Opinião


O CASO DO PEDREIRO AMARILDO E A REFORMA TRABALHISTA.

PAULO MONT´ALVERNE FROTA

A Reforma Trabalhista alterou, drasticamente, o tratamento a ser dado ao trabalhador vítima de dano moral praticado pelo empregador ou seus prepostos. A começar por introduzir um limitativo sistema tarifário para a fixação do valor da indenização a ser fixada em razão desse tipo de dano. 

Portanto, o dano extrapatrimonial que o empregador ou um de seus prepostos vier a causar a um empregado,  consistente em ofensa à honra, assédio moral, assédio sexual ou mesmo decorrente de acidente de trabalho, ou até por submeter o obreiro a trabalho degradante, em nenhum desses casos o juiz poderá condenar o empregador a uma indenização superior a cinquenta vezes o último salário contratual do empregado ofendido, pouco importando o potencial financeiro do patrão causador do dano. É o que está na CLT pós reforma.

Essa previsão se mostra absurda, até porque impõe ao juiz do trabalho obediência a limites no arbitramento desse tipo de indenização, algo não previsto nos outros ramos do direito público ou privado.

Com efeito, se tomarmos, a título de exemplo, um trabalhador que ganha salário mínimo, é correto dizer que, por todo mal causado pelo empregador à sua honra, à sua reputação, à sua imagem, à sua intimidade ou à sua aparência, causando-lhe angústia e tristeza, atingindo, evidentemente, a sua dignidade, o valor máximo a ser pago a esse trabalhador, a título de indenização por dano moral, será R$ 47.700,00.

Mesmo ficando esse empregado tetraplégico, desfigurado ou cego, vítima de acidente de trabalho, até assim a indenização por dano moral não ultrapassaria esse valor. E se, por exemplo, ele morresse em um acidente de trabalho, a indenização por dano moral, a ser paga à sua viúva, seria de, no máximo, R$ 47.700,00. E isso ainda que o empregador causador do dano fosse um megaempresário, acostumado a obter lucro líquido anual na casa dos bilhões de reais.

Para que o leitor sinta, com mais clareza, o despautério cometido pelos promotores da Reforma Trabalhista, vou comparar o previsto na CLT com o conhecido caso do pedreiro Amarildo de Souza, seqüestrado e morto em 2013 por policiais militares na Rocinha, no Rido de Janeiro. 

O Tribunal de Justiça do Rio confirmou, em 28/08/2018, a sentença da Juíza Maria Paula Galhardo, da 4ª Vara da Fazenda Pública, a qual condenara aquele estado a pagar indenização de R$ 500.000,00 à esposa e R$ 500.000,00 a cada um dos seis filhos do pedreiro. Como dito, o pedreiro foi morto em 2013. Na época, o piso salarial de um pedreiro, no Rio de Janeiro, era R$ 1.430,00, segundo o SINTRACONST – RIO (http://www.sintraconstrio.org.br/portal/index.php/pisos?id=112) 

Nesse julgamento, o pedreiro Amarildo foi encarado como um cidadão fluminense, marido e pai de família, morto por agentes do Governo do Estado do Rio. E, por não ser juíza do Trabalho, a magistrada que julgou o processo jamais esteve presa a parâmetros ou limites de valores quando da fixação da indenização por dano moral.

Diferentemente ocorreria se o pedreiro Amarildo tivesse morrido após a Reforma Trabalhista e em decorrência de um acidente de trabalho ocorrido por negligência patronal. A viúva e os filhos do morto, segundo a CLT, não receberiam mais do que R$ 71.500,00, cada um. Ou seja, uma indenização correspondente a 50 vezes o piso salarial de um pedreiro carioca à época da morte de Amarildo e quase 7(sete) vezes menor do que a indenização fixada pelo Tribunal de Justiça do Rio.

Em outras palavras, embora a CLT agora preveja que a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade, a autoestima, a sexualidade, a saúde e a integridade física são bens juridicamente protegidos e inerentes à pessoa física (art. 223 – C), também recomendou que, quando essa pessoa física for um trabalhador, ofendido moralmente enquanto tal, a Justiça deverá tratá-lo com um ser inferior, se comparado aos demais cidadãos brasileiros. Não há como entender diferentemente, à vista da Lei nº 13.467/2017. E isso é lamentável.

Contudo, não poderia deixar de mencionar que o STF, por ocasião do julgamento do RE nº 396.386 – 4, de São Paulo, Relator Min. Carlos Velloso, decidiu que o art. 52, da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) não havia sido recepcionado pela Constituição ora vigente, haja vista que “A Constituição de 1988 emprestou à reparação decorrente do dano moral tratamento especial – CF, art. 5º, V e X – desejando que a indenização decorrente desse dano fosse a mais ampla. Posta a questão nesses termos, não seria possível sujeitá-la aos limites estreitos da lei de imprensa. Se o fizéssemos, estaríamos interpretando a Constituição no rumo da lei ordinária, quando é de sabença comum que as leis devem ser interpretadas no rumo da Constituição”.

Ora, o que fez o legislador reformista ao introduzir o § único do art. 223 – G na da CLT senão repetir o equívoco censurado na decisão do STF acima transcrita? Tanto no art. 52, da Lei de Imprensa, quanto no § único do art. 223 – G na da CLT, o legislador impôs estreito, incabível e inconstitucional limite à reparação decorrente do dano moral.  É de se esperar que, enquanto a discussão não chega ao STF, os juízes do trabalho, nos casos concretos, em controle difuso de constitucionalidade, afastem a aplicação do absurdo sistema tarifário imposto pela Reforma Trabalhista.

* PAULO MONT´ALVERNE FROTA é Juiz do Trabalho do TRT da 16ª Região/MA, Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e Professor Universitário e da Escola Judicial da Magistratura Trabalhista do TRT/MA.

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