outros matizes políticos — alguns
comprovadamente envolvidos com crimes cometidos anos antes desse
processo — continuam soltos, sem nenhuma perspectiva de julgamento.
Centenas de corruptos de outros matizes — alguns comprovadamente envolvidos com crimes cometidos anos antes — continuam soltos
Esses,
para enganar os incautos, já anteveem a queda da democracia. Propõem a
formação de grupos de “caça aos corruptos”, desde que esses tenham
alguma ligação com o governo. Sugerem que cidadãos se armem. Apelam para
intervenções golpistas. Torcem para que os presos de ontem, que estejam
doentes morram, ou que sejam agredidos por outros presos.
Ora,
não existe justiça sem isonomia. Já que não se pode exigir equilíbrio e
isenção de quem vive de manipular a opinião pública, espera-se que a
própria população se manifeste, para que, na pior das hipóteses, o furor
condenatório e punitivo de certos juízes caia, com a sutileza de um
raio lançado por Zeus, sobre a cabeça de outros pecadores.
Há
casos dez, vinte vezes maiores, que precisam ser investigados e
julgados. Escândalos que envolvem inclusive a justiça de outros países,
milionários e recentes ou que se arrastam desde a época da aprovação do
instituto da reeleição — sempre ao abrigo de gavetas amigas, ou
sucessivas manobras e protelações, destinadas a distorcer o tempo e a
razão, como se estivéssemos em órbita de um buraco negro.
Seria
bom, no entanto, que tudo isso se fizesse garantindo o mais amplo
direito de defesa, no exclusivo interesse da Justiça. Ou a justiça se
faz de forma equânime, desinteressada, equilibrada, justa, digna e
contida, ou não pode ser chamada de Justiça.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.
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