Opinião
MULHERES, SEMPRE À BEIRA DE ALGUM ABISMO
Marli
Gonçalves
Muitas vão ler isso, virar a cara, fazer muxoxo, espernear, negar, dizer que estou
exagerando, que não é tudo isso, mas nunca na frente de um espelho. A mais nova ridiculice, misto de tolice com ridículo,
é ficar discutindo se qualquer tititi que tem mulher no meio é feminismo ou não. Aliás, ultimamente se afirmar feminista
– e eu, já adianto, sou, até porque sei do que se trata - é equivalente a ser uma bruxinha. Errado.
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Pois
repito: mulheres, sempre à beira de
algum abismo. Sempre tendo que fazer uma escolha, tendo que se desdobrar
especialmente mais, com a corda esticada no limite. Não pensem que
é fácil falar tão duro, mas de novo essa semana vamos ouvir muito
aquelas frases construtivas que inventaram dizer em nossos
ouvidos e só não tão piores como as que aparecerão no Dia das Mães, que
aí o jogo é mais duro ainda.
O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, não foi criado para vender
rosas nem batons. É dia nosso, mas em outros sentidos,
quando devíamos todos contemplar a situação, inclusive a sua própria
situação, se for mulher. Só
isso. Não é nem feriado; é simbologia. É dia criado para nunca
esquecermos quando outras mulheres antes de nós
começaram a se impor. Não precisa mudar nada se achar que está tudo bem.
Ok? Calma. Ninguém quer brigar.
Vamos pôr ordem na casa,
meninas. Geração após geração a coisa vai se definindo melhor,
mas ainda estamos longe de simplesmente compreendermos algumas coisas a
nós tão peculiares, tão particulares. Todas temos. Todas
já ouvimos homens dizerem que nunca vão entender as mulheres. Não vão
mesmo. Mas têm de nos aceitar. Não tem
melhor ou pior, ninguém está concorrendo a nada. E se você aí é tão
jovem que acha que sempre foi assim como
estamos, as mulheres nas ruas, as conquistas, assuntos sexuais sendo
falados abertamente, vai dar uma estudada. Não falamos sempre que nas
últimas décadas houve a revolução digital? Houve a feminina também.
Acabou surgindo tão forte que não
houve mesmo muito tempo de amadurecimento, percebe-se ao vermos que a
sociedade toda ainda não absorveu o que há de mais lógico
nisso tudo. As diferenças.
É certo ainda que novas formas
sexuais híbridas começam a
se apresentar bastante influentes, e mudando a paleta de cores do que é
ser homem ou ser mulher. Há variações. No caminho
o povo vai se acomodando onde lhe aprouver, tantos homens quase mulheres
e mulheres quase homens, numa interessante gradação. Que
acomoda a todos.
Mas repito: ser mulher é mais complexo, essa
coisa de ser geradora, fabricante de outros humanos,
importa sim. Mas não é fundamental, até porque entre nós há as que não
querem fazer ninguém. É
mais complexo na coragem, na força que tira sabe-se lá de onde quando
acuada, nas escolhas de sofia que faz praticamente todos os dias,
nem que seja escolhendo o cardápio da casa, ou a cor de seus sapatos. Se
vai prender ou soltar os cabelos. Cheguei à conclusão de
que as mulheres sempre têm muito mais o que decidir. O dia inteiro, toda
hora. Sinto na pele.
A mulher tem de sobreviver,
nascer, crescer, ter orgasmos, ser feliz, bonita e disponível, compreensiva, dedicada, delicada, ao mesmo tempo que está na
máquina de moer carne do mercado. Ainda tem que esperar que percebam que é dona absoluta de seu próprio corpo, não
está disposta a assédios brutos. Sem autorização, jamais toque numa mulher, nem pegue nos seus cabelos - ela pode se
transformar em uma onça. Eu, pelo menos, até afio as garras.
Há
muitos paralelos. As meninas do
movimento #vaitershortinho nos lembram vagamente o que foi a polêmica da
minissaia, os 20 centímetros acima do joelho que mudaram uns
rumos, desnorteando revolucionários. Hoje são outras coisas as
solicitadas e fundamentais. Vamos lá. Outras igualdades, se
é que ainda poderá haver algo igual a outro analisado do ponto de vista
de gênero.
Vamos organizar melhor essa
batucada.
Outro dia li e fiquei muito contente com a notícia de que a Marilia Gabriela vai fazer um novo TV
Mulher, reeditar a ideia básica. Vai sair coisa boa daí. Multifacetada, ela acompanhou todo esse tempo a que me refiro, que não
é muito, mas já são décadas. Vamos poder conversar melhor - espero que façam as mesmas boas pautas de outrora. As
sexólogas também deverão ser muito mais arrojadas do que eram a Marta Suplicy e outra famosa da época, também
Matarazzo, a Maria Helena, que lembro como mais conservadora.
Vamos, por favor, continuar comentando,
observando, fazendo. Nos encontraremos todas à beira de nossos abismos
pessoais, e onde acabamos sempre por mergulhar, no mínimo para
ver no que dá.
Mulher é curiosa.
SP, 2016
Marli Gonçalves, jornalista - Estamos em um momento muito
pulsante, que não requer divisões, mas homens e mulheres com atitude. Ah, outra coisa, antes que esqueça: se me xingar de
feminista eu gamo, entendeu?
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