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Opinião

Ciro no PSDB e as ironias da política
'Ao sair do PDT rumo ao PSDB, Ciro não muda apenas de legenda — ele confirma seu papel involuntário como o maior aliado de seus adversários'
Por Miguel do Rosário-Jornalista
Ciro Gomes (Foto: REUTERS/Adriano Machado)
O papel que a ironia desempenha na história tem sido estudado, mas sua função na vida pública contemporânea ainda permanece pouco explorada. O teólogo e filósofo político americano Reinhold Niebuhr, em sua obra clássica A Ironia da História Americana (1952), analisou como as supostas virtudes de uma liderança acabam se revelando vícios que beneficiam os próprios adversários. Na política brasileira, essa ironia se manifesta quando os fatos ocorrem de maneira oposta àquilo que seus desencadeadores imaginavam.
O caso de Eduardo Bolsonaro ilustra o fenômeno. O presidente Lula o chamou de “meu camisa 10” porque, ao articular sanções do governo Trump contra o Brasil, o deputado gerou uma onda de rejeição contra si e seu grupo, entregando de volta ao campo progressista a bandeira do patriotismo e da soberania nacional.
Ciro Gomes também se tornou um exemplo dessa ironia. Toda a sua violência verbal e a força de seus ataques acabaram se voltando contra si mesmo, beneficiando exatamente aqueles que pretendia destruir: Lula e o Partido dos Trabalhadores, tanto nacionalmente quanto no Ceará. Neste momento, Ciro anuncia sua desfiliação do PDT e se prepara para ingressar no PSDB, enfrentando um cenário radicalmente diferente daquele que construiu no passado.
O contraste com sua trajetória é gritante. Quando Ciro mudava de partido antigamente, era um acontecimento que trazia consigo prefeitos e deputados. Agora, ele vem praticamente sozinho, acompanhado apenas pela companhia melancólica de José Sarto, ex-prefeito de Fortaleza que sofreu uma derrota humilhante em 2024. A última eleição municipal na capital cearense ilustra bem esse declínio: Sarto, então prefeito pelo PDT, ficou em terceiro lugar com apenas 11,75% dos votos, enquanto seu grupo político apostava no candidato da extrema-direita, André Fernandes (PL), que também foi derrotado no segundo turno por Evandro Leitão (PT).
O declínio do PDT no Ceará reforça a ironia. O partido, que chegou a ter 67 prefeituras em 2020, elegeu somente 5 em 2024 — uma queda de 92,5%. Na Assembleia Legislativa, a bancada despencou de 13 para apenas 5 deputados, após uma debandada liderada pelo senador Cid Gomes, irmão de Ciro, que migrou para o PSB. O PSB, por sua vez, saltou de 8 para 65 prefeituras, e o PT cresceu de 18 para 46. Toda a violência de Ciro contra o PT e Lula serviu para fortalecer exatamente seus adversários.
Em entrevista ao podcast As Cunhãs, o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do Governo Lula na Câmara, analisou essa transformação: “O eleitor do Ciro, hoje, não é mais o eleitor do PT. O eleitor do Ciro, hoje, é um eleitor mais conservador.” A avaliação revela como Ciro, ao romper com o campo progressista, perdeu sua base histórica sem construir uma nova, tornando-se, involuntariamente, o “camisa 10 de Lula no Ceará”.
O território cearense, aliás, possui um ecossistema midiático local forte, rico e plural, que torna o acompanhamento de sua política particularmente interessante. O estado registrou em 2024 um crescimento do PIB de 6,49%, quase o dobro da média nacional, e o governador Elmano de Freitas (PT) possui 56% de aprovação, com o ministro Camilo Santana articulando sua reeleição para 2026.
O contraste entre os estilos de Camilo e Ciro explica muito do sucesso de um e do fracasso do outro. Camilo leva a política a sério, costurando alianças com humildade e respeito. Ciro, por outro lado, comporta-se como um orangotango numa sala de cristais. Suas ofensas não poupam nem mulheres em posições de liderança, como no caso da prefeita de Crateús, Janaína Farias. Ciro a chamou de “cortesã de Camilo Santana”, sendo repudiado por senadoras de todos os espectros políticos, da esquerda à extrema-direita. A Advocacia do Senado pediu sua prisão por repetir as agressões mesmo após ser condenado a pagar R$ 52 mil por danos morais. As investidas machistas uniram mulheres contra ele, fortalecendo exatamente quem pretendia destruir.
Para 2026, o dilema de Ciro parece insolúvel. A eleição para governador passará pela costura com prefeitos, trabalho que Camilo domina e Ciro despreza. Seu único caminho seria uma aliança com o bolsonarismo, mas como explicar tudo o que disse sobre Bolsonaro? O mais revelador é seu silêncio estratégico nos últimos meses sobre temas nacionais cruciais, para não ferir os brios da extrema-direita.
Há ainda outra camada de ironia na escolha do PSDB. Ciro está entrando num partido praticamente irrelevante no Ceará, com apenas 2 prefeitos e 1 deputada estadual. Nacionalmente, a sigla enfrenta grave crise de identidade. A entrada de Ciro, com seu histórico de rupturas, pode piorar ainda mais a situação do partido.
A maior ironia, porém, está em 2022. Quando Ciro rompeu com os aliados de Camilo Santana, acabou ajudando Elmano de Freitas a vencer no primeiro turno. O grupo de Ciro acumulava desgaste, e o resultado eleitoral comprovou que ele era mais um fardo do que um ativo. Para 2026, a dinâmica promete se repetir: se Ciro entrar na campanha da oposição, alimentará tantas contradições que, mais uma vez, acabará ajudando a base política de Camilo a ter um bom desempenho.
A trajetória de Ciro Gomes é um exemplo perfeito do papel da ironia na política contemporânea. Aquele que se apresentava como salvador da política brasileira hoje está isolado, justamente por não reconhecer seus defeitos: a arrogância, a incapacidade de construir alianças e a crença de que a violência verbal substituiria o trabalho político sério. Ao sair do PDT rumo ao PSDB, Ciro não muda apenas de legenda — ele confirma seu papel involuntário como o maior aliado de seus adversários. Assim como Eduardo Bolsonaro, é mais um “camisa 10” de Lula.

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