Um empresário do ramo de pesca, de Itarema, que perdeu um barco por incêndio criminoso na manhã de ontem, 8/12, continuou recebendo ligações de membros da facção Terceiro Comando Puro (TCP). Ele disse ao Estado que foi surpreendido pela ação criminosa e depois do acontecido baixou a cabeça e entregou a Deus o prejuízo, resolveu prosseguir a negociação e um pix foi passado, ontem à tarde, para a organização no valor de R$5.120,00, pelo direito de continuar a pescar. A embarcação não tinha seguro e Itarema dista 188,52 quilômetros de Fortaleza.
A cena do barco em chamas divulgada na manhã de ontem, no site CN7, do jornalista Donizete Arruda, comprova que a facção (TCP), cuja presença foi detectada desde setembro de 2024, no Ceará, age de forma violenta contra quem questiona sua extorsão. De acordo com o proprietário, que pediu sigilo na sua identidade, o incêndio foi uma retaliação pelo fato dele ter demorado a pagar a “taxa de proteção mensal” exigida pela facção (TCP), no valor de R$ 320 por embarcação para permitir a operação na costa de Itarema, sob ameaça explícita de queimar os barcos em caso de recusa.
O empresário disse que realmente se surpreendeu com o incidente que deixou sete pescadores sem empregos, por já estar negociando com eles. “Eu não me recusei a pagar, estava tentando fechar por viagem e eles queriam o dinheiro mesmo com o barco parado”. Para não perder mais, resolveu pagar do jeito que eles exigiram. Perguntamos o que esperava da ação policial no caso, ao que respondeu: “Falei com o comandante geral e sou sincero, não espero nada”.
Além do incêndio, câmeras de segurança instaladas no local foram destruídas, e equipamentos avaliados em R$ 30 mil, como GPS e Starlink, de outra embarcação que estava próxima, foram furtados. Segundo o empresário, essa cobrança, começou há semanas. A Martins Pescados é uma empresa de comércio atacadista de pescados e frutos do mar proprietária de 17 embarcações, então teria que desembolsar R$ 5.440,00 para colocar a frota no mar. Ele explicou que alguns dos 17 barcos ele somente toma de conta, pois pertencem a um ex-prefeito do município.
O barco incendiado era o maior e mais bem equipado da frota avaliado em R$ 1,8 milhão. O incidente aumentou o clima de medo entre pescadores e empresários locais, levando a uma intensificação das ações policiais na região para prender os responsáveis e investigar o caso como crime de organização criminosa, conforme noticiado pelo G1, Tik Tok e Instagram de outras mídias.
Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública do Ceará (SSPDS) informa “que a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) apura as causas de um incêndio, registrado nesta segunda-feira (
, em Itarema. Equipes da Polícia Militar do Ceará (PMCE) e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE) foram acionadas. A Delegacia de Polícia Civil de Itarema, unidade da PCCE, aguarda perícia para saber as circunstâncias do ocorrido.”
“Em nome do Pai”, os “traficrentes” aterrorizam
As facções são coletivos que se mobilizam voltados para a violência e à criminalidade constituídas por uma moral própria, refletida em linguagem, “ética” e estratégias para o domínio coercitivo do território afetado, elegendo como recompensas, os lucros, o controle físico sobre moradores, o reconhecimento, a proteção e a solidariedade. Essa definição é do comandante de polícia José Messias Mendes Freitas ao apresentar trabalho sobre: Facções Criminosas, policiamento e democracia: disputa de ordens em territórios.
O TCP assim como o grupo Okaida se apropriam da religião como ferramenta para controle social, lavagem de dinheiro e legitimação do poder, muitas vezes à custa de outras crenças, como as de matriz africana. A governança criminal exercida pelos “traficrentes” (traficantes evangélicos) combina coerção física e controle simbólico.
No trabalho pelo título de mestrado, o Comandante destaca que as facções manipulam os elementos constitutivos das relações sociais nas comunidades, vigiando os gestos, os comportamentos, as rotinas das pessoas na comunidade. O poder simbólico das ações comunicativas das facções, dirigidas aos moradores e transeuntes que frequentam as comunidades afetadas. Assim, “em nome do pai” eles praticam o terror.
Os territórios afetados pelas facções criminosas têm em comum uma manifesta delimitação de espaço, marcado por pichações nos muros, nos postes, nos cestos de lixo, nas fachadas de prédios, nas placas de trânsito, nos viadutos, nos portões das casas alheias, a saber; em qualquer espaço que seja possível a comunicar que aquele território encontra-se sob a governar de uma facção criminosa que se orienta, organiza-se e controla a partir de uma racionalidade própria, arbitrada em conformidade com a força e a ferocidade do “homem”, “o bichão”, o “dono da favela”.
Jovens nas esquinas (olheiros), câmeras que permitem a movimentação distante das pessoas, ocupação dos imóveis mais elevados que permitam uma visão mais ampla e profunda da comunidade, olhares intimidadores, perguntas intimidadoras, barreiras físicas nas vias públicas e até ostentação de armas são alguns dos instrumentos empregados pelas facções criminosas para criar um clima de docilidade e obediência.
Grafites com passagens bíblicas e declarações de domínio espiritual, como “Jesus é o Senhor deste lugar”, são comuns em áreas dominadas por traficantes evangélicos
A teologia neopentecostal é um conjunto de crenças e práticas característico das igrejas neopentecostais, marcado pela ênfase na Teologia da Prosperidade, na batalha espiritual contra forças malignas e na intervenção divina direta na vida dos fiéis. Essa teologia valoriza a busca por bênçãos materiais e espirituais, frequentemente destacando a importância do dízimo, da fé prática e do sucesso como sinais de favor divino.
(Por Elizabeth Rebouças)

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