Os mortos da Vale

O ex-Ministro do Meio Ambiente José Carlos Carvalho disse que o desastre da Vale “deu um choque de realidade no governo”. Carvalho explica que a Lei Nacional da Política Ambiental Brasileira prevê cinco instrumentos de atuação - monitoramento, fiscalização, zoneamento, informação e licenciamento - mas seu emprego "acabou se resumindo a apenas um dos seus instrumentos, que é o licenciamento.” José Carlos fala especificamente da mineração: a Constituição estabelece que o subsolo é propriedade da União, mas que as concessões para exploração mineral são feitas sem nenhuma avaliação ambiental - isso fica para o licenciamento. Na fase de licenciamento dificilmente um empreendimento é rejeitado, no máximo determina-se condicionantes que, uma vez cumpridas, o negócio pode ir em frente. Assim, o poder público abre mão de zelar pelos interesses da comunidade em prol dos interesses de grupos econômicos.
Para quem imagina que o desastre da Vale arranhará a imagem da empresa no exterior e criará pressões para a melhoria da governança ambiental de suas atividades, Carvalho dá um recado seco: “Eu acho que arranha a imagem, mas vamos ser sinceros, o maior comprador de minério hoje é a China. A China não está nem aí. Então, não vamos cair na ingenuidade de achar que o país vai criar restrições na compra de minérios do Brasil por causa do meio ambiente e morte de inúmeras pessoas. Pelo contrário, eles podem usar isso para forçar a baixa da commodity no mercado internacional.”

Uma frase clássica do mundo político brasileiro classifica as leis segundo aquelas que pegam e as que só existem no Diário Oficial. Em menos de um mês, tragédias que não podiam ter acontecido no Brasil do século 21, aconteceram e levaram a mais de 160 mortes no desastre da Vale, a 7 mortes nas chuvas do Rio e a 10 mortes no incêndio no CT Ninho do Urubu do Flamengo. Em comum, são tragédias anunciadas pelo absoluto descaso que os ditos responsáveis têm para com a lei. Flávia Oliveira escreveu um artigo contundente n’o Globo antes da última tragédia, dizendo que “a regra aqui não é prevenir nem remediar; é esperar pela próxima ocorrência.” Poucas horas depois de escrever o artigo, os contêineres do Ninho do Urubu pegaram fogo.
Como aconteceu nos desastres da Samarco e da Vale, os dirigentes do Flamengo simplesmente ignoraram as leis. No caso das mineradoras, as licenças foram concedidas no limite do risco. No caso do Flamengo, seus dirigentes economizaram colocando os meninos em contêineres provisórios onde deveria ser um estacionamento.
Os governos do Rio sabem de há muito dos riscos de deslizamentos nos morros da cidade. São eleitos por forças “ocultas” que dependem da precariedade para movimentar seus negócios.
Quando confrontados com a pilha de mortes que se avoluma, se abrigam atrás do emaranhado de recursos que o sistema jurídico permite a quem pode pagar os melhores escritórios de advocacia. Lembram, no limite, o texto de Morte e Vida Severina: “Como aqui a morte é tanta, só é possível trabalhar, nessas profissões que fazem da morte ofício ou bazar.”

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