Quando falar português, em Portugal, não basta!
Juliana Iorio
Faz
parte do senso comum dizer que "os brasileiros emigram para Portugal
por causa da língua". Mas, como já referi em outro artigo, as motivações
para migrar, bem como para a escolha do país de destino, não se reduzem
a um único fator. Quando muito pode dizer-se que o idioma é um dos
fatores que podem motivar esta escolha, e que enquanto facilitador da
comunicação pode ser um capital social importante na concretização desta
mobilidade.
Contudo, ao investigar o
caso dos estudantes brasileiros no ensino superior português tenho
observado que, para além das dificuldades que encontram com a língua
portuguesa falada em Portugal (diferenças de vocabulário, concordância,
fonética, sotaques, regionalismos, gírias, etc.), a maioria não sabe que
no ensino superior português o conhecimento da língua inglesa é
fundamental (é cada vez mais comum o uso do inglês em aulas,
bibliografias, participação em conferências e escrita de papers, já que a
academia portuguesa quer marcar presença nas principais revistas
científicas do mundo, e estas encontram-se, maioritariamente, em
inglês).
Portanto, a partilha do mesmo
idioma, um dos fatores que têm contribuído para a mobilidade destes
estudantes para Portugal, não se tem mostrado muito eficiente quando a
questão se prende com a integração dos mesmos no país. Apesar de ambos
os países terem como língua oficial a portuguesa, o facto é que os
brasileiros incorporaram à "língua de Camões" algumas diferenças (muitas
vezes provenientes dos autóctones, de outros colonizadores, imigrantes,
etc.), nem sempre vistas com bons olhos pelos portugueses.
Por
isso, alguns estudantes brasileiros referem já ter ouvido, inclusive de
professores, que o português que falam não é o correto. Custa-me
acreditar que um estudante universitário brasileiro não saiba utilizar a
língua portuguesa, da forma como a utilizamos no Brasil, corretamente.
Mas que a utiliza de forma diferente, é certo! Assim, acho mais
plausível admitir que não se trata de uma utilização errada, mas
diferente. Obviamente se estes estudantes escolheram vir para Portugal
devem fazer um esforço para se adaptarem à língua que aqui é falada. Mas
visto que as universidades portuguesas também têm interesse em atrair
estudantes estrangeiros, sobretudo dos países lusófonos (como já
expliquei em outro artigo), será que elas também não deveriam fazer um
esforço para aceitar estas diferenças? Parece-me que separar "erro" de
"diferença" é o primeiro passo que deve ser dado em direção a uma maior
integração.
Quanto ao uso do inglês,
enquanto alguns estudantes brasileiros veem nisso uma "mais-valia", uma
forma de melhorar este idioma, outros consideram "um absurdo", uma forma
"arrogante" de as universidades portuguesas se posicionarem em
concordância com os desígnios eurocêntricos de dominação da língua
inglesa e de autores anglo-saxões. Ou seja, é paradoxal que o uso do
inglês como forma de internacionalização do ensino superior português
possa afastar a maior comunidade de estudantes estrangeiros do país: a
brasileira.
A dificuldade que o
brasileiro sempre teve com a língua inglesa baseia-se numa aprendizagem
de fraca qualidade durante o ensino fundamental e médio (1.º ao 12.º
ano), onde somente quem fosse capaz de custear um curso privado de
inglês (ou seja, uma elite) teria chance de ver este défice colmatado.
No entanto, com uma maior democratização no ensino superior brasileiro,
que possibilitou que não só uma elite pudesse estudar no exterior, mas
também aqueles que não tiveram como emendar o fraco aprendizado do
inglês, Portugal configurou-se na oportunidade de "estudar fora",
bastando falar português.
Mas não,
falar português, em Portugal, não basta! Em Portugal ainda é preciso
haver um esforço de entendimento entre os diferentes falantes de língua
portuguesa; é preciso que as universidades invistam mais na publicação
de artigos nesta língua e aproveitem toda a potencialidade e a
diversidade provenientes dos países lusófonos. Só assim talvez se
consiga restituir a importância de um idioma que, apesar de
subalternizado, ainda é o quarto mais falado no mundo.
Jornalista, Doutoranda em Migrações pelo IGOT - Univ. Lisboa
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