Opinião
SALVE
SIMPATIAS
Marli Gonçalves
Vai
que eu sei que alguma você fez ou
praticou nessa passagem de ano para ver se as coisas melhoram, ou que
pelo menos elas não piorem. Não precisa contar. Pode ter sido das
grandes, mais trabalhosas, porque precisaram ser premeditadas dado os
seus componentes ou ingredientes. Todos os salamaleques necessários.
Pode
ter sido só aquela calcinha colorida, tudo branco, a cueca nova, as sete
ondinhas. Alguma você fez.
Chegou um momento em que me peguei cansada.
Querendo que a meia-noite chegasse logo. Meia-noite não, uma da manhã
para ser mais precisa, porque não consigo esquecer que estamos no tal
horário de verão por aqui, mesmo que o foguetório
todo tenha sido explodido antes. 2016 em São Paulo chegou a uma hora da
manhã. E, como eu ia dizendo, fiquei cansada, porque mal ou bem
a gente tem sempre de fazer um monte de coisas antes do fim do ano, nem
que seja só a comida. E compras, para não faltar nada porque
tudo fecha. E mandar umas mensagens imprescindíveis cheias de otimismo. E
atender as chamadas cheias de otimismo dos amigos.
No entanto,
por mais que eu goste, e gosto, da passagem de ano, já gostei mais,
muito mais. É como se estivessem
conseguindo tirar da gente até essa esperança de renovação real. No
momento seguinte, já no Ano Novo, descobrimos
que tudo só é apenas um dia mais velho, acontecendo de novo. Acidentes,
chacinas, enchentes, escândalos, hipocrisias, contas para
pagar.
Revisão, avaliação, reavaliação, autocríticas. Há alguns
anos
não posso viajar, mas este ano percebi que sair um pouco pode ser mais
legal justamente por distrair disso tudo. Veja bem: pegar uma fila
quilométrica no pedágio, indo para a praia lotada e com chuva, às vezes
até suportando pessoas, a família e suas
indispensáveis crises, crianças, acomodações nem sempre ideais. Quem,
com tudo isso, tem tempo para pensar muito na
vida?
Tirei uns dias de relativa folga, relativa, porque
jornalista não pode aposentar a cabeça.
Descanso carregando pedra, como dizia minha mãe ao executar o monte de
tarefas que só as mulheres conseguem fazer ao mesmo tempo, e que
hoje de alguma forma sobraram para mim. Cantar, dançar, sapatear, e
ainda equilibrar-se no salto. Pois bem. Uma formiguinha laboriosa, a
imagem
que vi. Arrumando armários. Tentando arrumar as ideias, limpar alguns
cantinhos de pensamentos, de lembranças, de mágoas, muitas
que a mim foram apresentadas e que eu nem imaginaria que conheceria.
E tinha, como dizia, também de executar
as tais simpatias, duas ou três, talvez quatro, que resolvi adotar.
Superstições como creem alguns. Mandinguinhas, para os
exagerados ou crentes em outras paradas. Acho que com elas a gente
aproveita - como símbolo - para pedir, desejar, e dar ordens ao
cérebro - faça isso esse ano, faça aquilo, procure ser feliz, ganhar
dinheiro, ter saúde, amar e ser amado, parar com
tudo. Começar num sei o quê. Acontece também no aniversário, em menor
escala, mas acontece. Só não tem
é tanta simpatia para executar.
Gosto da ideia e da palavra: simpatia, simpatias. Tem simpatia para tudo quanto
é coisa. Para pedir coisas boas e para afastar coisas ruins, mantê-las a boa distância. Para curar terçol, por exemplo,
achei essa: pegar três grãos de feijão preto, passar no terçol e jogá-los para trás sem olhar. O
terçol desaparecerá, eles garantem. Não conhecia essa, nem a da aliança de ouro quente passada três vezes. Só
conhecia a da faca posta em cima por alguns segundos, e que já vi até resolver mesmo o problema.
Não fica triste se esqueceu ou se estava ocupado demais para fazer
simpatias. O ano começou e a gente tem de
enfrentar, trabalhar. Aproveita o Dia dos Reis, o 6 de janeiro, quando
se desarrumam os enfeites, a árvore, as bolinhas e pingentes. Dizem que
no Dia dos Reis o africano Baltazar, 30 anos, o asiático Gaspar, com 15,
e o europeu Belchior, quarentão, são os primeiros a
visitar o menino Jesus, já com seus quase 12 dias de vida, para levar
presente: ouro, incenso e mirra. Na Espanha tem a tradição
de as crianças deixarem sapatos com capim, pendurados nas janelas, como
alimentos dos camelos dos magos, que retribuem com doces. E tem o Bolo
de Reis, com a coroa de Reis, e uma fatia premiada.
Nesse dia,
para mim, é hora da romã, das sete
sementinhas. Chupadas e guardadas na carteira, para atrair dinheiro. É
meio chato admitir, mas meus pedidos andam meio muito materiais nessa
hora de crise no país que vivemos. Por via das dúvidas, também já comi
lentilhas, tomei banho de louro, vesti amarelo,
usei ouro.
A esperança é a última que morre.
São Paulo, tudo de novo, que seja simpático, 2016
Marli
Gonçalves, jornalista - - Quando cheguei na janela à meia noite do dia 31, achei o máximo: vi passando uma
moça toda bem vestida, carregando uma mala, daquelas até bem chiques, perolada, com rodinhas, e dando a volta no quarteirão.
Não acreditei. É uma simpatia para atrair viagens. Ano que vem, tô nessa.
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MARLI@BRICKMANN.COM.BR
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